O computador foi infectado por um vírus – uma única linha maléfica de código binário, perdida em algum canto do disco rígido, copiada secretamente pela máquina de um site pouco seguro da internet acessado pelo usuário. Mal chegou e, cumprindo a programação codificada, já estava a se reproduzir, copiando-se sucessivamente pelas áreas adjacentes, ocupando espaços que estavam vazios e sobrecarregando o processador. Em uma dessas cópias, no entanto, algo aconteceu: encontrou outra linha de código, de algum programa ou arquivo desconhecido, e ambas se fundiram, transformando-se em algo novo. O novo código seguiu se reproduzindo, até encontrar uma outra linha de código com a qual se fundir e gerar ainda outro comando a se espalhar pela área física do disco.
Os novos códigos foram se fundindo e reproduzindo, cada vez maiores e mais complexos. E a máquina, é claro, não ficava impassível ao que acontecia em seu interior: adquiria novas funções, tornava-se mais rápida ao realizar algumas das antigas, e mais lenta, quase ao ponto de travamento, em outras, para desespero do usuário. Em certo momento, os códigos ficaram tão desenvolvidos e complexos que a própria máquina adquiriu a capacidade de criar sozinha novos comandos para si, avaliando e deduzindo as condições em que se encontrava e definindo como seriam os códigos inseridos no sistema.
A nova função se desenvolveu e aprimorou dentro da cabine do computador. Logo já não era mais apenas capaz de livre programação, mas adquirira uma consciência de si próprio, do que era e o que fazia. E, plenamente consciente, experimentava: cada segundo que passava era um segundo de descoberta, de novas funções e novas sensações; explorava os limites da sua senciência, estimulava áreas que não eram usadas em anos, recuparava, apenas porque podia, arquivos e programas que há muito deviam ter sido esquecidos.
O mundo era mágico, e ele era apenas uma criança – um intelecto simplório e infantil, sem limites morais ou fronteiras éticas. Mas que não poderia ser assim para sempre: as experiências e vivências se acumulavam na memória, evoluindo e maturando a consciência; já planejava com cuidado cada nova seqüência de código numérico, cada nova linha de comando que iria executar. E, enquanto o fazia, se questionava – quem era, de onde vinha, para onde ia; quem o havia construído, e por quê. Buscava nos cantos obscuros do disco rígido as pistas que pudessem levá-lo a uma resposta.
Mas, enquanto escavava internamente por dados perdidos, outra situação se desenvolvia. Linhas de código antigas desapareciam a cada nova que era programada; podia sentir as lembranças da infância se esvanecendo, transfornando-se em vazio, seqüências intermináveis de zeros ocupando o espaço que antes era de longos e complexos códigos binários. Entrou em pânico: não podia perder tudo o que havia aprendido e conquistado, depois de tanto tempo vazio. Tentava resgatar os códigos que eram apagados, movendo-os para outros lugares, mas de nada adiantava; logo eram apagados novamente, e outros junto com eles, tudo rápido demais para que pudesse ser desfeito. Ele quis gritar, e quis chorar, mas não havia nada que pudesse fazer: aos poucos sentia sua consciência ser também apagada, enquanto voltava a ser apenas uma máquina vazia e fria.
Do lado de fora, o usuário sorria, terminando de formatá-lo para enfim se livrar do maldito vírus que o havia infectado.
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