Arquivo para março \29\-03:00 2013

Guerra dos Tronos RPG

gdtrpgEu poderia fazer uma longa apresentação do que é Guerra dos Tronos, a série de livros de George R. R. Martin, a série de TV da HBO, e todo o resto, mas, sinceramente, por que gastar tempo e espaço? As chances são grandes de que você provavelmente já saiba do que se trata. Então vamos entrar logo no tema em questão: Guerra dos Tronos RPG, o jogo de interpretação baseado na série.

Para quem não sabe, o jogo é publicado pela Green Ronin, editora gringa conhecida por jogos premiados como o Mutantes & Malfeitores e Dragon Age, com o nome de A Song of Ice and Fire RPG, que é o título original da série de livros. A edição nacional, especificamente, corresponde à Game of Thrones Edition gringa, uma edição revisada e ampliada lançada para acompanhar a série de TV.

A escolha da Jambô, a editora nacional, foi por lançar o jogo em um formato econômico, com ilustrações em preto e branco e capa mole. Sei que muitos já torcem o nariz nesse ponto, mas pessoalmente gostei bastante dela – o papel é mais grosso e áspero do que o usado nos livros nacionais do M&M, por exemplo, então é um livro também um tanto mais resistente, e o preço é bem mais convidativo do que uma super edição de luxo com capa dura. O livro em si é bem gostoso de folhear, e passa uma sensação boa para as mãos.

Quanto ao jogo propriamente dito, o sistema criado por Robert J. Schwalb segue um modelo mais tradicional, com profusão de tabelas e regulamentos detalhados para diversas situações, longe dos experimentalismo e narrativismos que parecem ser comuns recentemente, o que também não quer dizer que simplesmente não haja espaço para interpretação, é claro. O ponto fundamental é bem simples, como qualquer D&D e derivados – role os dados equivalentes à sua habilidade e supere a dificuldade -, mas há uma grande gama de opções e complicações para quem quiser se aprofundar. Também há uma divisão entre dados de atributo e dados de bônus que resulta em uma ficha de personagem que às vezes parece lotada de fórmulas matemáticas complexas – você escreverá lá, por exemplo, “Luta 2 (Briga 2B, Lâminas Curtas 1B)” e outras combinações de números e letras diversas.

A criação de personagens, em todo caso, conta com alguns elementos interessantes. A escolha da idade inicial, por exemplo, já irá determinar boa parte das suas opções – personagens mais velhos começam com mais experiência para aumentar suas habilidades, mas personagens mais novos possuem mais Pontos de Destino, que podem ser usados para adquirir algumas vantagens específicas, além de guardados para usar em jogo posteriormente.

Os personagens também contam com nada menos do que dezenove (!!) habilidades básicas. Cada uma delas é um tanto mais específica do que o que normalmente se classifica como um “atributo” em outros jogos, e certamente não é esperado que todos os personagens gastem pontos em todas elas (isso dependerá do papel que ele pretende cumprir, se será um personagem mais combativo, mais envolvido com intrigas da corte, e etc); mas elas também podem ser aprofundadas com outras especialidades, tornando cada personagem bastante único.

Um cuidado especial ainda é dado para criar a casa nobre a que o personagem pertence. Há um capítulo inteiro dedicado a isso, com detalhes que vão desde os atributos específicos da casa (Riqueza, Influência, Poder, etc) até o próprio brasão e cores tradicionais, contando mesmo com algumas explicações superficiais sobre heráldica. Administrar a casa é quase um jogo dentro do jogo, com rolagens de sorte, construção de edificações, manutenção da lei, etc. Uma das opções de campanha sugeridas no fim do livro até mesmo coloca cada jogador como uma casa inteira, de forma semelhante à adaptação que eu fiz do cenário para 3D&T. A única coisa que não gostei muito aqui é que a criação é obrigatoriamente aleatória – até entendo a razão por trás disso (como o próprio livro diz, é para “refletir os feitos daqueles que vieram antes de você”), mas seria interessante ter uma opção de criação por pontos que desse um pouco mais de controle aos jogadores sobre as origens da casa de que gostariam de fazer parte.

Há três tipos de conflitos fundamentais tratados no jogo: intrigas, combates e guerras. Quem conhece a série sabe que os três são fundamentais para o desenvolvimento da história, e nenhum deles seria dispensável de fazer parte de um jogo nos Sete Reinos. Cada um deles conta com um sistema detalhado, com ataques e respostas, defesas passivas, etc. Não espere, no entanto, facilidade – Westeros é um mundo cruel e mortal, onde geralmente é mais sábio evitar um conflito do que se jogar nele. Não espere sobreviver muito se você aproveita toda oportunidade para sacar sua espada, e, mesmo se sobreviver, provavelmente será cheio de lesões e ferimentos graves.

O capítulo final, enfim, conta com algumas indicações para mestres, coisas como distribuição de ouro, experiência e glória, algumas dicas de narrativa retiradas dos livros (contendo spoilers – leia com cuidado, até porque o livro não avisa da presença deles!), e algumas fichas prontas para coadjuvantes, tanto humanos como animais. Talvez alguns sintam falta de mais detalhes sobre o cenário, que aparece apenas rapidamente no começo do livro, mas é porque este é o livro de regras mesmo – o cenário em detalhes está no Campaign Guide, que o bom senso diz que deverá ser o próximo lançamento.

Também não se pode deixar de comentar da tradução do livro, que teve as suas polêmicas particulares. Pessoalmente, tenho que dizer que a tradução em si está em geral melhor que a oficial, que quem acompanhou o lançamento dos livros por aqui sabe que teve uma série de problemas próprios. Coisas como a tradução de nomes bastardos me parecem bastante corretas, e gostei também mais de algumas opções de nomes para cidades e locais (apenas teria aproveitado a oportunidade para usar o nome espanhol de Winterfell, Invernália, que eu achei uma solução linda demais para um nome que não possui tradução literal de qualquer forma). O problema é que, ao abrir mão de usar os termos oficiais, o jogo deixa também de fazer parte de um conjunto mais amplo com os livros e a série de TV, causando um certo estranhamento e até confusão em quem já os havia adotado. A impressão que passa é que o lançamento não foi para os fãs das outras mídias, mas sim para quem só queria um novo jogo de RPG mesmo.

Em todo caso, Guerra dos Tronos RPG é sim um bom jogo de RPG, ao menos, que traz um cenário envolvente e apaixonante com um sistema de regras que o representa de forma bastante fiel. É uma boa recomendação para os fãs da série original, e também para quem quer um RPG medieval que fuja um pouco do padrão explorar masmorras-matar monstros-coletar tesouros.

Relato de um sábado surreal

Tive uma experiência um tanto peculiar neste último sábado.

sequestro Relato de um sábado surrealTudo começou um pouco antes das sete da manhã, quando fui acordado por um baque forte bem ao lado da minha cama. Ao abrir os olhos, discerni com dificuldade duas figuras encapuzadas adentrando o meu quarto pela janela! Tentei demonstrar alguma reação, mas não tive tempo suficiente – logo eles já haviam me amarrado e posto um saco escuro na minha cabeça, e me levavam de volta por onde vieram.

Fui levado pela rua e jogado dentro de uma espécie de cabine. Logo ela começou a se mover com um ritmo forte e passadas pesadas; era como se eu estivesse sendo carregado por um elefante indiano. Sem poder enxergar, minhas únicas pistas sobre meus captores vinham de pedaços de conversas que pegava entre eles. Falavam algo sobre uma caixa fantástica onde haveria um mapa ricamente ilustrado, e também de algum tipo de código élfico a ser revelado nos próximos meses.

Algum tempo de viagem depois, percebi que eles próprios começavam a discutir sobre o caminho que seguiam. Não pareciam saber exatamente aonde iam; um, aparentemente o que guiava o veículo, ainda comentou sobre um golpe que recebera no olho em um treinamento marcial. Além de ter sido sequestrado, ainda estava perdido!

feevale Relato de um sábado surrealApesar dos contratempos, chegamos eventualmente ao nosso destino. Apenas quando já estávamos lá o meu capuz foi retirado, e pude ver que havia outra vítima além de mim. Também pude ver aonde haviam nos levado: uma espécie de base secreta de alta tecnologia, onde programas e softwares ultra-secretos eram produzidos. Encontramos com outras pessoas que também haviam sido sequestradas, e ouvimos a razão de termos sido levados até lá.

Havíamos sido sequestr… Digo, selecionados entre diversos candidatos para fazer um playtest do jogoTormenta: O Desafio dos Deuses, que se encontra em fase de financiamento coletivo através do site Catarse.me. O jogo que jogaríamos, fomos logo avisados, não se tratava nem de perto do produto final, mas sim de um protótipo, uma pequena demonstração e teste prático daquilo que pretendiam realizar. Entre outras coisas, haveria apenas um dos protagonistas anunciados disponível para jogar, o bárbaro loiro.

Após esta introdução fomos levados às máquinas onde o testaríamos. O jogo em si consistia de três fases simples, todas ambientada no Forte Amarid durante a batalha contra a Tormenta. Começávamos nos andares inferiores; seguíamos então para a sala das bandeiras; e terminávamos o jogo nas muralhas do forte, em meio à chuva ácida que descia sobre a batalha.

Os comandos eram simples – além dos movimentos, um botão para atacar, um para defesa, um para pular e um para realizar um ataque especial -, e o fato de se tratar ainda de um protótipo podia ser percebido pela dureza de alguns deles, em especial o ataque especial que às vezes demorava para ser realizado. Mesmo assim, eram o suficiente para o que o jogo se propunha – um beat ‘em up, à lá Final FightGolden Axe e tantos outros clássicos, em que à medida em que avançávamos na fase éramos frequentemente cercados por inimigos a despachar com golpes da nossa espada.

Achei interessante a quantidade de detalhes na concepção e nos gráficos, demonstrando um cuidado em mostrar serviço mesmo se tratando de um protótipo. Os cenários internos eram marcados por manchas de sangue, enquanto na fase da muralha havia espinhos rubros e outras marcas da presença da Tormenta. Neste último estágio, uma chuva ácida também constantemente reduzia a sua energia, tornando-o o mais difícil dos três, e no final, após as hordas de cultistas, você enfrentava também o seu primeiro demônio lefeu.

No geral achei a experiência bastante interessante, e fiquei com a minha curiosidade bastante atiçada para vê-lo em sua versão definitiva.

tormentadesafio Relato de um sábado surreal

Ao fim do teste, fomos levados individualmente para uma outra sala, onde éramos colocados em uma cadeira com uma luz forte sobre nosso rosto, e éramos interrogados por uma silhueta escura sentada atrás dela ao lado de uma câmera de gravação.

– O que você achou do jogo?

– O que você achou dos gráficos?

– O que você acha que poderia melhorar?

Após uma longa bateria de perguntas como estas a silhueta pareceu enfim ficar satisfeita, e fez um sinal para alguém que estava atrás de mim. Antes que pudesse reagir senti uma pancada na nuca, e tudo ficou escuro.

Acordei em frente à loja matriz da Jambô no centro de Porto Alegre. Ainda um pouco atordoado, sem saber bem o que fazer, decidi aproveitar para entrar e comprar o meu exemplar de Guerra dos Tronos RPG. Então fui até o terminal de ônibus e voltei para casa.

Relato inteiramente verídico, exceto pelas partes inventadas.

Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children

miss-peregrines-home-for-peculiar-childrenMiss Peregrine’s Home for Peculiar Children conta a história de Jacob Portman, um jovem californiano que, após ter um colapso nervoso devido à morte do seu avô, viaja para uma ilha na costa do País de Gales para desvendar o seu passado e as histórias fantásticas que ele contava sobre a época em que era um judeu refugiado em um orfanato local durante a Segunda Guerra Mundial. Munido de um conjunto de estranhas fotos de época deixados por ele, a verdade que ele eventualmente descobrirá desafiará a sua credulidade e mudará por completo a vida ordinária que levava até então.

Acho que posso resumir toscamente o livro como um “X-Men feito ao modo Harry Potter” – quer dizer, o próprio título já parece uma referência ao Instituto Xavier para Jovens Superdotados, e é impossível não pensar nos mutantes da Marvel conforme você avança os capítulos e vai descobrindo os segredos que o local esconde. Ao mesmo tempo, o tom é o de uma história de fantasia juvenil clássica, daquelas em que um garoto solitário aprende a superar suas limitações ao ser confrontado com um mundo sobrenatural secreto. Você pode até fazer o bingo da jornada do herói do Joseph Campbell se quiser.

Claro, tudo isso é feito com cuidado e esmero, com personagens cativantes caracterizados de forma bastante vívida. No entanto, o que realmente torna a leitura única e, ahem, peculiar, é o uso que o autor faz da fotografia. Fazem parte do livro cerca de cinqüenta fotografias de época retratando cenas bizarras, como crianças contorcionistas, vestindo fantasias macabras e outras. Todas são verdadeiras, vindas do acervo de colecionadores, e estão espalhadas ao longo dos capítulos para ilustrar seus personagens e situações. São o ponto de partida do enredo, sendo as pistas iniciais que Jacob possui para ir atrás dos segredos do seu avô, e é de se imaginar que o próprio livro e seus personagens tenham sido estruturados pelo autor a partir das imagens que encontrava.

O resultado é um cenário extremamente atmosférico, em que as imagens são usadas para intensificar o senso de mistério, tornando em especial os dois primeiros atos da história bastante envolventes. Com o tempo talvez até fique um elemento um pouco cansativo, com algumas fotos que talvez poderiam ser cortadas por não adicionar nada de realmente relevante à trama, e passa a ser até um pouco previsível quando uma nova imagem irá aparecer; mas não há como negar que é isto que torna o livro realmente único e tão cativante.

Há que se destacar também que é o primeiro livro do autor, e isso é visível pela forma como ele faz algumas escolhas não muito boas ao longo dele. A narrativa em primeira pessoa, por exemplo, não parece combinar com a história que ele quer contar, quebrando muitas vezes o clima. A ânsia em caracterizar os personagens vividamente também passa do ponto algumas vezes, em especial na Miss Peregrine do título, que parece sob todos os aspectos uma espécie de Mary Poppins genérica. Todo o terceiro ato, comprimido inteiro em um único capítulo de tamanho desproporcional com os demais, é um pouco dissonante do resto, parecendo às vezes ter sido pensado sob medida para um filme de verão (e, não surpreendentemente, parece que já há um em produção, com provável direção do Tim Burton). E, claro, há o final em aberto para a óbvia continuação…

Mesmo com esses detalhes, no entanto, ainda é uma leitura bastante única e envolvente, e mais de uma vez até um pouco assustadora, daquelas que você devora rapidamente em um par de noites acordado. Vale uma olhada.

Osama

osamaComo todo noir que se preze, Osama abre com uma femme fatale adentrando o escritório de um investigador particular. A missão que ela traz também é típica: encontrar o autor recluso dos romances da série Osama bin Laden: Vigilante, da qual nada se sabe exceto o seu pseudônimo, Mike Longshott.

Estamos em um mundo um pouco diferente do nosso, como se pode ver: um século XXI alternativo onde o terrorismo global não existe exceto como literatura barata. A busca de Joe, o detetive, no entanto, o levará a descobrir um mundo secreto sob a superfície, uma região de sombras habitadas por entidades fantasmagóricas chamadas Refugiados. Na medida em que se envolve com elas, entre os trechos dos romances que investiga e encontros surreais com viciados em ópio, a sua própria identidade começará também a se fragmentar, enquanto ele se aproxima da verdade misteriosa por trás daquele universo literário.

É difícil imaginar uma trama dessas se desenvolvendo sem conotações políticas, e é claro que elas estão lá de alguma forma, mas o ponto que o autor Lavie Tidhar quer fazer diz muito mais respeito à própria alma humana e a sua relação com acontecimentos catastróficos. Israelense de nascimento, ele e sua esposa estiveram mais de uma vez muito próximos de ataques da Al-Qaeda na África, Europa e Ásia; o sentimento que ele busca evocar com a sua obra tem muito mais a ver com a sensação de estranhamento da própria realidade que nasce destas situações, aquele momento em que ela parece, como diz a famosa frase, mais inverossímil que a ficção.

Se estruturando como um neo-noir weird, é possível ver no livro algum eco do premiado The City and The City, de China Miéville; mas é claro que a principal referência é o clássico O Homem no Castelo Alto, de Phillip K. Dick, provavelmente a mais conhecida obra de história alternativa, e não há como não se remeter diretamente a ele durante a leitura. Abraçando com mais intensidade a fantasia e o surrealismo, no entanto, Tidhar parece se aproximar mais de um Borges ou, principalmente, Kafka, com seu enredo labiríntico e melancólico, que funciona em última análise como uma metáfora para a própria confusão mental e isolamento do protagonista. Nisso, há algo nele que me lembrou também O Alienado, do brasileiro Cirilo S. Lemos.

Osama é, enfim, um livro bastante interessante, daqueles que causam uma impressão forte durante a leitura. É difícil não devorá-lo em poucos dias, e há muito nele a se refletir mesmo após o ponto final.

Django Livre

Django UnchainedTem um texto do Luís Fernando Veríssimo (e esse eu sei que não é daqueles apócrifos, lembro de ter lido na coluna que ele possui na Zero Hora mesmo) em que ele sugere que o grande avanço da caracterização do negro no cinema não teria sido o primeiro herói afrodescendente, mas sim o primeiro vilão. Foi ele que realmente representou, afinal, um estatuto de igualdade: o reconhecimento de que o negro não era apenas um pobre coitado, um infeliz meio cômico à margem dos protagonistas, o Grande Otelo quintessencial; nem um poço de pureza original, livre dos pecados do homem branco; mas sim um igual em todos os sentidos, capaz sim dos mesmos feitos de heroísmo, mas também das mesmas vilanias, e cuja cor da pele é apenas um elemento a mais como qualquer outro na sua caracterização.

Assistindo Django Livre, trabalho mais recente do diretor Quentin Tarantino, é difícil não retomar essa afirmação, até porque ela ajuda a entender um pouco das polêmicas que ele levantou em alguns movimentos sociais. O filme, um faroeste cujo nome faz referência à clássica série spaghetti estrelada pelo Franco Nero, resgata a história da escravidão nos Estados Unidos, mas o faz de forma bastante crítica, fugindo do lugar comum e da idealização. O negro que ele apresenta é mais do que uma mera vítima: é claro que há os que lutam contra ela, e se rebelam em busca de objetivos e vinganças pessoais, como o personagem-título; mas há também aqueles que aprendem a usá-la a seu favor, e acabam se tornando, a seu próprio modo, perpetradores do mesmo sistema que os oprime – uma visão que é até mais condizente com estudos históricos recentes sobre o tema. (Recentemente, aliás, li Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue,  da historiadora Emília Viotti da Costa, que fala sobre a revolta dos escravos em Demerara, na Guiana Inglesa, e recomendo bastante para quem quiser uma visão mais contemporânea a respeito).

Isso não significa, é claro, que Tarantino queira diminuir a escravidão africana de qualquer forma. Muito pelo contrário, aliás: ele não esconde em qualquer momento que ela é, sim, uma forma cruel de opressão, e como que para tornar isso mais evidente, até mesmo abre mão da sua violência caricata tradicional em prol de uma visão mais crua e suja na hora dos castigos e torturas sofridos pelos personagens (o que não quer dizer que ela não apareça em outros momentos, é claro). A redenção que ele propõe, no entanto, não é para o povo negro como um todo, e sim para cada indivíduo sozinho, a partir dos seus próprios atos e decisões.

Isso decorre muito da própria homenagem que o diretor quer fazer, que, ao contrário do que pode parecer a princípio, não é ao faroeste italiano, mas sim ao cinema negro da década de 1970 – o subgênero que ficou conhecido como blaxploitation. Nada demais, é claro, para alguém que já havia homenageado o faroeste com um filme de artes marciais, e que usou um filme sobre a segunda guerra mundial para falar do cinema como um todo. Você pode ver isso na própria cinematografia, com o uso exagerado de zooms e close-ups; e na caracterização dos personagens, em especial o personagem-título mesmo, com direito até a anacrônicos óculos escuros. O nome do personagem mais icônico do gênero é usado como referência, e mesmo a letra música de encerramento de alguma forma parece remeter ao seu tema clássico.

No entanto, é essa homenagem também que torna o personagem de Christoph Waltz um tanto deslocado, praticamente apenas uma desculpa para o diretor incluí-lo no filme e dar a ele um novo Oscar de presente (podia ter dado logo pro Leo DiCaprio, que há tanto tempo chora por um). Ele torna necessário uma série de forçações de barra no roteiro, como justificar que uma escrava saiba falar alemão; além de trazer um tanto de melodrama desnecessário ao incluir um subtexto em que o protagonista se torna uma versão afrodescendente do herói germânico Siegfried. O fato de tê-lo como mentor e guia também diminui um pouco o próprio Django, tornando até um tanto incômodo ver um herói negro forte e cheio de decisão que, no entanto, deve isso a um branco que se apiedou da sua situação. Por outro lado, é também emblemático que seja justamente um personagem branco, e um alemão além do mais, que faça os discursos mais incisivos contra a escravidão. Acaba servindo bem de lembrança de que sensatez e compreensão, assim como os seus opostos, independem de cor ou etnia.

Na soma final, enfim, ainda achei Django Livre um filme bem legal e divertido. Cenas como a da proto-Ku Klux Klan são hilárias, e valem o filme por si só. Ele só peca mesmo por não ser tão bom quanto Bastardos Inglórios, mas, a bem da verdade, como seria possível esperar por isso? Vale a pena assistir, de qualquer forma.

Tormenta: O Desafio dos Deuses

tormenta-desafio_dos_deuses_00Bueno, todo mundo que se interessa provavelmente já sabe, mas o que custa divulgar um pouco mais? Foi anunciado essa semana o financiamento coletivo para Tormenta: O Desafio dos Deuses, primeiro jogo eletrônico a ser ambientado no famoso cenário de fantasia nacional.

Enquanto provavelmente não seja o jogo dos sonhos da maioria dos fãs (que provavelmente sonhariam com um RPG tradicional a lá Baldur’s Gate e Neverwinter Nights, ou pelo menos uma aventura mais moderna como um God of War ou Devil May Cry), há de se destacar que é apenas um primeiro projeto, que deve pavimentar o caminho para jogos mais ambiciosos no futuro. E, bem, há sim uma história a resgatar da fantasia RPGística no beat ‘em up, um dos gêneros que construíram os games como conhecemos hoje, vide clássicos como Tower of Doom e Shadow Over Mystara.

(Aliás, bateu a nostalgia agora. Acho que vou catar uns emuladores.)

Enfim, é um projeto bacana e que vale uma ajuda. Além de tudo, é uma forma legal de talvez fomentar o surgimento de uma indústria de games verdadeira no país. Eu vou contribuir, pelo menos.


Sob um céu de blues...

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