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Estação Perdido

estação perdidoUns anos atrás, o autor britânico China Miéville causou um certo frisson no mundinho da literatura fantástica nacional. Acho que eu mesmo tenho um pouco de culpa no cartório, uma vez que embarquei no hype train, li quase tudo de sua autoria que consegui por as mãos, e divulguei impressões em resenhas numa época em que blogs literários ainda engatinhavam. Em um mundo ainda pré-Game of Thrones, de poucas opções além do seu feijão-com-arroz tolkeniano, ele parecia mesmo diferente de tudo o que tínhamos disponível: linguagem ambiciosa, cenários urbanos decadentes, e uma orientação política progressista e assumidamente marxista, batendo de frente com o conservadorismo mais retrógrado de certos dinossauros do gênero.

Esse hype todo foi um pouco do que pautou o lançamento do seu primeiro romance, Rei Rato, pela hoje finada editora Tarja; mas seriam mais alguns anos antes que ele encontrasse uma casa mais definitiva (e alguns diriam adequada) na Boitempo, entre autores como Slavoj Žižek e Leonardo Padura. O primeiro romance publicado na editora foi A Cidade e A Cidade, pelo qual ganhou o prêmio Hugo de ficção fantástica; e, agora, temos finalmente em português Estação Perdido, provavelmente o seu livro mais conhecido. Acredito que seja uma boa oportunidade, assim, de retornar ao mundo de Bas-Lag, e ver o que você pode encontrar de mais provocante e revolucionário dentro dele.

Estação Perdido (ou Perdido Street Station) é o primeiro livro de uma trilogia, que se completa com The Scar (A Cicatriz?) e Iron Council (Conselho de Ferro? – estou chutando possíveis nomes traduzidos). Eles não contam exatamente uma história contínua, mas cada um possui um enredo fechado com personagens próprios, ainda que haja uma linearidade cronológica e acontecimentos de livros anteriores tenham consequências diretas nos posteriores. Principalmente, no entanto, os três livros dividem o cenário fantástico de Bas-Lag, em especial a metrópole pseudo-vitoriana New Crobuzon, onde se passa toda a ação do primeiro volume.

A verdade é que todo hype passa eventualmente, e gera aquela ressaca em que você se pega perguntando a respeito do que fez durante ele. Olhando hoje, tantos anos depois, penso que Estação Perdido é um livro irremediavelmente datado. É muito próprio do período em que foi escrito, ou ao menos de quando o li pela primeira vez. Tenho uma impressão sobre ele parecida com a que tenho sobre Neuromancer, do William Gibson, também fundador de um gênero: a de que pode-se com certeza reconhecer as suas qualidades e a revolução que causou; mas, quando o seu primeiro contato é com os imitadores, acaba parecendo algo menos do que foi no contexto original.

Há no livro uma ânsia muito evidente de ser uma ruptura, e chocar, às vezes até gratuitamente, o leitor. Falamos de um livro que praticamente abre com uma cena de sexo bastante gráfica entre o protagonista e uma mulher-besouro. Muitas das escolhas de enredos, personagens e ambientação parecem claramente feitas para gerar contraste com clichês e padrões da literatura fantástica mais tradicional – da ambientação urbana e decadente, muito distante da utopia idílica do Condado, até os próprios protagonistas de ocupações um tanto mais mundanas do que os guerreiros, reis e aventureiros que você encontrará num romance de Dragonlance ou Forgotten Realms. Uma das passagens mais comentadas entre os leitores, aliás, é a contratação de um grupo de mercenários exploradores de masmorras pelos protagonistas, e o quanto ele difere da visão que se tem ao ler um cenário de campanha de um jogo de RPG.

Essa ênfase na ruptura, e o seu próprio sucesso em fazê-la, é uma das razões pelas quais ele hoje, quinze anos depois da publicação original, soa um pouco diminuído. Mas isso não quer dizer que o livro simplesmente não seja mais recomendável, muito longe disso. Se tudo o que você conhece de literatura fantástica for Tolkien, George R. R. Martin e produtos relacionados de cenários de RPG – em outras palavras, se as suas próprias referências ainda não passaram do período em que ele foi publicado originalmente -, ele ainda pode acertá-lo como um soco no estômago. Se a sua contestação literária soa um pouco datada, a sua contestação social e política, os seus amores proibidos e revoltas populares, permanecem – e, em tempos como os atuais, temo dizer que não serão diminuídos tão cedo. E acima de tudo, Miéville é um autor com uma imaginação única, capaz de criar cenários, personagens e criaturas que são ao mesmo tempo assustadoras, cativantes e absolutamente fascinantes. Você não vai terminar a leitura sem ter uma impressão muito forte causada pelo monstro-aranha Weaver, o imponente Construct Council, ou os tenebrosos slakemoths.

Olhando em retrospecto, no entanto, tantos anos depois, tenho a impressão mesmo de que Estação Perdido é menos sobre contar uma história, e mais sobre provar um ponto. O verdadeiro astro não parece ser realmente qualquer um dos personagens, mas sim a ambientação, o clima e a própria cidade de New Crobuzon; um pouco como a Terra-Média de Tolkien, transformada aqui em uma megalópole decadente, que os protagonistas devem explorar e viajar de um lado a outro para cumprir a sua missão, e chega mesmo a, como uma entidade dotada de vontade própria, agir e interferir com as suas ações.

Quem conhece a obra posterior do autor sabe que há uma evolução muito clara com o passar dos livros. Mesmo os seguintes ambientados em Bas-Lag me parecem ser mais bem realizados, uma vez que já tinham o terreno preparado pelo anterior. The Scar é um épico fantástico sobre piratas – mas também, e talvez muito mais, sobre política, imperialismo e feminismo. E Iron Council é talvez a verdadeira magnum opus de Miéville, onde a sua visão de uma fantasia concebida por ideais políticos é levada mais longe; é ambiciosa desde a própria linguagem, nos personagens e protagonistas, até a própria trama épica de fantasia revolucionária.

No fim, Estação Perdido talvez chegue sim um pouco tarde, mas há quem argumentará que nunca é tarde para se conhecer uma obra como essa. Se as suas tentativas de ruptura hoje parecem fora de contexto, em grande parte é pelo próprio sucesso que ele teve originalmente. De um jeito ou de outro, China Miéville continua sendo um dos meus autores preferidos, e qualquer lançamento com o seu nome é capaz de me animar e empolgar.

Embassytown

Já falei um pouco em outra resenha sobre as razões que eu acredito explicarem como a ficção científica perdeu tanto espaço para a fantasia recentemente, e não vou me repetir. Acho curioso como certos paradigmas são difíceis de fugir, e acabam colaborando para torná-la anacrônica e até um pouco cômica com uma rapidez espantosa. Por exemplo, os aliens em si: quantas histórias que os envolvem vocês conhecem que realmente os tratam como, bem, aliens? Não como meramente seres humanos com outras cores, altura reduzida ou aumentada, às vezes um ou dois membros a mais? E que fazem isso sem tentar cair em um pseudo-misticismo, transformando-os em alguma espécie de ser transcendental, acima dos meros mortais?

Bem, China Miéville, em Embassytown, sua primeira incursão oficial pelo gênero (muito embora mesmo suas histórias de fantasia tivessem já um certo ar de FC), de fato tentou fugir deste paradigma. Seus ariekei são realmente aliens, seres diferentes e incompreensíveis para a mente humana. Suas formas evocam algo de um terror lovecraftiano, com descrições que fogem de desenhá-los nos mínimos detalhes, e a própria forma como entendem o mundo é diferente da nossa, através de uma linguagem que também é, ela própria, alienígena e semi-incompreensível.

Esta linguagem, conhecida como a Linguagem, em letras maiúsculas, é o mote principal de boa parte do livro. Exótica e alienígena, baseada menos em uma significação direta e mais em uma espécie de empatia sonora, ela é impossível de ser reproduzida por humanos comuns; apenas embaixadores alterados e treinados desde o berço para utilizá-la são capazes de se comunicar com eles. Isso nos traz uma parte do elemento político que também é tradicional nas obras de Miéville, pela forma como este corpo de funcionários diplomáticos se transformou em uma aristocracia insubstituível para a cidade que dá o título do livro. A própria ação principal da história começa com a chegada de um novo embaixador, criado longe de Embassytown e treinado pelo governo metropolitano, o que acaba tendo um efeito inesperado sobre os alienígenas que habitam o planeta.

Isso nos leva também ao que me parece ser o elemento principal do livro, uma espécie de fábula sobre a colonização de regiões distantes, e um estudo antropológico e literário sobre a linguagem e a comunicação. As tensões políticas entre Embassytown e a sua metrópole, bem como a relação entre os nativos e os seres humanos vindos de uma terra distante, remetem de forma bastante direta à nossa própria história, à colonização de países da África e da Ásia, e a luta deles pela sua independência. Há espaço para narcóticos linguísticos (que lembram um pouco a Praga de Buscard, que Miéville havia criado para o Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas), e mesmo citações a histórias clássicas da antropologia sobre o contato com povos nativos, como os relatos do Capitão Cook.

Outro elemento interessante é a própria construção do futuro da humanidade no livro. Miéville é um cientista social, e não físico ou químico, de forma que os seus questionamentos sobre como será a vida no futuro dizem menos respeito a gadgets e tecnologia e mais às próprias pessoas e as relações que elas possuirão entre si. É interessante ver, nas entrelinhas do enredo principal, a visão do autor sobre temas como a sexualidade e o casamento, entre outros.

Claro, Miéville é um autor que em geral rejeita o rótulo de alegorista, e que faz questão de sempre se manter fiel às suas raízes na literatura pulp. Isso significa que, para além de uma alegoria sociológica, o que o livro se propõe realmente é ser uma espécie de thriller político, em que a personagem principal, em princípio sem muita importância, se envolve com as intrigas e políticas coloniais, em uma espiral de tensão que não faria feio como um filme hollywoodiano. Há pontos positivos e negativos nisso: por um lado, torna a leitura mais dinâmica e envolvente, sem perder por isso a profundidade e o questionamento sobre os temas levantados; por outro, no entanto, nos momentos finais ele acaba caindo em um jogo fácil de perseguição e corrida contra o tempo, com resoluções finais acabam vindo mais de epifanias espontâneas com ares mesmo de deus ex machinas. Em um determinado momento a própria narradora chega a anunciar que irá postergar a revelação da idéia que teve para resolver os conflitos, apenas para não estragar a surpresa do leitor…

Enfim, embora não seja perfeito, Embassytown ainda é uma leitura bastante provocante e envolvente, daquelas que te deixam refletindo por horas após a leitura de cada capítulo. É uma ficção científica que realmente soa contemporânea e responde a questionamentos contemporâneos, sem cair em anacronismos e paradigmas ultrapassados. Recomendo bastante.

Rei Rato

Rei Rato traz de volta um velho conhecido do blog, mas de quem eu não falava fazia algum tempo – o escritor britânico China Miéville. Trata-se, no caso, do seu romance de estréia, e também o primeiro a ser traduzido para o português e lançado no Brasil pela Tarja Editorial, que, dizem os boatos, está trabalhando em uma edição nacional do clássico Perdido Street Station.

O livro conta a história de Saul Garamond, um jovem londrino que um dia é acordado pela polícia para descobrir que o seu pai está morto depois de cair da janela do apartamento. É claro que não foi um simples acidente, e esse é o estopim que o colocará em contato com todo o mundo estranho e fantástico que existe sob as ruas de Londres, bem como lhe revelar detalhes obscuros sobre o seu nascimento e ascendência.

Em alguns aspectos, o cenário e a história lembram bastante Lugar-Nenhum, do Neil Gaiman – ambos lidam, afinal, com universos escondidos sob as ruas londrinas, e a queda de alguém “de cima” até eles. Se Gaiman cria um mundo colorido e cheio de magia, no entanto, Miéville é muito mais duro na sua caracterização, enchendo a sua anti-Londres de sujeira e podridão, e até mesmo fazendo os seus protagonistas se alimentarem dela. Por outro lado, achei o cenário do primeiro muito mais vivo e pulsante, repleto de personagens únicos e ambientes envolventes, o que me levou mesmo mesmo a refletir algumas coisas sobre o nosso próprio mundo; o universo mágico de Miéville, ao contrário, parece mais simples e objetivo, quase um cenário teatral mesmo, apenas um pano de fundo para o seu roteiro se desenvolver. Muito mais viva são as suas descrições da Londres original, e da cultura urbana do drum and bass que permeia a narrativa.

Já no roteiro propriamente dito, Miéville é de fato muito mais eficiente do que o Gaiman. Trata-se de uma história de jornada do herói, auto-descoberta e amadurecimento bastante simples, a bem da verdade, mas muito bem executada. Ela reconta e atualiza um conto de fadas clássico – O Flautista de Hamelin -, trazendo-o para a Londres moderna, recheando-o com drum and bass e transformando-o, em alguns momentos, quase em uma história de super-heróis, ou mesmo em um mangá shonen, desses em que personagens super-poderosos se debatem por sobre os prédios da cidade. Longe de ser uma história juvenil, no entanto, ela é também pesada e forte, sem se furtar de descrever mortes e amputações de forma bastante gráfica, e com um quê de romance policial em alguns momentos.

Considerando o meu conhecimento de obras posteriores do autor, é interessante notar também a sua evolução enquanto escritor. Pode-se ver bem que se trata do seu primeiro romance, pela forma como ele organiza as descrições e o roteiro, e também como tateia um tanto receoso em algumas delas. A sua ideologia política assumida também se faz presente, embora raramente de forma panfletária – apenas a cena final quase me fez rir em voz alta, pelo seu exagero intrínseco.

A tradução de Alexandre Mandarino também merece todos os méritos. Pela apresentação já dá pra perceber que se trata de uma obra difícil – muitas passagens e diálogos são escritos no dialeto cockney, que é falado pela classe trabalhadora em alguns locais de Londres, o que torna uma tradução e adaptação bastante complicadas. O uso de gírias comuns acabou funcionando bem, acho eu, e o resultado é uma leitura fluida e fácil. O uso extensivo de notas de tradução, algo com a qual eu geralmente tenho algumas reservas, também serviu bem pra elucidar as poucas dúvidas que surgiram, e o seu posicionamento no fim dos capítulos não atrapalha o fluxo da narrativa – você pode facilmente ignorá-las por completo se assim quiser.

Enfim, Rei Rato é um livro muito interessante, o livro de estréia de um dos principais e mais premiados autores de fantasia atuais, finalmente publicado em português. Para os que liam o blog e ficavam curiosos a respeito mas não entendem o suficiente de inglês para ir atrás dos originais, essa é a chance de vocês.

Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas

Entrei em contato pela primeira vez com o intrigante trabalho do Dr. Thackery T. Lambshead através de alguns escritos do Dr. China Miéville, onde constava o seu relato bastante curioso a respeito da Praga de Buscard, retirado do famoso Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas. Tendo meu interesse despertado, busquei saber mais a respeito, mas à época o volume era disponível apenas em poucas e esparsas cópias britânicas e norte-americanas, de forma que não obtive sucesso em adquiri-lo.

Recentemente, no entanto, através da intervenção de uma conhecida a quem sou por isso muito grato, soube que era iminente o lançamento de uma edição portuguesa da importante obra, de forma que fui atrás de informações. Descobrindo também que estavam atrás de relatos de terras lusófonas para adicionar ao material original, prontamente preparei um pequeno artigo a respeito do Cancro de Meme, esta odiosa doença que há anos tem ocupado minhas pesquisas. Para minha surpresa, o relato foi considerado digno de ser incluído junto aos demais, e assim me uni a nomes como o dos Drs. Alan Moore, Neil Gaiman, Michael Moorcock e outros nesta belíssima edição da editora lusitana Saída de Emergência.

Deixo, portanto, minhas sinceras recomendações a respeito deste lançamento, para aqueles que por ventura forem capazes de adquirir livros de além-mar.

Iniciativa 3D&T Alpha – A Espada do Poder

O tema da vez na Iniciativa 3D&T Alpha é espadas. Resolvi, então, revisitar um dos meus cenários de fantasia favoritos, a Bas-Lag de China Miéville, e apresentar um dos artefatos que aparecem nos seus romances: a Espada do Poder, arma do pirata Uther Doul no livro The Scar.

A Espada do Poder
A Espada do Poder (Might Sword, no original), ou Espada do Possível (Possible Sword), é uma arma datada do Império da Cabeça Fantasma (Ghosthead Empire), uma civilização de seres extradimensionais que dominou grande parte do mundo de Bas-Lag mais de três mil anos no passado, e que possivelmente também tenha tentado (e ainda tente) invadir outros mundos e universos. Desde o seu fim, no entanto, ela se tornou uma espécie de artefato lendário, que aparece e desaparece em histórias, mudando constantemente de dono. Seu último usuário conhecido é o pirata Uther Doul, da cidade flutuante de Armada.

A arma é uma espada de cerâmica em estilo antigo, com uma série de fios saindo do cabo e ligando-a a uma espécie de bateria, que normalmente é presa pelo usuário na cintura. Seu nome, ao contrário do que sugere em um primeiro momento, não se refere a poder no sentido de força ou capacidade sobrenatural, mas sim no sentido de possível, do que pode ou não acontecer. Ele faz menção, assim, à sua principal habilidade, a de realizar, simultaneamente, todos os ataques que seriam possíveis de serem realizados.

A espada é normalmente uma arma mágica que concede ao personagem um bônus de F+2, além de ser considerada Perigosa (como a vantagem para Ataques Especiais: sempre que a está usando, o personagem consegue um acerto crítico com 5 ou 6 na jogada de FA). Seu verdadeiro poder, no entanto, se revela quando a bateria conectada ao cabo é ativada, o que requer o uso de um movimento, ligando a sua propriedade especial: a de ser uma arma do possível.

Arma do Possível (40 PEs). Esta é uma nova habilidade que pode ser aplicada em armas mágicas e especiais, que utiliza a ciência esquecida da mineração de possibilidades (veja adiante). Quando o personagem a ativa, uma miríade de braços fantasmagóricos se materializa a partir do ombro do personagem, como se fossem duplicatas do braço empunhando a arma, e ele passa a realizar, cada vez que ataca um determinado alvo, não apenas um ataque, mas todos os ataques que poderia estar realizando contra ele – acertando, ao mesmo tempo, a cabeça, membros, tronco, e até errando alguns deles. Em regras, o personagem deve jogar normalmente a sua FA a cada rodada; mas, além do resultado do dado, ele também realizará contra o alvo cinco ataques extras, com cada outro resultado possível.

Por exemplo, digamos que ele rolou um 4 no dado da FA. O seu ataque principal, assim, será realizado com FA igual a F + H + 4. Além dele, no entanto, ele também realizará cinco ataques extras, com FAs iguais a F + H + 1, F + H + 2, F + H + 3, F + H + 5 e F + H + 6. Note que nenhum deles deve ser tratado como um acerto crítico – apenas o ataque principal pode ser um, se for o resultado do dado. O alvo deve jogar a FD apenas uma vez, e ela será a mesma contra cada um dos ataques recebidos.

Utilizar esta habilidade, no entanto, requer algum cuidado e prática – afinal, se o personagem realiza simultaneamente todos os ataques possíveis, é preciso evitar que sejam possíveis ataques que abririam a sua guarda, ou que atingiriam o próprio personagem em um erro não calculado. Assim, utilizar uma arma do possível ativada sempre requer que o personagem utilize a sua rodada completa para atacar, ocupando tanto a sua ação como o seu movimento.

Além disso, ela só pode ser utilizada com força total por personagens que não saibam utilizar corretamente a arma em questão, uma vez que o objetivo do treinamento, geralmente, é justamente o de diminuir a quantidade de ataques possíveis – você só quer ter a possibilidade de um ataque, aquele que vencerá o seu oponente. Por isso, para ter direito a todos os ataques extras, o personagem deve obrigatoriamente receber um redutor de F ou PdF -1, como se tivesse trocando a sua personalização de dano, mesmo que a arma seja de um tipo de dano que ele saiba usar (nesse caso, ele deve voluntariamente ignorar o seu treinamento para aumentar o número de ataques possíveis).

Por fim, usar uma arma do possível é uma atividade cansativa, uma vez que o personagem acumula a fadiga de todos os ataques que realizou. Assim, ao fim do combate, ou quando a arma for desativada, ele estará exausto, recebendo um redutor de -1 em todas as suas características durante uma hora. Caso precise utilizar a arma novamente neste período, os redutores se acumulam.

Como regra opcional, caso considere esta uma habilidade muito estranha ou poderosa, o mestre pode considerar que ela é também exótica e rara, por utilizar preceitos e técnicas de uma ciência esquecida. Por isso, mesmo que possua uma arma adequada, o personagem só poderá utilizá-la com o seu poder total se tiver algum conhecimento sobre o seu funcionamento, o que requer a perícia Mineração de Possibilidades, descrita a seguir.

A Mineração de Possibilidades
Mineração de possibilidades (possibility mining) é uma das ciências fantásticas do mundo de Bas-Lag, que lida com as probabilidades, possibilidades e, mais especificamente, como torná-las reais. Ela foi desenvolvida pelo Império da Cabeça Fantasma, e muito do seu domínio sobre o povo de Bas-Lag no passado se deu graças a estes conhecimentos. Ainda hoje há uma grande cicatriz dimensional no lugar onde estes seres invadiram o mundo, um ponto no oceano milhares quilômetros distante de qualquer continente habitado, onde é possível vislumbrar e se conectar a dezenas de realidades possíveis.

Basicamente, a mineração de possibilidades pode ser usada para tornar real qualquer coisa que seja possível de acontecer. Isso não pode ser feito, é claro, espontaneamente – é necessário um maquinário pesado, alimentado por grandes quantidades de energia, e que permita ao cientista vislumbrar as possibilidades disponíveis e escolher aquelas que lhe interessarem, trazendo-as para o seu mundo. A maioria destas máquinas, no entanto, hoje se encontram perdidas, muitas vezes destruídas ou desmanteladas em ruínas do velho império. As armas do possível são apenas um exemplo desta tecnologia; outros itens que lidam com mineração de possibilidades e podem ser encontrados incluem instrumentos musicais e alguns artefatos mais cotidianos.

Em jogo, você pode considerar a mineração de possibilidades de duas formas distintas. A primeira é como uma ciência comum, mesmo que exótica, que pode ser estudada e aprendida normalmente por personagens cientistas e afins. Neste caso, você pode considerá-la como uma simples especialização da perícia Ciências, que faz parte da perícia completa ou pode ser adquirida separadamente.

Alternativamente, no entanto, ela também pode ser uma ciência esquecida, um conhecimento perdido de uma civilização morta. Neste caso, ela não pode ser incluída em conjunto com as outras ciências normais – deve ser considerada uma perícia à parte, custando 2 pontos, e com especializações próprias, como Teoria das Possibilidades, Tecnologia de Possibilidades, Combate de Possibilidades (necessária para utilizar as armas do possível corretamente), Música de Possibilidades, etc. Se achar adequado, o mestre também pode proibir que ela ou suas especializações sejam adquiridas na criação dos personagens, só estando disponíveis para serem compradas durante a campanha, com Pontos de Experiência, à medida que o grupo entrar em contato com artefatos deste império esquecido.

Outros Artigos Sobre Espadas
Crônicas em Arton – Espadas Inteligentes
Estalagem do Beholder Cego – Mestre da Lâmina
Non Plus
RPG – First Tsurugi
Paragons – Espada Espiritual

The City & The City

the-city-and-the-cityThe City & The City é o último livro de China Miéville, que, acredito, dispensa maiores apresentações por aqui. Desta vez, no entanto, ao invés de outra viagem pelo mundo weird de Bas-Lag, temos uma espécie de romance policial “estranho”, bem próximo do conceito do lingüista búlgaro Tzvetan Todorov, passado em duas cidades fictícias do leste europeu.

O livro começa, como é típico em histórias policiais, com um assassinato, e a investigação do inspetor Tyador Borlú, do Esquadrão de Crimes Extremos da cidade de Bèsz, para solucioná-lo. É claro, no entanto, que o que parecia um caso simples logo se revela bem mais complexo, envolvendo conspirações corporativas e políticas, bem como as complicadas relações de Bèsz com a cidade, podemos dizer, “vizinha”, Ul Qoma. A forma como essa questão é apresentada, aliás, é bastante interessante, sendo sugerida sutilmente nos primeiros capítulos e exposta de fato apenas quando as ligações da vítima com ambas as metrópoles se tornam evidentes; e é então que entendemos do que realmente trata o livro: uma fábula sobre cidades divididas, com ecos d’As Cidades Invisíveis de Calvino, se inspirando em algumas situações históricas, mas exagerando e extrapolando-as na melhor tradição da (boa) literatura fantástica.

Após quatro romances e uma coletânea de contos, alguns problemas do Miéville como autor já começam a ficar um pouco evidentes. Em especial, um que já aparecia em Iron Council, que é o pouco envolvimento pessoal de muitos personagens com a trama principal – o próprio protagonista, aqui, é pouco desenvolvido além da sua relação estritamente profissional com o caso que investiga, o que parece torná-lo muitas vezes distante dos acontecimentos, e nos leva a questionar seus interesses e motivações. The City & The City não tem tanto de romance psicológico quanto de metáfora política e social, o que não chega a ser necessariamente um defeito, é claro, mas há de diminuir o interesse de algumas pessoas.

O ritmo do livro também parece um pouco devagar, talvez justamente por esse distanciamento que se nota do personagem principal, com as revelações da investigação andando a passos lentos até os momentos finais, quando se aproxima mais de um filme de ação policial. Novamente, no entanto, este é um problema relativo – a revelação gradual e cuidadosa das pistas, somada ainda à situação peculiar das cidades onde a história se passa, é eficiente, e conseguem mantê-lo interessado na leitura e intrigado a respeito do mistério principal, cuja solução só começa a se desenhar de fato após as últimas reviravoltas.

Por outro lado, é possível notar alguma evolução e amadurecimento em comparação com os romances anteriores, tanto na linguagem do livro, mais acessível e necessitando de menos consultas a dicionários de inglês, bem como na estrutura da trama, mais redonda bem-acabada, sem excessos ou grandes experimentalismos. Apesar dos seus elementos de fantasia e surrealismo, The City & The City é um romance policial bem direto e objetivo, que, mesmo confundindo e blefando constantemente sobre a sua resolução, não chega a dar um nó no raciocínio. Apenas a forma como a história constrói certas expectativas só para poder quebrá-las por completo nos capítulos finais já começa a ficar um pouco manjada e previsível para quem leu outros livros do autor.

Para além da óbvia conotação política e todo o aspecto mais formal, ainda, é interessante notar como o livro, da mesma forma que Neverwhere, do Neil Gaiman, consegue, a partir da fantasia e do surrealismo, nos fazer refletir um pouco sobre a nossa própria realidade. É difícil, após entender como funcinam e se mantêm as fronteiras invisíveis de Bèsz e Ul Qoma, não se pegar pensando um pouco sobre as que existem nas nossas próprias vizinhanças, especialmente nas grandes cidades, e da forma como seletivamente escolhemos não ver ou ouvir pessoas que podem estar bem ao nosso lado, ignorando tudo o que foge aos nossos mundinhos fechados particulares.

Enfim, como saldo final, à parte de todos os poréns, The City & The City é uma obra bastante intrigante e envolvente, capaz de provocar a imaginação e nos fazer refletir longamente após o fim da leitura. Apresenta o amadurecimento de um grande autor, e é certamente uma recomendação.


Sob um céu de blues...

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