Quentin Coldwater era um adolescente normal, que levava uma vida normal. Pais ausentes, poucos amigos, e, vá lá, uma inteligência bastante acima da média, que o levou a escolas especiais para jovens super-dotados, mas ainda assim nada tão fora da realidade. E, como a maioria das pessoas normais, também não acreditava na existência de magia ou poderes sobrenaturais de qualquer tipo – ao menos até ser convidado para ser aluno em uma instituição exclusiva onde poderia de fato aprendê-los.
Se a premissa parece familiar, é porque realmente é. The Magicians: A Novel, em um primeiro momento, é abertamente inspirado na série Harry Potter, fato que sequer tenta esconder, enchendo-se de referências ao mundo dos bruxos e trouxas. Ao mesmo tempo, no entanto, é uma história completamente diferente: Quentin não é um garoto de doze anos, mas um adolescente de dezessete, e Brakebills, a instituição mágica da vez, não é uma escola secundária como Hogwarts, e sim uma universidade. Claro, temos ainda as aulas de magia, os professores rigorosos, até mesmo os grêmios / fraternidades estudantis; mas, no lugar de jogos e picuinhas juvenis, o seu ambiente e dia-a-dia é preenchido com festas, álcool e sexo – muito sexo. Como diz George R. R. Martin, autor da série A Song of Ice and Fire, já na contra-capa, The Magicians está para Harry Potter como uma dose de uísque irlandês está para um copo de água pura.
Isso resume muito bem toda a primeira metade do livro, que aborda o período de estudante de Quentin e seus amigos do vestibular até a formatura, com o ritmo de uma comédia universitária. Poderia acabar aí, claro, e já seria uma história bastante interessante e divertida, mas também de alguma forma incompleta – há vida após a universidade, e a segunda metade do livro se dedica a mostrar como os recém-formados fazem essa transição, buscando alguma utilidade para os seus poderes mágicos tão arduamente conquistados. A inspiração principal, a partir de então, passa a ser As Crônicas de Nárnia e todas as outras histórias sobre crianças solitárias que visitam mundos de fantasia, mas com uma levada um tanto mais sombria, afinal, novamente, não são simples garotos que fazem a viagem, e sim jovens adultos no auge dos seus vinte e poucos anos.
Por trás de toda a fantasia, é fácil notar o subtexto que fala da passagem para a vida adulta e o amadurecimento, presente de forma bastante envolvente e intensa. Os personagens são críveis e bem desenvolvidos, fugindo dos clichês fáceis e arquétipos superficiais – há espaço até mesmo para um homossexual assumido, que foge muito bem de virar uma mera caricatura ou alívio cômico. É digno de nota como o autor consegue fazer você se preocupar mais com as suas questões mundanas do que com o universo exuberante que os rodeia, e muitas vezes você está mais interessado em saber como eles vão resolver seus problemas de relacionamento do que no feitiço ou item mágico que irá enfim derrotar o vilão. E, à medida que as reviravoltas acontecem, e você os pega cometendo mais erros do que acertos, começa a ficar claro que este não se trata do seu conto de fadas padrão, onde tudo se resolve no fim e todos vivem felizes para sempre, sem maiores marcas do que passaram – ao contrário, mesmo com toda magia que existe no entorno, o livro faz um excelente trabalho em puxá-lo de volta para a realidade, fugindo de ser uma mera literatura escapista, que o afasta dos seus próprios problemas enquanto durar a leitura. Ou, ao menos, funcionou assim comigo, talvez por eu estar passando por um momento na vida semelhante ao de alguns personagens, o que pode ter feito eu me envolver um pouco além da conta com o enredo todo; apenas a cena final acaba fugindo um pouco desse tom, talvez para tentar deixá-lo menos desolador, e manter em aberto a possibilidade de uma seqüência.
The Magicians: A Novel, enfim, é, antes de tudo, um ótimo livo de fantasia – uma história que nunca poderia acontecer em Hogwarts ou Nárnia, e uma boa, ainda que trágica, fábula sobre o amadurecimento. Apesar do nó na garganta que deixa no final, não há como não recomendar.
Não li, tá? Nem mesmo conhecia a obra antes de ler a resenha — o que infelizmente é normal no meu caso. =(
Mas o que eu quero comentar é sobre isso:
“(…) apenas a cena final acaba fugindo um pouco desse tom, talvez para tentar deixá-lo menos desolador, e manter em aberto a possibilidade de uma seqüência.”
Essa de “sequência” é que estraga o final de muitas obras. O sujeito escreve um bom livro (ou filme, ou outra mídia), uma boa história, passa o que quer passar pro leitor — e, em vez de reconhecer que é melhor fechar bem a obra por ali e partir pra outra, deixa um final em aberto pra sequências que terminam por estragar a série como um todo.
Objetivo? Vai desde ter mais chance de vender seus livros e ganhar mais dinheiro (mais uma culpa pro mercado), até algo que eu humildemente identifico como “mania da trilogia/tetralogia/pentalogia/heptologia/whatever” — o cara quer ser conhecido como o que escreveu “a mediana série Tal, que começou bem mas decaiu, e uns bons livros por fora”, do que ter uma vasta série de bons livros, mesmo que narrativamente desconexos.
Desculpa o desabafo, mas é um elemento que eu gostaria de levantar a discussão.
Abraços!