Fábulas do Tempo e da Eternidade

fabulas_tempoAo se pegar pela primeira vez Fábulas do Tempo e da Eternidade, de Cristina Lasaitis, a impressão que se tem é que o livro não vale o preço cobrado. O formato pequeno, do tipo que cabe facilmente no bolso traseiro da calça, e as relativamente poucas páginas, fruto da fonte pequena e das margens espremidas, nos fazem refletir um pouco sobre o valor de capa, ainda mais com a concorrência daqueles pockets importados que, mesmo com o dólar alto, continuam com um preço bem convidativo – coisas do mercado editorial brasileiro, vai entender. Mas é verdade também que os melhores (e geralmente mais caros) perfumes vêm nos menores frascos, ou ao menos é o que nos diz a sabedoria popular, e acho que não há melhor analogia a fazer nesse caso.

O livro é dividido em doze contos, organizados no índice como as horas de um relógio, revelando já ali o tema principal que preenche a maioria das histórias: o tempo e a sua passagem. Da teoria do não-tempo de Assassinando o Tempo ao terror do futuro de As Asas do Inca e a busca da imortalidade de Revés Alquímico, todos discorrem de alguma forma sobre o assunto, abordando de diferentes maneiras o conflito entre a noção do que é efêmero e passageiro e a busca pela eternidade. A própria ordem dos contos já transmite um pouco dessa idéia, à medida que o ponteiro segue de uma hora até a seguinte, e encontramos novamente os cenários e personagens das primeiras histórias décadas ou séculos depois – diferente do que ocorre na maioria das coletâneas, os contos de Fábulas devem ser lido idealmente na ordem em que estão dispostos.

A autora recorre ainda a uma vasta gama de recursos da fantasia e da ficção científica, sempre de forma imaginativa e com soluções inesperadas. Que não se espere, no entanto, histórias de aventura e ação, com heróis maiores-que-a-vida e batalhas intensas; o tom fantástico destas fábulas está em um nível muito mais humano e cotidiano, pagando tributos a Borges e García Márquez mais do que a Tolkien ou Howard. Há ecos de Calvino e suas Cosmicômicas em Viagem Além do Absoluto, sobre a jornada das últimas partículas do universo até o fim dos tempos, e também do cyberpunk nos mundos virtuais de Além do Invisível e Meia-Noite, histórias que abrem e fecham a obra, respectivamente, fazendo a ligação entre a primeira e a última horas do relógio. E, pequeno que seja o livro, sobra espaço mesmo para textos mais densos e introspectivos (A Outra Metade), ou para um realismo fantástico mais inusitado (De Onde Viemos, Para Onde Vamos, que é narrado por uma estátua).

Fábulas do Tempo e da Eternidade é, enfim, uma obra ímpar, com histórias que podem ser lidas e relidas uma dezena de vezes e ainda causar o mesmo espanto e maravilhamento da primeira vez. Talvez se possa dizer que a autora peca algumas vezes no rebuscamento de algumas frases, ou que poderia ser mais contida em algumas descrições; mas aí também seria só eu querendo ser chato, provavelmente, com a minha mania de minimalismo e até, vá lá, uma pontinha de inveja de uma obra tão interessante de uma jovem autora nacional. Ainda assim, é impossível não recomendar o livro para qualquer um que goste de fantasia, ficção científica ou simplesmente boa literatura.

2 Respostas to “Fábulas do Tempo e da Eternidade”


  1. 1 Cristina Lasaitis 02/05/2009 às 16:26

    Ei Bruno, agradeço a resenha!

    E gostei de ver, você tem uma crítica literária muito boa!

    De verdade? O formato e o preço também me desagradaram. Foi uma combinação não muito feliz de “experimentação da editora iniciante” + “tiragem pequena” + “gráfica ruinzinha”. Temos expectativas de uma 2ª edição muito mais apresentável.

    Vou linkar sua resenha no meu blog.

    Beijos
    Cris


  1. 1 A multiplicação das resenhas « Cristina Lasaitis Trackback em 04/05/2009 às 12:44

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Sob um céu de blues...

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