Arquivo para dezembro \28\-03:00 2013

Game of Thrones

KOFps3Existe entre os jogadores de videogames a lenda de que produtos licenciados raramente, para não dizer quase nunca mesmo, são bons jogos. Você sabe, aquela história de que os produtores estão tão preocupados em lançar o jogo logo que pouco se preocupam em fazer ele de fato interessante de se jogar, e querem é receber o dinheiro dos fás de uma vez. Infelizmente, Game of Thrones, o jogo de videogame, é daqueles que confirmam esta teoria.

Vejam bem, eu vou ser o primeiro a dizer que um jogo licenciado não tem a obrigação de ser um jogo do ano ou qualquer coisa assim. Não importa se ele não tem os valores de produção de um GTA, a jogabilidade alucinante de um Borderlands, a ambientação envolvente de um Dark Souls ou o roteiro mirabolante de um Final Fantasy. Na grande maioria das vezes, não é isso que os fãs estão procurando mesmo, mas apenas a oportunidade de mergulhar por algumas horas em um cenário que eles já conhecem e amam, e se envolver com ele de uma maneira diferente.

Esse é inclusive o ponto em que o jogo demonstra suas poucas qualidades. Você não joga realmente com qualquer personagem principal da série, e o roteiro em si é original e não o dos livros ou da televisão, mas ele consegue pegar razoavelmente bem o espírito que ela possui, tendo sido escrito com consultoria do próprio George R. R. Martin. Os personagens, por exemplo, representam alguns dos seus elementos icônicos: há um membro da Patrulha da Noite que além de tudo é um warg, podendo possuir o corpo do seu cachorro; e um nobre exilado retornando a Westeros, que por sua vez é um Sacerdote Vermelho, possuindo uma série de habilidades relacionadas ao fogo, e tem como uma das suas opções de classe a possibilidade de ser um Dançarino das Águas, o estilo de luta ensinado pelo mestre Syrio Forel à jovem Arya Stark (e é óbvio que todos escolherão essa opção, porque né?). Há lá os seus momentos questionáveis (para quem está acostumado com a magia sutil da série, é meio estranho ver um dos protagonistas consultar a sua fogueira para falar com outro personagem, como se fosse uma espécie de Skype medieval….), mas de maneira geral ele consegue capturar bem o clima do cenário, envolvendo você com intrigas entre nobres, questões de sucessão familiar, e mesmo a ameaça distante dos Outros, sempre à espreita a cada esquina.

O sistema de jogo em si também não é lá dos piores, embora certamente não seja o mais original ou emocionante que se poderia ter inventado. Apesar de possuírem personalidades bem definidas, você ainda assim pode “criar” os seus personagens com alguma liberdade, escolhendo entre três opções de classe para cada um, definindo atributos básicos, e até mesmo escolhendo habilidades únicas em uma lista de vantagens e desvantagens. O combate é simples, mas oferece a sua gama de opções, com a presença de uma “roda de combate” que diminui a velocidade para que você possa escolher com alguma calma as habilidades que quer usar. Há sacadas surpreendentemente inteligentes, como o uso do faro para guiá-lo quando você assume o comando do cachorro do personagem warg. E, talvez o ponto que eu achei mais interessante, os diálogos e intrigas entre os personagens realmente fazem diferença, com cada escolha de resposta que você faz realmente mudando a reação dos NPCs, além de algumas vezes até mesmo liberando algumas habilidades únicas de acordo com os rumos tomados nas suas ações e conversas.

O problema é que isso tudo é jogado em uma embalagem porca, com gráficos que poderiam estar em um PlayStation 2, música quase inexistente (e muito baixa quando ela de fato existe, forçando você a aumentar o volume se quiser ouvi-la), atuações de voz sofríveis e um infindável festival de bugs que aparecem conforme você joga. Ao começar o jogo, sequer há a preocupação em emergir você com uma introdução envolvente ou algo assim: você simplesmente é jogado na tela de início, com menus feios e a música-tema da série em um fade-in demorado. Na primeira vez em que joguei cheguei a achar que haviam me vendido uma versão beta por engano. A isso se seguem erros de loading, fazendo surgir telas verdes enquanto você espera para entrar em um novo ambiente; momentos em que você simplesmente fica preso em um lugar, forçando-o a reiniciar o sistema; botões que demoram a responder; mesmo nos combates, golpes de espada que o acertam a dez metros de distância.  Por mais que você esteja achando os personagens e a história interessantes, é difícil ter vontade de seguir jogando com esse tipo de coisa acontecendo.

Então, é difícil realmente recomendar Game of Thrones, o jogo, para alguém. Talvez apenas os fãs mais ardorosos da série conseguirão encontrar a paciência necessária para superar os seus problemas e entrar pra valer na Westeros como retratada, acompanhando a sua história, que realmente não parece ser ruim, até o fim. De resto, é até um pouco brochante, pra não dizer revoltante, ver como há ideias legais jogadas a esmo por todo canto, mas desperdiçadas em um jogo de maneira geral preguiçoso e mal feito, lançado de qualquer forma apenas para tirar dinheiro de um fandom.

Rolando e Tombando

Aí eu tava vendo o show de reunião que o Cream, uma das melhores bandas de todos os tempos, fez no Royal Albert Hall, em Londres, em 2005. Lá pela metade da apresentação, eles tocam um dos clássicos que praticamente todo roqueiro inspirado pelo blues já regravou. Essa aí de baixo:

 

Lá pelos 2:30 de vídeo, aproximadamente, uma imagem me pegou: um cara no meio da plateia, ela toda sentada, enquanto ele de pé se mexia ao som da música. Fiquei imaginando o que o resto do público tava pensando ao ver ele assim, e do mico que ele estava pagando… Até que percebi que talvez ele fosse o único que estava realmente fruindo a música da forma como ela foi feita para ser fruída.

Quer dizer, por toda a sua história, o blues, assim como o rock depois dele, foram o exato oposto daquilo que se vê ali: uma apresentação de conservatório, com todos os espectadores sentados e bem comportados fruindo o seu recital. Ele era, muito ao contrário, a música das festas das classes baixas do campo, dos “bailes” em que eles deixavam escorrer todo o estresse da semana pesada em trabalhos. Quer dizer, basta ver o próprio nome da música: Rollin’ and Tumblin’, “rolando e tombando” – qualquer semelhança com um clássico nacional como este aí embaixo…

 

…não é mera coincidência não.

Levanto essa semelhança principalmente para destacar o quanto de hipocrisia se tem ao falar de estilos musicais mais recentes, quando apreciamos sentados e bem comportados em nossa sala, com uma dose de uísque na mão, canções que, na verdade, surgiram quase que exatamente do mesmo contexto.

Você pode pegar praticamente qualquer crítica que se faz hoje em dia ao sertanejo ou ao funk carioca e aplicar, quase palavra por palavra, ao blues, ao jazz e ao rock de menos de um século atrás, ao menos da forma como eram vistas pela classe média e alta da época. Veja o que diz o mestre Robert Crumb, por exemplo, sobre um livro que fala a respeito dos bailes de jazz da década de 1920: ele fala da Chicago dos anos 1920, de todos os grupos conservadores que pensavam que os salões eram antros de iniquidade, corrompendo os jovens para uma vida de bebidas, de libertinagem sexual, etc. (Blues, p. 98).  Não é a mesma coisa que se diz de um baile funk hoje em dia? E foi desse ambiente que saíram Bessie Smith, Billie Holliday e tantos outros que são ouvidos hoje nas salas de estar de apreciadores brancos de classe média-alta.

“Ah, mas é muito diferente!,” diz você. “Eles eram muito melhores naquela época do que esses estilos de hoje, com os refrães silábicos, os ritmos repetitivos, a falta de técnica em geral…” Bem, deixa eu mostrar abaixo uma outra regravação do Eric Clapton, essa do seu acústico.

Se isso não é um refrão silábico, eu não sei o que é. Se você tirar todos os hey, hey, baby, hey da música, deve sobrar uma estrofe inteira, talvez. A própria questão da técnica é relativa: volte ao primeiro vídeo, o do show do Cream, e preste atenção em como o mesmo Clapton toca a guitarra. Praticamente todo ele é feito no slide; não há qualquer acorde formal ou técnica tradicional. Reza a lenda (não sei até onde isso pode ser verdade) que o próprio acessório que ele usa para tocar teria sua origem em gargalos de garrafa de bebidas, que os bluesmen da época quebravam e usavam para tocar violão – daí o nome do estilo bottleneck slide, ou slide do gargalo de garrafa. Mas para um músico erudito, que aprendeu a tocar em um conservatórios com o apoio de regentes e partituras, deve soar como algo não muito melhor do que um chiado de televisão (a menos que ele seja o Hermeto Pascoal, é claro). Não é bem à toa que o blues, como o jazz, só foi ser formalizado e convertido em linguagem de partituras muito recentemente, coisa de poucas décadas atrás.

Na verdade, se você reparar bem, a própria sequência de acordes de ambas as músicas é muito fácil de se pegar: mi, lá e si, repetidos à exaustão; a famosa seqüência I – IV – V do blues, que tanto se vê em incontáveis outras canções – procure no repertório do próprio Clapton. E existem blues ainda mais simples – Spoonful, outro clássico regravado por mais roqueiros do que uma banda militar, usa apenas duas notas repetidas a música inteira. Se você acha a batida do funk repetitiva, pergunte para alguém que não gosta de blues ou de rock o que ele pensa a respeito. Ora, essa semana mesmo, vi gente comparando o funk ao heavy metal sob o pretexto de “ser tudo barulho indiscriminado.”

Enfim, a verdade é que falar desse tema já é meio repetitivo para mim. Vez por outra volto no assunto, e um dos meus posts mais visitados do blog fala justamente sobre isso. Poderia me estender mais sobre diversos outros aspectos – mal falei sobre a questão das letras, por exemplo. Tanto se fala que “funk é só baixaria,” mas poucos lembram que o termo rock, e até mesmo o jazz, na verdade, surgiram como gírias para o ato sexual – dá toda uma nova perspectiva sobre músicas como We Will Rock You e I Wanna Rock and Roll All Night, não? Poderia ainda citar outras músicas que, olhadas friamente, falam praticamente da mesma coisa, mas, por não serem cantadas por funkeiros de favela, são consideradas belíssimas letras de rock, MPB ou outros estilos.

A questão é que esse preconceito sobre a música é, na imensa maioria das vezes, apenas um preconceito social, ou até racial, disfarçado. Nisso, pelo menos aqueles que reclamam do funk como cultura da pobreza estão sendo pelo menos um pouco mais sinceros: é a perplexidade de quem está acostumado a pensar no trabalho e dinheiro como valores maiores do homem sobre uma parcela da população que não precisa disso para ser feliz, mas quer apenas andar tranqüilamente na favela onde nasceu.

Cream, 2005

Ouvir Cream sempre me lembra de porque eu queria tanto ser músico… E porque na verdade eu nunca ia conseguir ser um de qualquer forma.

Acho que vou ali ficar em posição fetal um pouco…

South of the Border, West of the Sun

southoftheborderAcho que todos passamos vez ou outra por aqueles momentos de inflexão e revisão da vida, em que revemos aquilo pelo que passamos e avaliamos o que poderíamos ter feito diferente, ter tentado ou não em determinados momentos, e que efeitos teriam no longo prazo da nossa vida. E se eu tivesse me declarado para a minha paixão platônica da oitava série? E se tivesse escolhido estudar Administração ao invés de História? E se tivesse me esforçado para manter contato com amigos, conhecidos, parentes?

Há quem dê a isso nomes próprios – crise dos vinte anos, dos trinta anos, da meia-idade -, e há quem simplesmente passe por elas sem aviso prévio. Em South of the Border, West of the Sun, o japonês Haruki Murakami encontra talvez a sua metáfora perfeita: a síndrome de Piblokto, ou histeria Ártica, que acomete os membros de povos inuit a partir de determinada idade, quando muitos abandonam tudo o que têm e começam a caminhar em direção ao pôr do sol, buscando alguma terra mágica que se encontraria no extremo oeste do mundo conhecido.

Da mesma forma, Hajime, o protagonista do livro, após uma década de incertezas e morosidade, finalmente se encontrou na vida como pai de família e administrador de dois bares de jazz bem sucedidos em Tóquio. No entanto, tudo é posto em perspectiva no momento em que ele reencontra Shimamoto, amiga de infância com quem perdera contato aos doze anos de idade, mas cuja sombra nunca o abandonou completamente. Andando em uma linha tênue entre o delírio e a realidade, ele passa a rever então os erros que cometeu na sua trajetória, a repensar os meios pelos quais chegou até aquele ponto, e a imaginar as tantas outras formas pelas quais a sua vida poderia ter se encaminhado.

Como os velhos inuit, Hajime busca nesse reencontro aquela terra mágica de felicidade que perdera ao se afastar da amiga, como se partisse na sua própria jornada de delírio rumo ao pôr do sol. No entanto, por mais que tente adiar a decisão, em algum momento sabe que terá que fazer a opção entre a vida que conquistou e aquela que sempre desejou para si.

É um romance curto, porém incrivelmente intenso. Não há nada das mil páginas e três volumes de um 1Q84; no entanto, suas frases e temas são também muito mais objetivos, sem gorduras sobrando, deixando entre os capítulos momentos de reflexão profunda sobre o relacionamento que temos com o passado e as opções que fizemos ao longo da vida. É um Murakami naquilo que ele tem de melhor, e extremamente recomendado.

Os Sete Rebeldes

killApesar do nome, não é Os Sete Samurais o filme de Akira Kurosawa com que este mais se parece. O título em português de Os Sete Rebeldes, apesar de ter um sentido dentro do do seu enredo, não é exatamente uma tradução fiel ao original, Kiru! (que por sua vez já é uma niponização da palavra inglesa Kill! – “Mate!“). No entanto, ele é de fato baseado no mesmo conto do autor japonês Shuguro Yamamoto que inspirou outro clássico do maior diretor japonês, Sanjuro.

Como no filme estrelado por Toshiro Mifune, o centro do enredo é um grupo de rebeldes que desconfia da honestidade do senhor do seu feudo e decide levantar armas contra ele. Por trás da sua atitude, no entanto, se esconde uma conspiração um bocado mais complicada, e eventualmente o grupo se vê preso em uma fortaleza na montanha, contando os dias até que o exército inimigo os massacre ou que a cavalaria salvadora enviada pelo governo central os salve.

No meio disso, se envolvem no conflito dois ronin, ou guerreiros sem mestre: Hanji, um camponês de força descomunal que vendeu as terras para comprar uma espada e perseguir o sonho de se tornar samurai; e Genta, um ex-samurai que, conhecendo as contradições e hipocrisias da classe, parece querer mesmo é ser apenas um mero camponês. Se encontrando por acaso ao chegar no feudo e desenvolvendo uma empatia instantânea, ambos acabam em lados opostos da batalha, e terminarão por ter um papel fundamental na sua resolução.

A história toda se desenvolve com um tom muito mais leve e pop do que o filme de Kurosawa, a bem da verdade. Há humor, cortes ousados de câmera e até mesmo uma trilha sonora de instrumentos elétricos. Fãs do diretor Quentin Tarantino provavelmente reconhecerão um bocado da estética, e não exatamente sem razão – ambos bebem aos litros da mesma fonte, os western spaghetti italianos, devolvendo a inspiração que os filmes de samurai clássicos tiveram sobre os próprios cineastas europeus.

O resultado é uma experiência muito divertida, em especial para quem gosta do tema de batalhas de espada e guerreiros acima da vida. O filme é um dos seis presentes na caixa de DVDs Cinema Samurai, da Versátil Home Video, que tem lançado um bocado de filmes japoneses no mercado recentemente – além deste, há a caixa da cine-série O Lobo Solitário, inspirado no famoso mangá, além da trilogia de filmes sobre Miyamoto Musashi adaptadas do romance de Eiji Yoshikawa e outra com três versões diferentes da história dos 47 Ronin (sim, aquela mesma que está pra ganhar uma quarta versão com o Keanu Reeves e robôs…). Recomendo bastante para os interessados que só conheçam Samurai X e outras figuras animadas que tenham a oportunidade de ver alguns clássicos do verdadeiro cinema de samurai.

Haicai

As vezes
O problema
Sou eu.


Sob um céu de blues...

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