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Universos Paralelos (2)

de_leonTodos os anos, após a última rodada do campeonato, o físico quântico soltava uma bateria de fogos de artifício.

– Mas o seu time perdeu! – diziam os amigos. – Foi rebaixado! Nem chegou à final!

A todos, ele calmamente respondia:

– Ah, mas em algum universo paralelo…

A Pátria (Pendurando As) Chuteiras – ou, Futebol e Política na Nova República

chuteirasNão sei quem foi o deus indígena, santo milagreiro ou gênio marqueteiro que definiu que as eleições da Nova República Brasileira pós-ditadura militar sempre cairiam em ano de Copa do Mundo. Em todo caso, basta chegar um novo ano fatídico e ouvimos sempre os mesmo chavões: “brasileiro só quer saber de futebol,” “o futebol aliena o povo,” “se a seleção ganhar vão todos votar no [insira  a sigla do partido de situação corrente que não deve ser reeleito sob hipótese alguma, mesmo que as alternativas sejam o Sauron e o Comandante Cobra]” e etc. etc. etc. Esse ano, em especial, em virtude de tudo o que ocorreu no país desde o ano passado, tem sido um argumento especialmente recorrente – não sei quantas variações do “ninguém está torcendo mais pra essa seleção do que a Dilma” que eu já ouvi. Bem, não quero me estender demais no assunto, mas apenas resgatar alguns fatos da história esportiva e política recente do país.

Vamos descontar aqui 1994, que tinha uma série de peculiaridades – segunda eleição direta para presidente desde 1960, considerando que o eleito na anterior havia sido impedido de terminar o mandato por um escândalo de corrupção, e toda a própria questão econômica que enfim se estabilizava após um período hiperinflacionário bastante tenso. Pulemos direto para 1998, ano em que o Brasil perdeu a final da Copa para a França, em uma partida humilhante e uma atuação mais do que luxuosa do capitão adversário (um certo Zinedine Zidane), envolvendo ainda polêmicas estranhas com nossos jogadores principais (ataque epilético na véspera do jogo e coisas assim). Considerando como o povo brasileiro é alienado pelo futebol, podemos imaginar que ele certamente se sentiria ultrajado com tal atuação, e iria demonstrar a sua revolta com toda a força nas urnas no mesmo ano… Exceto que o então presidente, Fernando Henrique Cardoso, foi reeleito para um segundo mandato na provável eleição mais fácil da história brasileira, decidida ainda no primeiro turno.

Mas quatro anos depois, em 2002, a glória! Desacreditada, com duas trocas de técnico nos período anterior, a seleção passou por cima de todos os céticos e venceu a Copa do Japão e Coreia do Sul com 100% de aproveitamento. Que felicidade! O povo não poderia estar mais feliz, e com toda certeza elegeria um presidente que continuasse com tudo o que estava sendo feito de certo para garantir esse resultado… E então tivemos a eleição do opositor mais antigo do partido no poder, um certo Luís Inácio Lula da Silva, que liderou as pesquisas do início ao fim e venceu no segundo turno, mas ainda com certa facilidade.

2006 e 2010 acredito que sejam próximas o bastante para não que eu não precise recapitulá-las em detalhes, mas, resumindo, o Brasil foi eliminado em ambas nas quartas de final, saiu da Copa desacreditado pela população, e tivemos eleitos presidentes que garantiam a continuidade política – o próprio Lula reeleito em 2006, a Dilma escolhida por ele como sucessora em 2010. Percebem uma tendência aqui?

Se seguirmos a lógica, me parece que o mais adequado para Dilma seria torcer contra a seleção nesta Copa… Mas vou confessar que não acredito que faça diferença, realmente. Pelo menos a minha visão empírica é a de que a seleção perdeu há muito o poder de influir na política nacional. É inegável que ela já teve essa capacidade – 1970 não faz tanto tempo assim -, mas hoje? Do tricampeonato ao tetra tivemos cinco Copas perdidas, pelo menos três delas ainda em período autoritário, e o regime ainda foi capaz de escolher como queria terminar, em uma eleição indireta para escolher o primeiro presidente civil em vinte anos.

Não sei se sou capaz realmente de diagnosticar as razões disso, a bem da verdade. Talvez seja um esgotamento natural, depois de 1970 e os anos seguintes sem muitas vitórias, que levou as pessoas a perceberem que uma coisa não tem nada a ver com a outra de verdade. Ou talvez seja o afastamento gradual da seleção das suas bases populares, com o crescimento geométrico dos ganhos dos jogadores e as suas carreiras cada vez mais associadas a times de outros países. Mas, na eventualidade de a seleção realmente ganhar a Copa, alguém consegue realmente imaginar que uma campanha baseada em “a Dilma nos deu a Copa, votem nela” seria levada a sério?

E não que eu não veja, é claro, o futebol em si como capaz de exercer influência política; apenas não é mais na seleção que este poder está, mas muito mais nos clubes. E é uma influência muito mais direta, na verdade (e por isso mesmo, talvez, mais perigosa): basta ver nomes como o de Marques, segundo deputado estadual mais votado em Minas Gerais nas últimas eleições para o cargo, ou Danrlei, quarto deputado federal mais votado no Rio Grande do Sul no mesmo ano, ambos fortemente associados aos clubes que defenderam, e sem uma plataforma de campanha que fosse muito além disso e os chavões sobre atuar com garra e determinação e fazendo o que o professor mandar. E mesmo antes deles, em tantos Paulos Odones e Euricos Mirandas que fizeram suas carreiras políticas em cima deste mote.

Enfim, não quero realmente fazer uma tese aqui, mas apenas encadear alguns fatos. É muito fácil concluir que o povo brasileiro é alienado e só quer saber de futebol, mas cavando um pouco mais profundamente pode-se ver que a coisa é mais complicada que isso, e que é preciso fugir de uma conclusão tão simplista para entender realmente o que há nesta relação.

A “magia” do futebol brasileiro

jogadoresrajaagradecemapSabe, acho que esse fiasco todo do Atlético Mineiro, aquele mesmo onde atualmente joga o tal-que-não-deve-ser-nomeado, no Mundial de Clubes da FIFA, revela muito sobre o futebol brasileiro. Quando foi o Bayern de Munique enfrentar o mesmo Raja Casablanca esse fim de semana, o resultado não podia ser mais óbvio: uma vitória direta, ao natural, sem exageros ou pelancas sobrando. Já na disputa do terceiro lugar, por muito pouco o vexame final não foi ainda maior…

Acho curioso notar isso, que a meu ver advém, mais do que de um mero Sobrenatural de Almeida rondando o clube, de uma própria postura diferente que os jogadores do clube europeu parecem ter sobre o seu ofício. Já teci antes as minhas linhas sobre aquilo que chamei de a cultura do deus ex machina no futebol brasileiro; aquela espécie de pensamento futebolístico mágico, de que o jogo não é resolvido pelo trabalho de um grupo de profissionais (muito) bem pagos, mas por uma virada sobrenatural súbita que garantirá que o destino manifesto do time irá a qualquer momento se concretizar.

Você pode ver isso em uma dúzia de situações. Aqui no sul do Brasil mesmo, temos uma outra equipe cujo nome não deve ser citado que todo ano entra como favorita nas principais competições nacionais e internacionais. Na vez mais recente, por muito pouco escapou de um rebaixamento vexatório na última rodada. Mas, vendo as colunas da imprensa, vendo a atitude dos torcedores, a qualquer momento a virada começaria – afinal, com um time de jogadores tão experientes, tão tarimbados e reconhecidos e convocados para as seleções de seus países, não poderia ser diferente, certo? O resultado final já está garantido, e o caminho até lá é só um detalhe.

Não sei bem se é a distância, o fato de não encarar os torcedores cara a cara todo o dia, mas acho difícil de ver uma postura assim em equipes de outros países. Claro, zebras eventuais acontecem, mas você não vê os jogadores trocando passes para os lados, recuando a bola indefinidamente, por saberem que o gol da vitória virá magicamente a qualquer momento. Há uma cultura da objetividade: eu realmente preciso passar pelo meio, e garantir cada resultado, antes de chegar ao final. Não é a mágica dos deuses do futebol que irá garantir isso.

Acho que a única equipe brasileira que me pareceu ter uma postura semelhante foi o Cruzeiro deste ano, que não por acaso conquistou o campeonato com uma margem tão absurda de diferença para os demais. Era uma equipe que entrava em campo de fato com uma postura de quem quer ganhar, e não de quem ganhou. Não é à toa que teve uma sequência tão grande de goleadas sobre diversos adversários, enquanto outros, tão tarimbados e, ahem, grandes que eram, na verdade sofriam as suas para os times já rebaixados.

É uma postura de fato profissional, de encarar com seriedade o ofício de entrar em campo e jogar. Muito se fala do futebol brasileiro “alegre,” “mágico” e tudo mais, e há o seu valor nisso, mas esse é também um ponto em que o paradigma acaba sendo de fato bastante negativo. Acho que foi o Hilário Franco Jr., no seu excelente livro A Dança dos Deuses, sobre a história do futebol, que me chamou a atenção para um certo fato: os jogadores brasileiros são praticamente os únicos reconhecidos pelos seus nomes e apelidos, e não pelos sobrenomes. Nenhum narrador chama o Ibrahimovic de Zlatan, e nem é esse o nome que está escrito na sua camisa; mas o que dizer de Robinho, Ronaldinho, Hulk?

Pode parecer bobagem, mas é um indicativo de um paradigma muito enraizado na nossa cultura esportiva, e que tem o tipo de consequência que se viu nestes jogos no Marrocos. E muitas mais, na verdade: o desdém com que iniciativas como o Bom Senso FC tem sido encarados é também um reflexo muito forte disso. Se na Europa um caso famoso como o de Jean-Marc Bosman mudou completamente a relação entre clubes e jogadores, por aqui ainda é muito forte a idéia de que os atletas não são mais do que crianças crescidas, que devem ser isoladas do mundo e guiadas com carinho pelos sábios técnicos e cartolas, que passam a mão na sua cabeça e dizem que tudo vai ficar bem frente a qualquer contratempo.

Mas isso também já daria todo um outro texto.

Velhos novos Ronaldinhos

BrunoLi esses dias uma reportagem sobre outro Bruno, esse ex-jogador do Grêmio, que era apontado na época em que se profissionalizou como um “novo Ronaldinho.” Guardada todas as bobagens que uma comparação dessas pode indicar, na época parecia mesmo algo plausível. Bruno não era só um destaque na base do Grêmio, mas tinha sido o principal jogador de todas as seleções de base que tinha participado. Até que, aos quinze anos, antes de assinar o primeiro contrato profissional com o clube, recebeu uma proposta milionária para trocar o Brasil pela Inglaterra.

O caso me marcou porque foi um que eu acompanhei de perto, sendo gremista e xará, em todas as suas fases. Lembro do bafafá da imprensa, a dúvida se ele ficaria no clube, a estréia promissora… E a decepção posterior. Achei curioso descobrir que ele não tenha sequer deixado o futebol depois disso, e seguido ainda por mais de uma década ganhando a vida em times menores.

Acho que é meio que um caso emblemático daquilo que o Nick Hornby chama de o “mundo paralelo” do futebol. Sendo obrigados a atravessar esse portal narniano desde cedo, acabam entrando para um mundo estranho, com regras diferentes, mas sem um leão-Deus bondoso confiável para guiar o seu caminho. Falo do que vejo em primeira mão mesmo: sou professor de uma escola de periferia, e agora mesmo tenho casos de alunos que pediram licença das aulas para fazer testes em clubes do interior do estado. Outras tantas histórias correm de ex-alunos que de fato passaram a integrar as categorias de base desses clubes, seus irmãos que tem o mesmo objetivo de vida, e mesmo um ou outro parente de um jogador mais famoso.

Filho da da classe média que sou, é um universo que me parecia muito distante, até eu me ver confrontado diretamente com ele. É difícil imaginar que muitos deles sejam melhor preparados psicologicamente do que o Bruno foi. São garotos de quinze, quatorze, treze anos. São raros os Neymares, que tem uma operação quase militar de blindagem organizada pelo próprio pai com o objetivo de protegê-lo desse fim.

E a realidade é que os problemas que isso causam até extrapolam a questão social, e atingem o futebol propriamente dito. Pensem naquele chavão todo que fala da “entressafra” do futebol brasileiro (ainda que eu pessoalmente tenha ojeriza por usar esse termo ao se referir a seres humanos, como se eles fossem meros produtos / coisas), com o fato de, Neymar à parte, os jogadores atuais não serem tão bons quanto foram em décadas anteriores. Então pensem que Bruno tem ainda 29 anos. Não teria nem direito a passe livre antes da Lei Pelé. Tivesse vingado a sua promessa, poderia muito bem estar ainda no auge da carreira – e que diferença não faria ter um “novo Ronaldinho” no auge para a própria seleção brasileira?

E quantos novos Ronaldinhos, Kakás, Robinhos e etc. não devem ter sido perdidos de forma semelhante?

Bola Cantada

60-ferreyra– Vai ser 1 a 1. – ele cantou a bola logo que um time fez um gol. – To sentindo isso.

O que ele não esperava, é claro, é que o simples fato de ele pronunciar aquelas palavras levasse a uma reação em cadeia quântica. A vibração das ondas de som da sua voz mudou a direção de neutrinos e modificou a disposição dos quarks de elétrons que compunham os átomos do ar diretamente à sua frente. Esta mudança foi transmitida em cadeia em uma velocidade próxima à da luz para outros neutrinos, quarks e elétrons, até chegar ao campo do jogo.

Lá, em uma única folha do gramado, logo à frente da área do outro time, ela levou a uma mínima mudança no atrito da sua superfície. Foi o suficiente: o atacante que havia acabado de receber a bola e driblara o goleiro, e estava agora de frente para o gol vazio, escorregou exatamente naquela folha, perdendo a oportunidade de marcar o gol que levaria ao resultado previsto.

Futebol-Arte (marcial)

Por ser gremista, gaúcho e admirador do futebol do Felipão e do Eduardo Costa, muitos às vezes pensam que eu sou um defensor do dito “futebol-força”, aquele que olha feio pra bola e, ao invés de pedir com jeitinho, praticamente intimida ela até o gol adversário. Sabe como é, aquela filosofia anti-bailarinos da bola, tão bem enunciada na famosa frase que abre o ensaio brilhante do Eduardo “Peninha” Bueno sobre o imortal: futebol-arte, todo mundo sabe, é coisa de veado. (E este é o único trabalho dele, aliás, que realmente merece esse adjetivo).

Por mais que não seja uma inverdade completa, cabe aqui, como de praxe, alguns poréns. Cito outro grande texto sobre o esporte, agora do inglês Nick Hornby: Fever Pitch, lançado aqui no Brasil como Febre de Bola. O livro é uma espécie de auto-biografia dele como torcedor fanático, até o ponto do hooliganismo mesmo, do Arsenal Football Club, uma das principais equipes da Inglaterra. Quem já leu algum dos meus outros textos de futebol por aqui sabe que eu não me canso de citar ele, porque, pra mim ele, é de longe o melhor livro que aborda o futebol do ponto de vista de quem realmente o faz ter o tamanho que tem: o torcedor.

Tem uma passagem muito interessante nesse livro, em que ele comenta uma frase de um técnico inglês da década de 1980, Alan Durban, que, após um jogo especialmente entediaste, teria dito: se você quer entretenimento, vá assistir palhaços. Citando o livro diretamente, em tradução minha (já que só tenho a edição importada):

De minha parte, eu sou um fã do Arsenal primeiro e um fã de futebol segundo (e, sim, eu conheço todas as piadas). Eu jamais conseguirei admirar um gol de Gazza, e existem inúmeras outras situações similares. Mas eu sei o quão divertido o futebol é, e realmente adorei as relativamente poucas vezes em que o Arsenal conseguiu produzir isso; e quando outros times que não estão competindo com o Arsenal de qualquer forma jogam com graça e imaginação, eu posso apreciar isso, também. (…) Reclamar de futebol chato é um pouco como reclamar do final triste de Rei Lear:  é perder completamente o ponto, e isso é o que Alan Durban entendia tão bem (…).

Acho que o ponto fica bem claro aí. Gosto de futebol, mas gosto muito mais do Grêmio. Isso não significa que eu não goste de futebol bonito. Não é que eu não goste de dribles desconcertastes e gols de placa. Mas não é pra isso que eu acompanho os campeonatos. Já discuti em outro momento sobre o que eu acredito que o esporte realmente representa, e que passa bem longe de qualquer definição parecida com “espetáculo.” Mas isso não quer dizer que eu simplesmente execre quando ele seja algo próximo disso, e consegue de fato entreter ao mesmo tempo em que cumpre o que eu realmente espero dele.

Em outras palavras, por mais que eu respeite a técnica de um D’Alessandro ou Damião, eu nunca vou conseguir torcer por eles. Nunca vou aplaudir um gol deles, por mais bonito e espetacular que seja, muito menos se for em um Gre-Nal. Mas posso sim apreciar o futebol de um Barcelona – em especial quando estamos falando de um time que, mais do que dar toquinhos pro lado e dribles no meio-campo, e graças principalmente à presença de um Messi que, talentoso como é, usa esse talento com objetividade e pragmatismo, sabe procurar aquilo que o torcedor de fato quer : o gol, e, no médio prazo, a vitória. Ao mesmo tempo, consigo apreciar as retrancas que a Inter de Milão e o Chelsea fizeram pra vencê-lo – principalmente porque fizeram ela muito bem. E se algum dia, por acaso, ele estiver frente a frente com o Grêmio… Sinto muito, espetáculo, mas eu estou do lado da retranca.

No fundo, é isso. Não é que eu não goste de um futebol bem jogado, que faça quinze gols em quatro jogos, ou qualquer coisa assim. Eu gosto, e adoro quando o Grêmio faz algo parecido. Mas eu também adoro quando ele ganha de 1 a 0 com gol de bola parada aos quarenta do segundo tempo. Ganhar jogando bem é ótimo, mas ganhar jogando mal não é tão ruim assim. Dependendo da situação, pode ser até mais emocionante e empolgante pro torcedor, além de muito mais catártico. Um chocolate com a torcida gritando olé durante metade do segundo tempo é muito bonito, sim, e eu gosto. Mas uma retranca bem armada também pode ser bonita demais nos seus próprios termos.


Sob um céu de blues...

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