– Penso que é como a religião – disse Sem Medo. – Há uns que necessitam dela. Há uns que precisam crer na generosidade abstrata da humanidade abstrata, para poderem prosseguir no caminho duro como é o caminho revolucionário. Considero que ou são fracos ou são espíritos jovens, que ainda não viram verdadeiramente a vida. Os fracos abandonam só porque o seu ideal cai por terra, ao verem um dirigente enganar um militante. Os outros temperam-se, tornando-se mais relativos, menos exigentes. Ou então mantêm a fé acesa. Esses morrem felizes embora talvez inúteis. Mas há homens que não precisam de ter uma fé para suportarem os sacrifícios; são aqueles que, racionalmente, em perfeita independência, escolheram esse caminho, sabendo bem que o objetivo só será atingido em metade, mas que isso já significa um progresso imenso. É evidente que estes também tem um ideal, todos o têm, mas nestes o ideal não é abstrato nem irreal. Eu sei, por exemplo, que todos temos bem no fundo de nós um lado egoísta que pretendemos esconder. Assim é o homem, pelo menos o homem atual. Para que serviram séculos ou milênios de economia individual, se não para construir homens egoístas? Negá-lo é fugir à verdade dura, mas real. Enfim, sei que o homem atual é egoísta. Por isso, é necessário mostrar-lhe sempre que o pouco conquistado não chega e que se deve prosseguir. Isso impedir-me-á de continuar? Por quê? Se eu sei isso, a frio, e mesmo assim me decido a lutar, se pretendo ajudar esses pequenos egoístas contra os grandes egoístas que tudo açambarcaram, então não vejo por que haveria de desistir quando outros continuam. Só pararei, e aí racionalmente, quando vir que a minha ação é inútil, que é gratuita, isto é, se a Revolução for desviada dos seus objetivos fundamentais.
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