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Dungeons & Dragons: Chronicles of Mystara

D&D_Chronicles_of_MystaraAh, os fliperamas! Quem nunca atazanou os pais por fichas para jogar The King of Fighters com desconhecidos em ambientes escuros e sujos não sabe o que é jogar videogame de verdade. Sim, pois houve uma época em que eles não eram coisa de anti-sociais fechados em seus quartos, mas podiam ser um instrumento importante de socialização e criação de novos amigos – ainda que em geral os pais se preocupassem muito com que tipo de amigos seriam esses que frequentariam esse tipo de ambiente…

Dentre os muitos gêneros que marcaram a história dos fliperamas, estão os chamados beat ‘em ups, os famosos jogos de pancadaria desenfreada em que você e até três amigos recém conhecidos (ou até cinco um caso muito especial) andavam por um cenário genérico, geralmente da esquerda para a direita, batendo em meliantes e inimigos em geral até encontrar o chefe da fase, em quem vocês tinham que bater por um pouco mais de tempo para vencer. Para pegar o espírito geral, recomendo uma olhada no RPG indie Beat ‘em Up, que o adaptou de forma muito legal. Muitas séries hoje clássicas começaram assim: Final Fight, Streets of Rage, Captain Commando… Outros tantos jogos de franquias de outras mídias que se tornaram clássicos também o adotaram, como o famoso jogo das Tartarugas Ninja, o dos Simpsons, e o primeiro crossover de Aliens X Predador.

E além destas, há também o RPG mais conhecido do mundo, Dungeons & Dragons. Dois jogos foram produzidos com a licença da franquia pela Capcom, Tower of Doom e Shadow Over Mystara, que usavam como ambientação o cenário clássico Mystara. São estes dois jogos que agora foram relançados com gráficos em HD no pacote Dungeons & Dragons: Chronicles of Mystara, disponível para compra on-line através de serviços como a PlayStation Store e a Steam.

O estilo de jogo em si não muda muito daquilo que já foi descrito: você deve escolher um personagem entre os clichês típicos das histórias de fantasia – Tower of Doom possui quatro opções: um guerreiro, um clérigo, um anão e uma elfa; e Shadow Over Mystara possui mais duas além destas: um mago e uma ladra -, e então partir enfrentando as hordas de inimigos, que aqui são compostas pelas criaturas típicas do gênero também – então ao invés de meliantes e gangues, você estará batendo em goblins, kobolds, esqueletos e elfos das sombras, entre outros. Ao final de cada fase, um chefe, também de criaturas tradicionais – mantícoras, quimeras, trolls e pelo menos um dragão vermelho em cada jogo que rende uma batalha espetacular que não faria feio se estivesse em Demon’s Souls.

Claro, estamos falando de D&D, e houve na época um cuidado especial para que os fãs do RPG reconhecessem elementos dele durante o jogo. Isso talvez tenha sido o que realmente fez com que eles fossem títulos marcantes e únicos dentro de um mar de outros tão parecidos: havia acúmulo de experiência e passagem de nível entre as fases; alguns dos personagens tinham acesso a feitiços especiais, e mesmo os outros podiam eventualmente encontrar anéis de mísseis mágicos ou equivalentes; toda a coleta de tesouros como jóias, moedas de prata e ouro e afins, que podiam ser usadas para comprar itens especiais; a possibilidade de escolha de caminhos diferentes em algumas fases; e daí por diante. Shadow Over Mystara vai ainda mais adiante nisso, e disponibiliza até mesmo algumas armas diferentes aos personagens marciais. Somado a enredos que poderiam ter saído de uma mesa de jogo – leia-se, “grupo de aventureiros enfrenta monstros reunidos por mago maligno para atacar o reino” -, e se tem praticamente duas campanhas de RPG tradicionais transpostas para a tela eletrônica.

Além de trazer de volta os dois clássicos, a versão remasterizada também adicionou um bocado de coisas legais que fazem o pacote realmente valer a pena. Há diversos extras a serem descobertos – além de alguns troféus/achievements, há lá diversas artes originais que você abre com pontos adquiridos durante o jogo, e também algumas “house rules” que você pode adicionar para embaralhar as coisas um pouco. A principal adição, no entanto, foi certamente a possibilidade de jogar online, entrando no jogo de outra pessoa ou criando o seu próprio para outros entrarem. Para um gênero que se fez em cima de jogos cooperativos, não havia como prescindir de algo assim. Acho que o único contra mesmo é que o fato de haver continues infinitos meio que mata o desafio do jogo; mesmo assim, ainda há muita diversão nostálgica ao lado de desconhecidos a se ter.

E há algo mais a se pedir além disso? Na verdade, acho que sim: fiquei sonhando agora com uma versão em HD e com suporte online do velho beat ‘em up dos X-Men (que eu sei que está disponível para compra na PlayStation Store também, mas é só a versão clássica sem adicionais)… Em todo o caso, serve também como um ótimo aquecimento para enquanto O Desafio dos Deuses não fica pronto.

A Fantasia Além dos Livros

Então, esse ano eu tive uma oportunidade muito legal, ao ser chamado pelo Christopher Kastensmidt, da Bandeira do Elefante e da Arara, pra substituir de última hora o escritor Max Mallman em um dos painéis da Odisséia de Literatura Fantástica que aconteceu aqui em Porto Alegre no fim de abril. O tema era a fantasia em outras mídias além da literatura, e eu estava acompanhado do escritor Gerson Lodi-Ribeiro, do desenhista e roteirista de quadrinhos Estevão Ribeiro, e do roteirista e diretor de cinema Pedro Zimmerman. Meu papel seria falar principalmente sobre RPG, embora eu tenha preparado um material um pouco maior, falando também sobre duas outras mídias alternativas dos temas fantásticos. Fiz algumas pesquisas e reflexões bacanas, no entanto, e acho que seria interessante resgatar esse material em um textinho simples por aqui.

Pois bem. Como eu falei, apesar de ter preparado coisas para falar sobre outros assuntos, na minha fala eu acabei me reduzindo principalmente à fantasia no RPG. A maioria das pessoas deve saber bem que ele está ligado à literatura fantástica praticamente desde o seu surgimento; os criadores de Dungeons & Dragons, o primeiro e mais conhecido jogo de RPG, eram fãs confessos, e construíram a ambientação dos primeiros jogos com base nos autores que liam. A influência mais conhecida é Tolkien e O Senhor dos Anéis, mas quem conhece pode perceber uma presença bastante forte de elementos vindo de Michael Moorcock, autor das histórias do Elric de Melniboné, e também do Fritz Leiber, das histórias de Lankhmar, entre outros. Lankhmar inclusive chegou a ser adaptado como um cenário oficial do AD&D, muito antes da terceira e quarta edições do jogo que são mais jogadas atualmente.

Isso expõe, acredito, a característica principal do RPG com respeito a outras mídias do gênero fantástico: ele é, principalmente, um apropriador de elementos, mais do que um criador. Quer dizer, pensem na própria forma como ele é jogado: um jogo de grupo, focado na interação entre os participantes. Assim, mais importante do que ser original, é oferecer elementos que os jogadores reconheçam e com o qual tenham vontade de interagir no ambiente de jogo – se os jogadores gostam de piratas, use-se um cenário de piratas; se gostam de elfos, um cenário de elfos; e daí por diante. Isso se expande mesmo para a geração de jogos de terror sobrenatural que esteve muito em voga no fim do século passado, que se apropria de muitos elementos da literatura gótica. Independente de algumas bobagens que se houve por aí, jogar RPG é menos uma atividade individual e reflexiva do que uma atividade social.

Claro, isso não quer dizer também que um RPG não possa ter um papel criador e estar na vanguarda, apenas que é algo pouco comum, e não costuma ser exatamente uma característica dos jogos de maior sucesso. Acho que o melhor exemplo de um RPG na vanguarda das mídias de fantasia é o dieselpunk, termo que foi usado pela primeira vez em um jogo independente pouco conhecido chamado Children of the Sun, de 2002, e que recentemente foi tema de uma coletânea de contos da Editora Draco.

O segundo tema que eu havia preparado para falar no painel, mas acabei cortando da apresentação final, foram os videogames. Acredito que a fantasia nos jogos eletrônicos, pelo menos a dos primeiros anos, esteja ligada principalmente ao público-alvo dos primeiros consoles, que eram, em geral, crianças e pré-adolescentes, que são atraídas pelas cores fortes e brilhantes de jogos como Super Mario Bros. ou Sonic the Hedgehog. Some-se ainda as próprias limitações técnicas, que tornavam um tanto difícil apresentar gráficos mais realistas e sombrios com as limitações de tons de cores e limite de pixels dos modelos. Assim, muitas das suas séries clássicas acabaram tendo um elemento fantástico como característica marcante; foi um longo caminho até que a evolução técnica e do público-alvo permitiu o surgimento de franquias realmente realistas, como Call of Duty e Battlefield. Mesmo a fantasia atualmente adquiriu um tom mais sombrio e anatomicamente cuidadoso, visto em jogos como The Elder Scrolls e Dark Souls, mas ela ainda está bastante presente em jogos da nova geração.

Existem duas séries em especial que também merecem algum destaque devido à sua importância cultural e os intercâmbios realizados com outras mídias. A primeira são os RPGs eletrônicos da franquia Dragon Quest, cujo primeiro jogo foi lançado em 1986. Com um ambiente de fantasia medieval clássica, com forte inspiração do D&D, que havia sido publicado em japonês no ano anterior, a série logo se tornou extremamente popular no Japão, tendo sido por muito tempo a sua franquia de games mais popular. Uma lenda urbana conhecida diz mesmo que uma lei chegou a ser baixada proibindo a sua venda em dias úteis para evitar que os seus fãs faltassem ao emprego ou às aulas para comprar os lançamentos.

Sendo um fenômeno cultural tão grande, Dragon Quest de fato definiu muito do que os japoneses entendem por fantasia, e a influenciou em diversas outras mídias. A principal delas, é claro, são os animes e mangás: muitas séries de fantasia, acredito que a mais conhecida atualmente seja Fairy Tail, além da óbvia inspiração na ambientação, apresentam uma caracterização e técnicas especiais dos personagens que parecem ser feitas sob medida para a progressão matemática que é esperada de um jogo eletrônico. O próprio Dragon Quest chegou a ser adaptado para um mangá e série de animação, exibido no Brasil com o nome de Fly – O Pequeno Guerreiro.

O outro exemplo da influência dos videogames em outras mídias é na cultura zumbi que tem estado em evidência em anos recentes. Ainda que os zumbis certamente não sejam criações dos games, podendo ser resgatados desde os filmes de George Romero, a própria religião vudu e criaturas e monstros de jogos de RPG, existe um paralelismo muito suspeito entre a evolução dessa cultura e os jogos da série Resident Evil. Os dois primeiros lançamentos da franquia foram publicados em 1996 e 1998, e, calculando-se, pode-se facilmente concluir que quem os jogou como adolescentes naquela época hoje se encontram na faixa dos vinte e tantos até os trinta e poucos anos, justamente a que mais se identifica e envolve com histórias de zumbis. Claro que não se pode reduzir toda a popularidade dos zumbis apenas a isso – eu pessoalmente tenho a minha própria interpretação sociológica de bar sobre o tema -, mas é uma coincidência muito evidente para ser simplesmente ignorada.

Por fim, eu havia preparado também algumas linhas sobre a presença de fantasia na música, outra mídia que geralmente é ignorada nos meios interessados por literatura fantástica, mas que apresenta uma relação bastante forte com ela. Para além da óbvia relação com a poesia, ela possui alguns intercâmbios bastante fortes com a literatura como um todo. Pode-se resgatar isso inicialmente, acredito, desde a tradição de óperas dos séculos XVIII e XIX, como A Flauta Mágica ou O Anel de Nibelungos, mas pode-se notar a sua presença com bastante força mesmo em músicas populares mais atuais.

Tolkien, por exemplo, era um autor muito popular em comunidades hippies das décadas de 1960 e 1970, que viam principalmente nos elfos e a sua cultura ligada à natureza como um ideal a ser seguido, ainda que o próprio autor em geral os desprezasse enquanto público. Por isso, não é exatamente difícil de se encontrar referências às suas obras em músicas de bandas da época, sendo o caso mais conhecido, provavelmente, o do Led Zeppelin, que o fazem em músicas como The Battle of Evermore, Over the Hills and far Away e um punhado de outras. Outras bandas que fizeram referências a Tolkien incluem o Black Sabbath e o Rush, e reza a lenda que mesmo os Beatles chegaram a cogitar fazer uma adaptação cinematográfica de O Senhor dos Anéis, tendo o Paul Mccartney interpretando o Frodo e o John Lennon como o Gollum.

Mais recentemente, a literatura fantástica é muito presente em músicas de algumas bandas de estilos mais pesados, como o heavy metal e suas vertentes (em especial o power metal), pelo menos desde a década de 1980. O exemplo mais conhecido é certamente o Blind Guardian, que possui discos inteiros em homenagem a Tolkien e seus personagens, além de Stephen King e outros autores do gênero, e recentemente também produziu algumas músicas inspiradas pela série A Song of Ice and Fire, do George R. R. Martin. Outro autor muito referenciado em bandas pesadas é H. P. Lovecraft e os seus Mitos de Cthulhu; só para ficar na mais conhecida, o Metallica possui uma música chamada The Call of Ktulu.

Três projetos relacionando literatura fantástica e música pesada também são interessantes de destacar. O primeiro é o Avantasia, projeto idealizado por Tobias Sammet, vocalista da banda Edguy, que reúne diversos músicos consagrados do gênero para formar uma espécie de “opera metal“, cujo enredo possui diversos elementos oriundos da literatura fantástica. A principal referência no caso é o ciclo arturiano, presente no próprio nome – “Avantasia” é uma mistura de Ávalon com fantasia. Outro projeto semelhante é o Ayreon, do músico holandês Arjen Anthony Lucassen, que também tentar uma montar uma espécie de opera pesada com temas fantásticos, reunindo artistas renomados do heavy metal e gêneros semelhantes. E Lucassen também é responsável pelo Star One, que tem a mesma premissa, mas desta vez com um enredo inspirado pela ficção científica.

E um último estilo musical com elementos fantásticos que eu gosto de destacar, desta vez já puxando mais para o meu gosto pessoal, é o blues tradicional norte-americano. Para quem não sabe, ele possui a sua origem na música folclórica do sul dos Estados Unidos, e por isso possui muitas canções que se estruturam quase como contos, com direito a personagens, enredos e reviravoltas. Algumas destas músicas incluem fortes elementos do sobrenatural, relacionada principalmente à religião vudu – como as gipsy women, por exemplo, ou bruxas/ciganas; e também o mojo, uma espécie de força sobrenatural. Temos ainda a famosa lenda imortalizada na canção de Robert Johnson, sobre esperar à meia-noite em uma encruzilhada para que o diabo apareça e afine o seu violão, e assim você pode aprender a tocar como os mestres do estilo.

Claro, podemos encarar estas referencias inicialmente como religiosas, e não propriamente fantásticas, uma vez que são baseadas em uma crença verdadeira e que ainda é praticada em alguns lugares. No entanto, é interessante notar como o próprio blues, na medida em que passou a ser ouvido e praticado em outros ambientes fora do seu original, não perdeu a referência a estes elementos, mesmo quando tocados por músicas para quem eles nada significam. Pode-se dizer que ele passou a ser encarado com um viés realmente fantástico, algo como vamos brincar de ser um músico errante do delta do Mississipi.

E este foi o material que eu havia preparado para o painel, apesar de a minha fala realmente acabar reduzida apenas à primeira parte, sobre o RPG. É claro que nada disso é propriamente um estudo muito aprofundado, mas acredito que sejam algumas notas e apontamentos gerais bastante válidos. Um dia, quem sabe, eu me debruço mais longamente sobre um ou outro destes temas.

Classe Média

Classe media sofre, é o que dizem por aí. Como sobreviver com esses impostos, essa violência, essa corrupção… E ainda com três crediários pra pagar, o colégio (particular, é óbvio) dos filhos, e o governo nem sequer legaliza a maconha pra ajudar a aliviar um pouco todo esse stress. Só com uma grande passeata em horário comercial mesmo para chamar a atenção e fazer todos esses problemas serem ouvidos.

Mas, é claro, tudo sempre pode ser pior. Pior do que pertencer à classe média no Brasil provavelmente seria pertencer à classe média em um mundo de fantasia, onde além de tudo a cidade ainda pode ser atacada por um dragão quase sem aviso. Se D&D é conhecido pelas suas classes, afinal, como seria a sua classe Média?

[d20] Classe de Prestígio (?): Média

Pré-Requisitos
Salvamentos: Vontade +2
Perícias: Profissão (qualquer) 4 graduações
Especial: não pode ter um tesouro acumulado maior do que a média para o seu nível de personagem.

Habilidades
BBA ruim / For ruim / Ref ruim / Von bom

Dado de Vida: d6

1.º nível: Mediocridade 1/dia, Classe Média Sofre! 1/dia.
2.º nível: Mediocridade 2/dia, Crediário 1 item.
3.º nível: Mediocridade 3/dia, Classe Média Sofre! 2/dia.
4.º nível: Mediocridade 4/dia, Crediário 2 itens.
5.º nível: Mediocridade 5/dia, Classe Média Sofre! 3/dia, Passeata.

Mediocridade. Um membro da classe média pode escolher 10 em quaisquer rolagens de dados em quaisquer situações, mesmo aquelas que normalmente isso não seria possível, e em situações onde não seria possível escolher 10. Este poder pode ser usado uma vez por dia por nível na classe.

Classe Média Sofre! Uma vez por dia, o membro da classe média pode adicionar 1d6 ao resultado de qualquer jogada de dados. A rolagem deve ser acompanhada de reclamações sobre como o personagem faz parte da classe média, e por isso os regentes e governantes nunca dão atenção a ele, etc. No 3.º nível esta habilidade pode ser usada duas vezes por dia, e no 5º nível ela pode ser usada três vezes por dia.

Crediário. No 2.º nível, o membro da classe média adquire a capacidade de abrir crediários para a aquisição de itens. Ele deve pagar 1/4 do valor do item à vista, e pode pagar as parcelas seguintes no final das próximas aventuras, com o tesouro acumulado nelas. No 2.º nível ele pode parcelar o valor de um item de cada vez, e, se quiser parcelar outros, precisa terminar de pagar este primeiro; no 4.º nível, esta quantidade sobe para dois itens com valor parcelado de cada vez.

Passeata. No 5.º nível, o membro da classe média aprende a se reconhecer entre os seus iguais, e, assim, a sentir um significado maior naquilo que faz. Para cada personagem engajado na mesma ação que ele (atacar um mesmo inimigo, utilizar uma mesma perícia, etc.), ele recebe um bônus de +1 naquela rolagem.

[3D&T Alpha] Novo Kit: Classe Média
Exigências: pelo menos uma especialização de perícia; não pode possuir Riqueza
Função: baluarte

Mediocridade. Você pode escolher automaticamente o resultado médio de um dado (ou seja, 3) antes de fazer qualquer rolagem. Isso significa que você não poderá ter um acerto crítico, por exemplo, mas também garante que não terá um resultado muito ruim. Esta habilidade pode ser usada uma quantidade de vezes por dia igual a sua H.

Classe Média Sofre! Você pode adicionar 1d a uma rolagem de FA ou FD, ou rolar dois dados em um teste e escolher o melhor resultado. Esta habilidade pode ser usada uma quantidade de vezes por dia igual a sua H.

Crediário. Você pode parcelar o custo de aquisição para objetos mágicos. Você deve pagar pelo menos 1/3 dos PEs à vista (arredondado para cima), e as próximas parcelas serão pagas nas aventuras seguintes, com os PEs conquistados nelas. Você só pode ter um item parcelado de cada vez; se quiser parcelar outro, deve terminar de pagar o primeiro.

Passeata. Para cada dois aliados engajados na mesma atividade que você (atacar um mesmo inimigo, fazer um mesmo teste de perícia, etc.), você recebe um bônus de +1 na sua jogada.

Uma Aventura de Natal

Marley estava morto: era este o começo de tudo. Já fazia muito tempo – anos, na verdade -, mas, de alguma forma, era ali que começava. Agora só o que restava de Ebenezer, seu velho companheiro, era um aventureiro amargo e solitário, um guerreiro sanguinário que viajava de masmorra em masmorra matando monstros e tomando seus tesouros sem remorso, para então gastá-los moeda por moeda em bebidas e mulheres em longas noites de taverna.

E assim estava também naquela noite, apenas havia a diferença de ser a véspera do Natal. Nada com que se importasse: feriados pouco significavam para um eterno viajante, que fazia o próprio horário e seguia crenças muito pessoais. No máximo haveriam festas na cidade em que estivesse, o que era uma coisa boa. Como sempre, bebeu e brigou a noite toda, até ser expulso da taverna onde estava. Cambaleou pelas ruas, recusou esmolas a três crianças ameaçando-as com a lâmina suja da espada, e enfim caiu e adormeceu entre as latas e sacos de lixo de um beco escuro.

***

Acordou de repente com o som de correntes se arrastando pelo chão. Levantou num pulo, segurando com a mão direita o cabo da espada, mas, ainda atordoado pela bebida, se desequilibrou e caiu outra vez sobre os sacos de lixo. Então observou, indefeso, os olhos ainda cobertos de vertigens, enquanto uma forma humanóide semi-transparente adentrava o beco, arrastando as correntes presas no corpo como um detento há muito condenado.

– Ebenezer… – o chamado percorria o beco como um sussurro.

– M-marley! – Ebenezer arregalou os olhos e segurou com força o medalhão em forma de cruz que trazia no pescoço, última lembrança deixada por aquele que agora estava à sua frente. – Mas você está morto!

– Em anos como aventureiro, imaginei que estivesse acostumado com o fato de a morte raramente ser um fim definitivo.

Ebenezer não respondeu. Inspirava e expirava com rapidez, suando apesar da neve fria que o cercava.

– Estou aqui para lhe avisar da sua missão esta noite. – continuou Marley. – Você deverá explorar três masmorras, e elas lhe indicarão o caminho para a redenção da sua avareza e pecados do passado.

– Redenção? Mas eu não preciso de reden… – não completou a frase, pois o fantasma já desaparecera deixando apenas um pergaminho enrolado no chão. O guerreiro se aproximou e o pegou: era um mapa, indicando a localização de uma masmorra nas proximidades da cidade. Resolveu seguir o conselho do amigo e se dirigir para lá, curioso sobre o que encontraria.

***

A entrada do local não era muito surpreendente: uma velha escadaria de mármore levando para o subsolo, com algumas rachaduras e pedaços de degraus carcomidos. Ebenezer desceu com cuidado, já bem acordado e sóbrio, mantendo a espada em prontidão para o caso de encontrar alguma criatura inesperada. Os corredores eram cobertos de poeira e teias de aranha, revelando sua idade: certamente esta era uma masmorra do passado, há muito abandonada e esquecida pelos seus construtores.

Explorou os túneis como o aventureiro experiente que era, escapando de armadilhas e enfrentando os monstros que encontrava. Bastaram alguns aposentos, no entanto, para começar a prever com antecedência onde estaria cada armadilha e monstro, e que tesouro encontraria; era quase como se já houvesse explorado aquela masmorra antes. E, de fato, já o tinha feito: logo a reconheceu como a de uma de suas primeiras aventuras, quando ainda um jovem garoto em busca de fama e fortuna. Ficava mais claro a cada corredor que explorava e aposento em que entrava; até as passagens secretas estavam todas nos mesmos locais.

Convencido de que era aquele o lugar, Ebenezer percorreu os corredores como lembrava ser o caminho até a câmara principal, esperando encontrar o cadáver do dragão que havia então derrotado. E lá estava – mas longe de ser um cadáver! A criatura o atacou com a baforada ácida no instante em que entrou no aposento, e foi por pouco que Ebenezer conseguiu se esquivar e evitar ser derretido. Quase sem pensar, investiu contra o monstro, procurando o local na sua barriga onde uma cicatriz revelava o ponto fraco que, na batalha anterior, levara longas esquivas para descobrir. Golpe certeiro: a espada cravou fundo na carne da criatura, banhando o velho guerreiro em sangue dracônico. A fera urrou de dor e caiu morta no chão.

Triunfante, Ebenezer retirou a espada da criatura e procurou o lugar onde, sabia, estaria seu tesouro. Estava todo lá: montanhas de jóias, ouro e outros objetos valiosos. No entanto, sua atenção foi desviada para algo que não havia notado da outra vez – ao lado das pilhas de moedas havia uma nova escadaria de mármore, levando a um nível ainda mais profundo e desconhecido da masmorra. Não pensou muito e desceu com cuidado os degraus.

O novo nível da masmorra era muito melhor cuidado que o anterior. Não havia qualquer sinal de poeira ou sujeira nas paredes; aparentava ser uma masmorra do presente, ainda em uso por quem quer que a tivesse construído. Ebenezer percorreu os túneis com cuidado, mas surpreendeu-se em encontrar todas as armadilhas desativadas, os monstros derrotados e os tesouros saqueados. Mais: espantou-se ao reconhecer neste nível o mesmo desenho do anterior; era como se ainda explorasse os mesmos túneis, apenas depois de serem esvaziados de qualquer conteúdo de interesse.

O guerreiro se acalmou com a falta de ação e, com a guarda baixa, seguiu o mesmo trajeto anterior até a câmara principal. Não se surpreendeu com o que havia lá: o cadáver do dragão abatido, já velho e apodrecido. Olhou em volta à procura do tesouro, mas não o encontrou; todo ele já fora saqueado. No entanto, reparou em um detalhe que lhe havia escapado anteriormente: uma pequena ninhada de ovos de dragão abertos. Desembainhou a espada e se aproximou com cuidado, esperando um ataque surpresa de um dos filhotes.

Nem todo cuidado do mundo, no entanto, o prepararia para o que encontrou. Ebenezer largou a espada e levou a mão à boca para segurar o vômito: dentro dos ovos quebrados estavam os restos mortais de uma dúzia de fetos dracônicos. Sem a mãe para chocá-los e alimentá-los, estavam abandonados à própria sorte antes mesmo de nascerem.

O guerreiro se ajoelhou e socou o chão repetidas vezes, deixando o sangue das mãos esfoladas misturarem-se às lágrimas que caíam dos olhos. Reunindo o tanto de determinação que ainda possuía, ergueu o rosto em prantos e olhou para o lado. Como imaginou, havia outra escadaria de mármore. Um pouco relutante, pegou a espada do chão e caminhou até ela, e então desceu os degraus para explorar o nível seguinte da masmorra.

Os túneis do terceiro nível eram de uma aparência estranha a Ebenezer. As paredes eram feitas de um metal límpido e reluzente, que refletia de forma embaçada a imagem do guerreiro quando ele as olhava diretamente; se o perguntassem, diria que estava em uma masmorra do futuro. Não demorou a reconhecer também nela o mesmo desenho dos níveis anteriores, e decidiu seguir sem interrupções o mesmo caminho em direção à câmara principal.

Mal entrou nela e foi rapidamente atacado – teve tempo apenas de se defender porcamente, levantando a espada para bloquear o adversário. Desviou de outras duas investidas antes de assumir uma postura adequada de combate, e ver o seu oponente: um esqueleto animado, com o equipamento e o porte de um guerreiro. Bloqueou outro ataque, e desta vez conseguiu desferir um contra-golpe que desequilibrou o inimigo. Com ele caído, fincou-lhe a espada com força no peito, atingindo o resto de carne que ainda havia presa entre os ossos. No entanto, ao olhar para baixo, viu algo que o fez arregalar os olhos e quase cair assustado no chão.

O esqueleto possuía, preso ao pescoço, um medalhão exatamente igual ao de Ebenezer, aquele que servia de lembrança do velho Marley. Quase por reflexo o guerreiro levou à mão ao peito, e então olhou naquela direção para confirmar o que havia encontrado: era ele, e não o esqueleto, que estava com a espada cravada na carne. Olhou novamente para cima e viu o teto da masmorra; um pouco mais ao lado, teve tempo de ver um guerreiro desconhecido retirando a arma do seu corpo, antes de tudo escurecer em um urro de dor…

***

Foi acordado de manhã pelas vozes de três crianças no beco onde adormecera na véspera. Correram assustadas ao ver o velho abrir os olhos e se levantar, mas uma delas tropeçou e caiu.

– D-desculpe! D-desculpe! Foi tudo idéia deles! Não faz nada de mau comigo, por favor!

Ebenezer podia perceber o pavor na voz; a reconheceu também como uma das crianças que pediram esmola na noite anterior. Um pouco atordoado com o que passara – havia realmente acontecido? -, atirou um saco cheio de moedas para ela, e seguiu caminhando em meio a agradecimentos aliviados.

Desde então o velho Ebenezer nunca mais foi o mesmo. Antes um aventureiro avarento e ganancioso, agora era gentil e generoso com os pedintes, e nunca mais conseguiu levantar uma arma contra uma criatura viva. Chegou mesmo a encabeçar e financiar campanhas em defesa dos direitos dos monstros de masmorras, promovendo longas cruzadas e programas de assistência e conscientização.

Ainda que tudo não passasse de um sonho, que nunca tivesse sido visitado pelo fantasma do velho companheiro e explorado as três masmorras do passado, presente e futuro, ainda assim teria para sempre consigo a memória daquela aventura de Natal, para lembrá-lo de que havia mais na vida do que os tesouros brilhantes que tão avidamente cobiçara.

RPG e Experiência

Mais um desses devaneios que surgem de conversas despretensiosas. Esse, especificamente, saiu de umas palavras que troquei com um amigo na frente da Jambô algum tempo atrás, onde estávamos falando um pouco sobre o 3D&T, que, não tento esconder, é um sistema que eu gosto bastante, talvez mesmo o meu favorito. Falávamos especificamente sobre as regras para magia, que eu vejo há algum tempo já como um redundância dentro dele – quer dizer, tecnicamente, as regras básicas já servem para realizar efeitos mágicos; basta você colocar pontos em Poder de Fogo e dizer que são mísseis mágicos, ou em Armadura e interpretar como proteção mística, e daí por diante. Independente de como tenha seguido a discussão, acho que isso pode levar a algumas divagações interessantes, não tanto sobre o próprio 3D&T quanto por outras questões que podem surgir daí.

Acredito que o grande objetivo de qualquer um ao jogar RPG seja o de ter algum tipo de experiência. Do que exatamente consiste essa experiência pode variar de pessoa para pessoa, e mesmo de momento para momento – para alguns é só passar algumas horas dando risadas com alguns amigos, para outros pode ser exercitar o pensamento lógico e estratégico, outros ainda querem exercitar dotes artísticos (sejam eles quais forem), e, claro, sempre há os que acham que o RPG pode servir para encontrar algum tipo de verdade oculta sobre o mundo e o universo. Essencialmente, no entanto, o objetivo final é simplesmente o de poder olhar para trás, pensar no tempo em que estava jogando, e dizer para si mesmo aquilo não foi tempo perdido, valeu a pena cada minuto. Isso vale não só para o RPG, claro, mas para boa parte de todo o resto que não envolva aí instintos biológicos básicos, tipo sobrevivência ou reprodução (embora às vezes e/ou para alguns possa ser mais importante que ambos) – Joseph Campbell mesmo já dizia que o que procuramos na vida não é tanto um sentido para ela como uma experiência desse sentido, e isso pode estar em um partida de RPG da mesma forma que em um culto religioso, filosofia pessoal, time de futebol, música e artes em geral, ou tudo isso junto, em momentos diferentes ou não.

Enfim, cortando toda a pseudo-filosofia, o que isso implica especificamente dentro do RPG? Que cada sistema ou jogo vai ter uma abordagem diferente sobre essa experiência, e, em geral, oferecer toda uma experiência diferente ao ser jogado. Isso não está só no cenário de jogo, personagens e roteiros que podem ser aproveitados em aventuras; está nas próprias regras de jogo dele, que fazem com que certos elementos funcionem de determinada forma, ou certas ações tenham mais ou menos chances de sucesso, e assim acabam influenciando as atitudes e escolhas dos jogadores. Não adianta ninguém aí dizer que o que vale mesmo é a interpretação ou esses chavões e frases prontas; é só lembrar daquela velha máxima que diz que, se o sistema realmente não importasse, ninguém faria alterações nele para se adequar aos seus gostos.

O exemplo clássico e óbvio é o D&D. D&D sempre foi muito mais uma experiência do que propriamente um jogo; algumas campanhas publicitárias chegam mesmo a destacar isso, convocando os possíveis interessados a conhecer a grandiosa experiência D&D, ao invés do simples e mundano jogo D&D, e D&D Experience já foi mesmo o nome de uma convenção organizada pela Wizards of the Coast. Isso também se reflete no funcionamento e mecânicas gerais dele: essencialmente, em D&D, um guerreiro funciona de forma completamente diferente de um mago, que funciona completamente diferente de um ladrão, e daí por diante; toda a experiência de jogar pode ser bastante diferente para cada um deles, pois eles possuem capacidades e funções diferentes, e mesmo certas regras podem vir a funcionar de forma diferente dependendo da classe escolhida.

Esta é, inclusive, uma das grandes questões acerca da 4º edição, pela forma como ela tenta uniformizar a experiência do jogo. Pelo que pude ver em resenhas e comentários gerais, tanto positivos como negativos, a nova edição estabeleceu quatro formas básicas de jogar, os infames roles das classes personagens, que muitas vezes definem seus poderes e habilidades mais do que o seu próprio conceito. Por um lado isso até traz algumas coisas interessantes – por exemplo, a facilidade em criar novas classes se você puder encaixá-las em um dos roles; e eu também achei interessante a forma como o Livro do Jogador consegue fechar bem toda essa experiência de jogo, estabelecendo até mesmo um objetivo a ser alcançado (ou só eu reparei que o livro sugere que a carreira de um herói deve acabar no 30º nível, de uma entre as formas sugeridas pelo seu Epic Destiny?). Por outro lado, no entanto, toda a experiência do jogo fica mais restrita e reduzida, uma vez que muitos personagens conceitualmente diferentes vão acabar funcionando de forma bem parecida em muitos aspectos; você pode até mesmo ter um mago e um arqueiro com uma habilidade rigorosamente igual, só que enquanto o primeiro dispara Mísseis Mágicos, o segundo lança uma Saraivada de Flechas, ou coisa que o valha. Não que isso seja necessariamente ruim, mas é uma mudança na forma de experimentar o jogo que nem todo mundo vê como benéfica.

O outro lado da moeda vem de jogos como GURPS ou Mutantes & Malfeitores. Aqui, não há uma experiência pronta; você monta a sua própria experiência, a partir de peças e opções previamente apresentadas. Você pode montar um personagem cheio de habilidades diversas em GURPS, ou então ir inventando formas de misturar poderes, extras e falhas no M&M, e o resultado final vai ser uma experiência de jogo completamente diferente, com personagens que funcionam de forma diferente. Fazer esse trabalho de montagem pode ser bem uma diversão auto-contida até, para quem gosta de brincar com números e pontos.

É por esse lado também que vai o 3D&T, mas de uma forma muito mais extrapolada. Pois essa é a grande virtude e, ao mesmo tempo, o grande defeito dele enquanto sistema de RPG: não há uma experiência pronta, nem mesmo peças para montar essa experiência. O que há é um sistema de jogo simples e funcional, que te deixa completamente livre para desenvolver a tua experiência em cima dele; ele te dá mínimo que tu precisa pra jogar, e deixa o resto por tua conta. O 3D&T per se, simplesmente as regras de jogo e nada mais, é realmente simplório, superficial e sem brilho – é preciso algum trabalho de imaginação para torná-lo interessante, e ver bolas de fogo onde não há uma lista de feitiços conhecidos, ou então espadas onde não há uma linha dizendo espada (dano 1d8) em qualquer lugar da ficha do personagem. Mas, uma vez que se tenha esse trabalho, a liberdade que se ganha na experiência do jogo tende a compensar.

Lembro, por exemplo, de alguém algum tempo atrás comentando que era impossível jogar campanhas longas de 3D&T, pois simplesmente não havia material de jogo suficiente para isso. Eu discordo, pelo menos da primeira parte; já consegui jogar ótimas e divertidas campanhas de 3D&T simplesmente mudando o foco da partida do ganho de experiência e desenvolvimento de habilidades para o desenvolvimento dos próprios personagens e da história da campanha. Em outras palavras, o objetivo não era pegar aquela classe de prestígio apelona, ou aprender aquele feitiço de enésimo nível; era simplesmente cumprir os objetivos estabelecidos para o personagem, seja vingar-se de quem ele queria se vingar, ou encontrar aquilo que ele estava buscando, ou qualquer outra coisa. O 3D&T, nos seus melhores momentos, é de fato um jogo para jogar sem alterações, não porque seja perfeito, mas porque as regras simplesmente não devem ser o foco da partida.

Isso não quer dizer que o 3D&T não possa ter uma experiência mais corpulenta em termos de regras, claro. Os próprios materiais para ele, até mesmo nas fontes consideradas “oficiais”,  vez por outra tentam oferecer essa possibilidade – e dá-lhe kits de personagem, Vantagens Únicas, Poderes Garantidos, Caminhos da Magia, e outras dúzias de regras extras muitas vezes mal-coladas com o resto do sistema. Eu mesmo vez por outra gosto de brincar em cima destas possibilidades, ainda que raramente pensando em usar em jogo, vide aí os maginautas, laptops místicos e poderes sombrios, entre outros. Em geral, no entanto, eu acho que o grande brilho do 3D&T está em não tornar isso necessário, mas, se tanto, uma opção; está em ter um poder psíquico funcionando da mesma forma que uma magia, e ainda assim eu conseguir ver ele no jogo como uma coisa diferente, sem precisar jogar toda uma série de dados diferentes para isso.

O que também não quer dizer que isso torne 3D&T um sistema necessariamente melhor do que todos os outros, claro. É um sistema diferente, que oferece um tipo de experiência diferente; e, em geral, a grande questão é que grupos e pessoas diferentes estão atrás de experiências diferentes. Alguns podem gostar do modelo D&D, de ter toda uma série de possibilidades prontas para serem experimentadas, enquanto outros podem preferir o modelo monte-o-seu-jogo do GURPS e Mutantes & Malfeitores. Quanto a mim, em geral depende do momento, e da companhia.

E, por fim, nada disso quer dizer também que eu deva ser levado muito a sério em qualquer destes devaneios. Não sou, nem quero ser, qualquer tipo de pretenso especialista no assunto, nem estou tentando descobrir a América ou inventar a roda; mas apenas, se tanto, divagando um pouco sobre assuntos aleatórios do meu interesse. Mas acho que seja um devaneio interessante, e que pode trazer algumas boas reflexões a respeito da experiência de jogar RPG.

Storm Dragon

51RFRg1dojL._SS500_Eu sei que algumas pessoas têm um pouco de receio ao aplicar alguns rótulos como literatura de RPG, por exemplo. Muitas vezes, aquela mania meio enciclopédica de dividir e classificar tudo pode parecer um pouco exagerada mesmo. No entanto, de vez em quando há de se dar algum valor a essas divisões, em especial quando partem do próprio público, que, já sabendo de antemão o que quer, procura especificamente por livros dentro de certos temas e formatos. Por vezes todo um mercado marginal pode se formar em torno desses públicos, o que influencia autores a escrever diretamente para eles; e é então, acredito, que talvez se possa realmente falar de uma literatura de vampiros, de lobisomens, de RPG, etc.

Um bom exemplo disso é o mercado norte-americano de literatura fantástica, onde um nicho à parte existe apenas para suprir os jogadores e fãs dos diversos mundos de campanha para Dungeons & Dragons, algumas vezes marginalizado até por outros leitores de fantasia. É uma literatura que obedece a modelos e formas próprias, tem seus próprios best-sellers e autores de destaque, e, é claro, seus próprios altos e baixos. Acredito que Storm Dragon esteja provavelmente mais no primeiro grupo do que no segundo.

Não se pode, é claro, se desligar do fato de que o livro é, sim, literatura de RPG. Não só o cenário da história é Eberron, criado para a terceira edição do D&D, como o próprio enredo dela poderia facilmente passar por uma campanha pronta, com buscas por artefatos em masmorras, combates épicos com dragões, e tudo o mais que um bom mestre de jogo colocaria para desafiar seus jogadores. Os personagens têm todos os vícios de um herói aventureiro típico, inclusive o da motivação que por vezes não passa de um não tinha nada melhor para fazer, então resolvi viver uma aventura. A própria descrição deles às vezes parece ser feita como uma ficha de personagem – você quase pode ouvir o narrador dizendo Destreza baixa, Inteligência média, Carisma alto…

Por outro lado, literatura de RPG que seja, Storm Dragon é também uma boa literatura de RPG. A história é bacana, com bons mistérios e reviravoltas, e há bons momentos de ação. Talvez tenha me faltado um conhecimento maior do cenário para aproveitá-la por completo (conheço Eberron apenas a partir de resenhas), mas a achei suficientemente divertida e bem encadeada; o ritmo lembra o de um Final Fantasy, com viagens ao redor do mundo, “chefes de fase”, e até a aquisição de um airship nos capítulos finais para dar mobilidade ao grupo. Os personagens são interessantes, mesmo os mais próximos do clichê, e conseguem fazê-lo torcer por eles (ou contra eles) – destaque para o soldado warforged, um golem senciente (pense em uma espécie de robô medieval, se não souber do que se trata), e também para o interessante changeling capaz de mudar tanto a aparência como a personalidade. Até, vá lá, o protagonista relutante da vez tem seus bons momentos, e é eficiente em criar uma identificação com o leitor (ou, ao menos, foi comigo).

Enfim, Storm Dragon é uma leitura leve e despretensiosa, que eu classificaria facilmente como literatura-pipoca, como um daqueles filmes de ação repletos de tiros e explosões. Claro, não se trata de nenhuma Bas-Lag da vida, mas seria injusto querer que todos fossem. Quem gosta de fantasia possivelmente se divirta bastante, e acredito que fãs de Eberron devam ficar satisfeitos.


Sob um céu de blues...

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