Houve um tempo em que o lançamento de um novo Final Fantasy era motivo de tensão e ansiedade. Lembro de como passava meses em expectativa na época dos Playstations 1 e 2, me segurando para não ir atrás de vídeos e imagens na internet, pois queria evitar qualquer tipo de spoiler que estragasse as surpresas que ele guardava. O caso mais dramático, para mim, acho que foi o Final Fantasy X, que veio antes de eu comprar um PS2, então eu tive que esperar quase um ano depois do lançamento para poder jogá-lo. E valeu a pena, é claro, pois acredito que tenha sido um dos mais marcantes da série.
Nos últimos tempos, no entanto, não tenho me sentido da mesma forma. Tem a ver um pouco com a idade, é claro – aos vinte e seis anos já não há como dar a mesma importância para um videogame como se dá aos treze. Mas tem a ver também com todo carnaval de títulos que a série se tornou, com dezenas de jogos e sequências lançados para praticamente todos os consoles, não só tornando impossível acompanhá-los como também diminuindo toda a espera e ansiedade que existia entre um e outro. E mesmo os jogos da série principal, na verdade, aqueles que seguem a mesma numeração desde o primeiro título, sofreram algumas mudanças bastante nítidas após a saída de Hironobu Sakaguchi, o histórico produtor e criador da franquia – para quem não sabe, ele se afastou da SquareEnix e fundou uma nova empresa, a Mistwalker, cujo título mais recente lançado para o Wii não esconde suas pretensões ao seu legado nem no nome, The Last Story.
Para substituir Sakaguchi, foi chamado o produtor Yoshinori Kitase, que já havia trabalhado como diretor e em outras funções em outros jogos da série. Muitas mudanças já podiam ser sentidas desde o lançamento anterior, Final Fantasy XII, em especial uma certa queda de qualidade do enredo, que sempre foi um dos seus pontos mais fortes. E isso é ainda mais visível quando se avalia Final Fantasy XIII: desde o início a história toda se desenvolve a partir de um gigantesco deus ex machina (num sentido bem literal até), em que os protagonistas são forçados a se unirem e irem atrás de um determinado objetivo simplesmente porque uma força superior a eles quis assim, e daí em diante segue com alguns mistérios previsíveis, dramas aleatórios (apesar de, em geral, muito bem desenvolvidos) e reviravoltas rocambolescas. No fim, lembra um bocado séries como Gundam Wing ou Samurai Warriors, daquelas que contam com uma trama genérica criada menos com o objetivo de cativar os jogadores do que de fornecer personagens estilosos para cosplays em eventos de anime.
Não ajuda muito também a quase total linearidade que o jogo tem. É um defeito relativo, é claro, e não é algo que necessariamente estrague a experiência, mas é difícil não reparar. Mesmo em Final Fantasy X, que talvez tenha sido talvez o mais linear até agora, havia side quests e possibilidades de desviar do caminho principal, explorar melhor as cidades, etc. Em Final Fantasy XIII não há nada disso: a primeira side quest só vai aparecer no capítulo 11 (de um total de 13), e durante todo o jogo você visita apenas três cidades habitadas, sendo a primeira em um flashback e a última em meio a um ataque de monstros que a tornam pouco mais do que uma dungeon. Até o comércio de itens e equipamentos é todo feito através dos save points. No resto do tempo você estará em áreas selvagens, bases inimigas e ruínas antigas, enfrentando sua dose de monstros atrás de experiência e tesouros; e convenhamos, é difícil se importar muito com o mundo que você tem que salvar quando quase tudo que você conhece dele quer te matar por algum motivo…
Essa impressão de linearidade ainda é reforçada pelo sistema de batalhas. Seguindo a tendência dos últimos RPGs eletrônicos, você só controla um dos personagens, enquanto os outros componentes do grupo de combate são controlados por uma inteligência artificial. Mesmo aquele sob seu comando, no entanto, possui um comando chamado Auto-Battle, que basicamente seleciona as melhores habilidades disponíveis para enfrentar o inimigo atual. Você ainda pode selecioná-las manualmente, é claro, mas rapidamente se percebe que é mais fácil utilizar a seleção automática mesmo, que na maioria das vezes já são aquelas que você escolheria normalmente, além de que o tempo gasto para escolhê-las faz bastante diferença nos momentos mais difíceis. No fim, a impressão que se tem é que há de fato muito pouco controle sobre tudo que é feito durante o jogo – o máximo de estratégia que você terá será o de escolher os papéis a que cabem cada personagem através do sistema de Paradigms, definindo os que atacarão os inimigos, curarão o grupo, utilizarão habilidades de suporte, etc.
Apesar disso, no entanto, é sim um sistema divertido, em parte porque as animações são todas muito bem feitas, e o design dos monstros e inimigos é muito legal – além de que muitos deles são graaaandes, o que é sempre um ponto positivo. E é também um sistema desafiador, porque algumas batalhas são realmente difíceis, mas conseguem ser assim sem chegarem a ser frustrantes. Você sempre se recupera completamente entre um combate e outro, o que diminui a ansiedade causada pela administração de recursos, e a tela de Game Over oferece uma opção de retry que o leva de volta a poucos instantes de antes da batalha começar, de forma que você não precisará fazer todo o caminho desde o último save point até lá (além de que há praticamente um save point a cada mudança de tela, então isso dificilmente seria problema de qualquer forma).
É interessante também notar a influência que certos jogos tiveram na concepção de algumas áreas. Em um determinado ponto, por exemplo, você precisa entrar em contato com estátuas de guerreiros antigos para liberar as passagens às áreas seguintes, e estas estátuas, por sua vez, se comunicando através de uma língua incompreensível, pedem que você enfrente chefes especiais para ajudá-lo – parece familiar? Em outro momento, explorando as ruínas de uma cidade antiga, você se depara com os restos e entulhos deixado por seus habitantes, de uma forma que me lembrou muito certos survival horrors clássicos que se passam em locais abandonados, como Alone in the Dark e Silent Hill.
A trilha sonora de Masashi Hamauzu também merece destaque, pelo menos para alguém vidrado em vgmusic como eu. Ele já havia trabalhado em outros jogos da série, compondo inclusive alguns dos temas do carro-chefe Final Fantasy X, embora o trabalho dele que eu mais conheça e admire seja o SaGa Frontier II. Pode-se dizer que ele se sai bem melhor que o resto do jogo na árdua tarefa de substituir o mestre Nobuo Uematsu – não que ele esteja realmente à sua altura, é claro, e certamente fazem falta temas marcantes como foram a Aria di Mezzo Carattere ou To Zanarkand; mas Hamauzu consegue trazer algumas influências contemporâneas muito interessantes, fugindo do padrão mais erudito das composições de Uematsu e dando uma boa atualizada na sonoridade da série. Há espaço para batidas eletrônicas e ritmos populares, até mesmo bossa nova em um determinado caso, e certos temas ganharam letra e vocais, incluindo o tradicional tema dos chocobos. Apenas fizeram falta algumas composições já tradicionais da série, como Prelude e Victory Fanfare (sim, sacrilégio dos sacrilégios, mudaram o tema da vitória!).
Enfim, apesar de todos os pesares, Final Fantasy XIII não é uma experiência ruim. Além de bastante divertido, é visualmente impressionante e muito bonito de forma geral, dos cenários até o menu de jogo, e é claro que qualquer fã da série irá jogá-lo até o fim de qualquer forma, independente da sua qualidade de fato. Apenas falta mesmo aquele diferencial que o deixe um patamar acima, o algo a mais que se acostumou a esperar de um Final Fantasy.
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