Não existe horário mais ilustrativo da condição humana do que as seis da manhã. É tarde demais para continuar a noite, mas também cedo demais para começar o dia; fica precisamente nesse vácuo cotidiano, aquele período entre os dias, nem mais ontem, nem ainda hoje. É aquele momento onírico, quase mágico, em que toda a humanidade compartilha a mesma condição de existência, a mesma sonolência e inércia que os move tediosamente até a hora seguinte.
Pois ninguém que está acordado e ativo às seis da manhã deseja estar. É o ponto de encontro dos boêmios e dos trabalhadores, seja em casa ou na rua; o fim das noitadas épicas, o início das jornadas diárias para ganhar o pão. Todos reunidos na mesma vontade: a ânsia de estar em outro lugar, viajando em mundos de imaginação e fantasia criados pelo sono, longe da dura realidade cotidiana. E é isso que os une, que os transforma nessa comunidade livre de preconceito e discriminação. Todos são irmãos às seis da manhã, e trocam seus olhares silenciosos de reconhecimento à desgraça que compartilham.
Mas, àqueles que perdem suas seis da manhã nas horas de sono e sonhos que os demais gostariam de ter, sinto pena de vocês! Podem se imaginar satisfeitos e abençoados, mas no fim, felizes que acreditem estar, perdem a experiência desse algo maior, dessa epifania. Não me surpreenderia em descobrir que os maiores avanços da humanidade tivessem saído de pensamentos perdidos nesse horário, enquanto se espera o ônibus para a escola passar; e realmente duvido que qualquer tipo de mal verdadeiro e intencional possa ser praticado antes das sete.
Seis da manhã é, enfim, um horário mágico, único na grade de horas que constróem o dia. Outros horários podem ser mais felizes, mais trágicos, mais produtivos; mas nenhum deles chega sequer perto de compartilhar do mesmo simbolismo e poesia que as seis da manhã possui.
1 Resposta to “Seis da Manhã”