Roberto era como um leão. Ao menos, era o que diziam os que o viam jogar, com os cabelos balançando como uma juba enquanto ele, vencido no primeiro drible, alcançava na corrida o adversário com a bola e dava o bote, como um leão na savana alcança uma zebra para alimentar os filhotes. Depois parava por um instante, apoiava as mãos nos joelhos, a cabeça entre eles, e inspirava e expirava rapidamente pra recuperar o fôlego. Quem via achava não conseguiria dar um pique daqueles outra vez – mas tão logo um companheiro perdia a bola no ataque lá estava ele novamente correndo para recuperá-la.
Sempre jogava lá atrás, na zaga, logo à frente do goleiro. Não que fosse especialmente ruim em outras posições – de fato não tinha um bom domínio da bola, mas chutava bem, era forte e ainda tinha uma boa arrancada; provavelmente seria um ótimo atacante. Mas Roberto realmente gostava de jogar atrás: gostava de confrontar os atacantes, desarmá-los, vencê-los. O mesmo prazer de um atacante em ver um chute vencer o goleiro ele sentia quando tirava uma bola de cima da linha do gol. E era bom nisso: lembrava com orgulho de certa vez no colégio quando seu goleiro estava invicto enquanto ele estava em campo, mas, tão logo saiu do jogo para fazer uma prova, a bola entrou. Sugeriram muitas vezes que tentasse entrar nas categorias de base de algum clube, que virasse profissional.
– Que é isso, eu não jogo tanto assim. – respondia.
Roberto não era um jovem muito bonito, mas também estava longe de ser feio. Alto, moreno e com profundos olhos verdes, até era capaz de atrair alguns olhares femininos na rua. Mas raramente era visto na companhia de mulheres, e pouco ou nada se sabia de histórias suas envolvendo qualquer coisa parecida com uma namorada, de forma que levantava sérias suspeitas entre os amigos a respeito de suas preferências. Suspeitas infundadas: Roberto gostava, sim, de mulheres, apenas não sabia lidar com elas. Tirar a bola de um atacante em direção ao gol era fácil, e desarmar um meio-capista habilidoso uma brincadeira; difícil mesmo era convidar uma amiga para ir ao cinema. Pedir o telefone de uma deconhecida em um bar, então, era uma missão impossível: a menos que ela agisse primeiro, qualquer flerte acabaria no momento em que terminasse a troca de olhares e sorrisos.
Não gostava de ser assim, mas, com o tempo, se acostumou. Conformado, até desenvolveu um joguinho particular: sempre que via alguma mulher interessante na rua, no ônibus, na faculdade, começava a pensar em como seriam os dois juntos. Imaginava o namoro, as brigas, às vezes até o casamento e a vida a dois que se seguiria. Algumas das histórias eram tão grandes e complexas que eram quase romances de ficção; que importava se ele não a conhecia e ela provavelmente fosse completamente diferente do que imaginava? Era um amante platônico inveterado, um don juan imaginário.
E foi assim que viu pela primeira vez Renata, na faculdade. Como tantas outras vezes, se apaixonou à primeira vista, e começou a imaginar os dois juntos. Olhava para ela, para os olhos dela, para o corpo dela, para as pernas dela… E ela olhou de volta para ele.
Roberto olhou para o lado, disfarçou. Tentou vê-la de novo, e ela ainda o observava. Conhecia aquele olhar: era o olhar dele, o mesmo par de olhos distantes imaginando outras vidas, outros mundos. Estaria ela sonhando com ele como ele sonhava com ela?
Na outra outra aula ela já não olhava para Roberto, mas ele ainda o fazia, agora ainda mais sonhador do que antes. Ela o havia observado – será que pensava nele da mesma forma que ele pensava nela? Pensou em se aproximar, começar uma conversa, talvez convidá-la para verem algum filme ou saírem para beber e conversar em um bar. Mas não fez – ela já não o olhava, será que realmente pensava da mesma forma?
Mas havia olhado antes. Será que sonhava com o futuro como ele? Um mês se passou, e Roberto chegou a poucos metros de falar com Renata. No último instante, no entanto, hesitou; ela não o olhava mais, devia ser apenas ele sonhando além da conta outra vez.
Passou o semestre, e todos foram jogar novamente para se despedir dos colegas. Roberto, o leão da zaga, estava lá. E Renata também, assistindo ao jogo com os demais não-jogadores.
João, atacante veloz, driblou Roberto. Ele se recuperou e correu atrás, os cabelos balançando como a juba de um leão. Quase o alcançava quando a viu – Renata, olhando o lance. Por um momento, se perdeu outra vez entre os devaneios de futuros inexistentes.
Gol. Roberto se virou, e viu João comemorando; como o havia deixado chegar até lá? Como não o alcançou, como o leão que alcança a zebra para alimentar os filhotes? E olhou para Renata, que vibrava com o gol do colega.
Voltou para o jogo. O time foi para a frente enquanto ele ficou atrás, perto do meio-campo, para bloquear um possível contra-ataque. Olhou para os colegas do lado de fora e viu Renata outra vez, olhos fixos na jogada que acontecia. Ela havia vibrado com o gol de João. Será que sonhava agora com João, como Roberto sonhava com ela? Será que vibraria com um gol dele também?
Roberto viu um espaço vazio no lado esquerdo do campo, e correu para lá. Gritou para André, com a bola, que nem notou a defesa do time subitamente aberta – apenas cruzou para o companheiro livre, sozinho, de frente para o gol. Roberto olhou para a bola vindo na sua direção, mirou a rede e chutou com a perna esquerda, de primeira – um chute forte, preciso, entre o goleiro e a trave.
Correu para comemorar. Não gostava de fazer gols; gostava muito mais de impedi-los. Mas aquele em especial era pra ser comemorado. Porque Renata estava olhando. E ele olhou para ela, e ela vibrava.
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