Não tanto tempo atrás assim, o nome Anonymous varreu a internet como um furacão. Não acho que ninguém que se julgue minimamente bem informado vai deixar de reconhecê-lo: a entidade coletiva, ideal político ou, segundo alguns, simplesmente organização criminosa que causou algum furor ao atacar alvos que vão desde a Igreja da Cientologia até empresas como o PayPal, Visa e outras, muitas vezes em uma defesa apaixonada dos ideais políticos do WikiLeaks e o seu fundador, Julian Assange. Era só uma questão de tempo, assim, até que livros e publicações em profusão começassem a explorar o tema. We Are Anonymous: Inside the Hacker World of LulzSec, Anonymous, and the Global Cyber Insurgency, da editora londrina da revista Forbes Parmy Olson, foi só o primeiro que eu porventura acabei encontrando em uma livraria e comprando.
A obra faz um relato aprofundado sobre a história do grupo, desde a fundação do 4chan e o seu infame fórum /b/ até a prisão dos seus membros mais conhecidos. Um dos seus primeiros méritos, inclusive, é justamente o de fugir do lugar comum ou de se fundamentar apenas em suposições e panfletarismo midiático, buscando como fonte principal do seu relato os próprios perpetradores do grupo – conforme descrito longamente ao fim do livro, as histórias contadas tomam como base, além dos relatos públicos dos atos do grupo, diversos logs de chats vazados para a imprensa, e, principalmente, entrevistas diretas da autora com diversos dos hackers e apoiadores do Anonymous e do LulzSec.
Claro, isso leva também a outros problemas particulares: se os próprios usuários da internet, em especial os que se envolveram com o grupo, são conhecidos por mentir compulsivamente e sem qualquer razão aparente, como saber o que levar a sério ou não nestas entrevistas? Olson admite o problema e faz as suas escolhas durante o livro, mas é difícil não imaginar algumas das suas fontes mais recorrentes gargalhando atrás dos seus computadores, pensando ter feito a sua maior trollagem. Mesmo levando isso em conta, no entanto, ainda acho que o livro faz um excelente trabalho em desmistificar o grupo, buscando o seu lado mais humano além da coletividade, tentando entender as razões que levam pessoas anônimas escondidas atrás de nicks virtuais, muitas vezes adolescentes mesmo, a militar em prol de causas que pouco entendem, geralmente sem conhecer totalmente os riscos envolvidos nos seus atos.
Obviamente, não espere que a autora realmente assuma o lado do Anonymous, e defenda os seus atos como revolucionários ou em prol do bem maior ou qualquer coisa assim. Trabalhando para uma revista como a Forbes, é claro que ela os enxerga como perigosos, muitas vezes quase como bullies virtuais, e enfatiza com veemência o seu caráter de ilegalidade. No entanto, ao tentar sinceramente entendê-los e humanizá-los, ela também consegue fugir daquela primeira camada de conservadorismo, enxergando bem além do vandalismo digital que turva a visão de muitos. Em especial, ela consegue expor com bastante eficiência toda a desinformação de veículos de mídia e dos órgãos de policiamento como o FBI, que tentavam enxergar organização e ideologia onde muitas vezes havia só lulz e algum direcionamento fraco, feito por “líderes” que geralmente não tinham mais autoridade do que um aluno popular de colégio. Nisso, o livro também ajuda bastante a compreender, mais do que apenas o fenômeno que discute, a própria internet como entidade virtual.
Outro aspecto que acho interessante de destacar no livro é o seu valor literário. A autora tenta dar algum floreio ao seu estilo narrativo, descrevendo algumas cenas em detalhes como se fosse realmente uma testemunha visual; isso incomoda um pouco do nível da credibilidade da informação, mas também torna a leitura um tanto mais envolvente. Você passa a conhecer e se importar com os personagens do livro como se eles fossem realmente personagens de um romance, com direito a um enredo repleto de intrigas, traições e um final épico, o que acaba causando um certo choque quando você para para pensar que de fato acompanhou muito daquilo tudo através de noticiários. O livro não faria feio mesmo como um romance cyberpunk, e não duvido que seja melhor e mais interessante do que muita coisa que o Neal Stephenson já escreveu.
No fim, alguns problemas à parte, ainda acho que We Are Anonymous é uma leitura bastante interessante e informativa. Não vá achando que você sabe tudo o que há para saber a respeito apenas ao lê-lo, é claro, como não deveria ao ler qualquer livro que seja; no entanto, ele ainda traz alguns insights e reflexões relevantes, lançando de forma didática e objetiva alguma luz sobre fenômenos e acontecimentos que podem ser difíceis de entender para alguns. Tenho certeza que muitos dos que o lerem não irão mais olhar para as suas senhas virtuais da mesma forma que antes.
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