A Game of Thrones, do escritor norte-americano George R. R. Martin, é o primeiro volume da série A Song of Ice and Fire, que conta, até o momento, com quatro livros, estando o quinto sendo prometido desde 2005 e programada por enquanto para se encerrar no sétimo (muito embora isso ainda possa mudar, já que inicialmente, como uma rápida consulta à wikipedia revela, ela foi planejada como uma trilogia). É também um livro que li já faz algum tempo, mas tenho me segurado para resenhar por uma série de razões, a principal sendo que eu muitas vezes me sinto um pouco acanhado em avaliar uma obra incompleta – geralmente prefiro terminar todos os volumes antes de me animar a escrever, como fiz, por exemplo, com A Torre Negra do Stephen King. No entanto, algumas notícias recentes têm colocado a série em evidência, tanto no Brasil como fora dele, de forma que achei que poderia ser interessante falar um pouco a respeito – em primeiro lugar, temos o anúncio de que ela será publicada por aqui pela editora Leya, com o primeiro livro, Jogo de Tronos, programado já para o segundo semestre de 2010; além disso, temos a produção de uma série de TV para a HBO baseada na obra já em andamento lá fora. Assim, esse texto, enquanto se foca mais no primeiro livro, já serve também como apresentação da série toda para os meus 2d4 leitores assíduos.
Comecemos pelo básico, então. A história se passa primariamente no continente fantástico de Westeros, uma versão em miniatura da Europa medieval, contendo tudo desde um norte gelado com gigantes nórdicos até guerreiros mouros no sul mais aquecido. Não pense, no entanto, que isso faz dele um correlato de Torils, Artons e semelhantes – o medieval, aqui, é em um sentido muito mais literal, com direito a senhores feudais e igreja opressora, e não a versão romântica e limpinha (ou não tão limpinha assim, se você for fã do Leonel Caldela) com que você pode estar acostumado nos RPGs da vida. A pegada dos livros muitas vezes se aproxima mais de um romance histórico do que de um de fantasia, com descrições detalhadas de vestimentas, alimentação e outros costumes de época, e tenho certeza de que vai ter gente aprendendo mais sobre a Idade Média com estes livros do que aprendeu na quinta série. E mesmo com este porém, é claro, ainda estamos falando de um cenário de fantasia, o que quer dizer que nem tudo se resume a dar novos nomes para personagens e povos históricos – há magia, muito embora ela seja sutil, macabra e pouco confiável, cobrando um preço alto daqueles que ousam invocá-la; há seres sobrenaturais e maravilhosos, embora eles também costumem ter seus segredos e mistérios; e, bem, falar dos dragões seria spoiler…
É neste cenário, em todo o caso, que se desenvolve o enredo principal da série, a rivalidade entre as famílias Stark e Lannister, que eventualmente levará a uma guerra generalizada em todo o continente, inspirada na Guerra das Duas Rosas que ocorreu na Inglaterra no século XV. Isso, é claro, simplificando bastante: a trama criada por Martin é complexa, repleta de personagens secundários, sub-tramas e histórias paralelas, tantas que, para alguém com alguma dificuldade de atenção, pode ser até um pouco difícil acompanhar tudo o que acontece ao mesmo tempo, bem como lembrar de todos os nomes e sobrenomes de alguma importância que aparecem pelo caminho – sinceramente, não sei o que seria de mim algumas vezes não fossem os longos apêndices dos livros, que listam todos os personagens principais, secundários, suas famílias e relações de parentesco.
Mas é uma história altamente gratificante mesmo assim, para quem se dispor a acompanhá-la. Os personagens são complexos e profundos, repletos de virtudes e defeitos, e o enredo se desenvolve muito mais a partir deles e os seus relacionamentos do que por qualquer fator externo ou deus ex-machina maligno que os force a agir de determinada forma. Por vezes, mesmo algum que tenha gerado antipatia a princípio se revela um personagem cativante em outro momento, quando temos a oportunidade de ver os acontecimentos pela sua perspectiva. Há reviravoltas inesperadas a todo instante, algumas até que parecem óbvias depois de acontecerem, mantendo a tensão e o interesse, e, sem dar spoilers, digamos que ninguém está a salvo de uma morte trágica. Para os fãs de literatura fantástica de mais longa data, ainda, é muito interessante ver como Martin aproveita praticamente todos os principais clichês do gênero, mas sempre subvertendo-os e transformando-os em algo novo – há espaço lá para o cavaleiro galante, o guarda-costas real, o bando de foras-da-lei altruístas; mas em cada um há um pequeno detalhe, um leve twist inesperado, que o muda completamente.
Se há algum defeito, por menor que seja, que se possa apontar, eu diria que, especificamente neste primeiro volume, a ação tende a ser um pouco devagar, contando uma história mais centrada no mistério e na investigação do que no lado épico do cenário, e que pode entediar um leitor esperando guerras e combates já na primeira página. Mas há um motivo para isso: ele contém, na verdade, apenas a introdução à trama principal, um grande prólogo de 800 páginas, e é só próximo ao final que a merda é jogada no ventilador e as coisas começam a acontecer com maior freqüência. O enredo blefa e confunde sobre quem são os heróis, vilões e protagonistas, e muito pouco do que é estabelecido como certo e verdadeiro continua assim no quarto livro.
Em todo o caso, isso não faz da série menos fantástica e cativante, praticamente obrigatória para qualquer um que se diga fã de fantasia e acredite que é possível uma história do gênero ser adulta e complexa, fugindo das lutas eternas do bem contra o mal e o que mais houver aí no meio. Esse meu texto curto dificilmente faz jus a ela toda – se quiser ler mais a respeito, recomendo o especial que a Ana Carolina Silveira fez no blog Leitura Escrita, com três artigos longos e um pouco mais detalhados do que eu jamais teria paciência de fazer (e por um pouco, entenda-se muito). Se você lê inglês, pode ir já correr atrás das edições importadas; se não, torça para que a Leya mantenha a previsão inicial, e comece a contar os meses até o lançamento da versão nacional.
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