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The Star Wars / A Fortaleza Escondida

the star warsRecentemente a nerdosfera entrou em polvorosa com o lançamento do trailer do sétimo episódio de Guerra nas Estrelas (ou, para quem prefere se manter fiel as determinações marquetícias, Star Wars). Claymores de luz à parte, no momento em que a saga se volta (finalmente, diga-se) para o futuro, talvez seja uma oportunidade bacana para voltar ao passado dela, e conhecer um pouco das guerras estelares que nunca tivemos.

Estou falando especificamente de The Star Wars, uma série de quadrinhos de 2013 que faz uma adaptação dos primeiros rascunhos de George Lucas para o seu famoso universo. Trata-se de uma história bastante diferente da que viemos a conhecer e amar: Luke Skywalker não era ainda um garoto de fazenda que sonhava em pilotar uma X-Wing contra o Império, mas um general veterano protegendo o legado dos jedi e muito mais; Han Solo, no lugar de um contrabandista e mercenário, era um soldado veterano bombado e, er, verde; e há mesmo a presença de um certo Annikin Starkiller, um aprendiz jedi (ou padawan, como preferir) sob a tutela de Luke.

As diferenças, é claro, vão muito além do que a situação de apenas alguns personagens. O que primeiro chama a atenção é quando você vê um certo robô com aparência de lata de lixo se comunicar com palavras, ao invés de assobios. Mas logo você perceberá também que sabres de luz não parecem ser exclusividade de jedi ou sith – você o vê na mão de praticamente todos os stormtroopers genéricos pelo caminho. A própria Força é também menos evidente: não parece haver muitos deus ex machinas associados, e ela surge mais como uma citação semi-religiosa recorrente à “Força dos Outros.”

Os artistas também aproveitaram para incluir algumas referências mais específicas, como no design de C3PO, que se antes já era claramente inspirado no clássico Metrópolis de Fritz Lang, agora passou a ser escancaradamente inspirado. E a nova (velha?) aparência de Luke Skywalker, com barba e topete grisalhos, também lembra de forma muito suspeita o próprio George Lucas, dando a ele um ar de Mary Sue muito curioso.

O roteiro em si parte de uma premissa semelhante daquele que ficou conhecido como Uma Nova Esperança, o primeiro filme da saga – ainda temos uma princesa em perigo que deve recorrer a um velho jedi e seu recém aceito aprendiz para combater um Império personificado em uma estação espacial do tamanho de uma lua. Isso acontece porque, em realidade, ele ainda se inspira na mesma fonte, do qual falarei com mais detalhes um pouco mais adiante. Muitos dos pormenores, no entanto, bem como os próprios personagens, diferem bastante: o resgate de Leia na “Estrela da Morte,” por exemplo, aqui é o desfecho, e não o começo; o sub-enredo romântico da princesa com o aprendiz jedi é muito mais evidente; e os droides possuem um papel de fato muito reduzido em evoluir o enredo. Aliás, em alguns momentos ele chega mesmo a lembrar mais Spaceballs / Tem Um Louco Solto no Espaço, a paródia de Mel Brooks da série, o que me fez pensar se ele não teve de alguma forma acesso a esse roteiro quando a estava escrevendo…

Não vou dizer que não seja uma história legal, que diverte e possui alguns bons méritos próprios. Mas, com o desenvolvimento dos quadrinhos, me pareceu sim que ela não teria a mesma força da história que conhecemos. Ainda que seja interessante da sua própria forma, o arrogante Annikin Starkiller não é um protagonista tão empático quanto o jovem Luke Skywalker, que com a sua história de garoto comum elevado a herói da galáxia cativou com grande força o público jovem da sua época e além. Momentos marcantes como a morte de Obi-wan Kenobi fazem falta, ainda que hajam algumas tentativas de substituí-la, e mesmo os antagonistas aqui também não possuem o mesmo carisma dos que conhecemos no cinema, a começar pelo próprio Darth Vader convertido em mero general imperial. Não é uma história ruim, enfim, mas acredito que as mudanças realizadas realmente a tornaram mais empolgante e interessante.

fortalezza escondidaO que mais chama atenção, no entanto, é quando comparamos este roteiro com o de outra história, esta mais antiga e referência confessa do próprio George Lucas: o filme A Fortaleza Escondida, de Akira Kurosawa, que recentemente foi relançado em uma Edição Definitiva pela Versátil. Se as semelhanças já eram bastante visíveis no próprio filme original – na história da princesa escoltada por um guerreiro veterano e companheiros por entre as linhas inimigas, ou na dupla de personagens de nível mais baixo (droides ou ladrões) de cujo ponto de vista a trama é contada -, elas acabam ficando bem mais evidentes nesta versão do roteiro. É mais fácil traçar um paralelo entre os generais Luke Skywalker e Makabe Rokurota do que era entre o segundo e Obi-wan Kenobi, por exemplo; além de que de fato há uma fortaleza escondida com função e destino muito semelhantes aos do filme de Kurosawa. Certas cenas e reviravoltas do roteiro – como a virada de casaca de um certo inimigo no ato final, permitindo que os heróis saiam vitoriosos – também lembram muito as da versão com samurais, e a impressão final que fica é que Lucas apenas partiu do roteiro de Kurosawa e começou a adicionar personagens, a começar por um protagonista masculino jovem com quem certa parte do público poderia se identificar.

Claro, há muito mais no filme de Kurosawa do que apenas uma versão inicial do que viria a ser uma das maiores sagas de ficção da nossa época. Trata-se de uma aventura muito bem dirigida e envolvente, que consegue combinar momentos divertidos e tensos de uma forma bastante satisfatória, como tantos blockbusters de hoje em dia tentam fazer e nem sempre conseguem. É um filme muito recomendado para quem gosta da temática samurai, ou apenas quer um filme interessante para passar o tempo numa tarde de sábado. Mas, consciente de que há uma parcela do público que se interessaria pelo filme apenas por isso, a nova edição contém comentários do próprio George Lucas, falando da relação do filme com o seu universo mais famoso.

The Star Wars, enfim, é uma curiosidade muito interessante para os fãs da saga, um retrato da história que poderia ter sido mas nunca teve a oportunidade de virar uma trilogia e angariar milhões de dólares em merchandising. E A Fortaleza Escondida, além de ter o mesmo valor para os fãs de Star Wars, ainda vale muito para fãs de cinema de maneira geral, e da história do Japão dos samurais em particular.

Trechos

Trechos de coisas aleatórias que eu tenho feito, mas não tenho conseguido me empolgar pra terminar/publicar. Às vezes pondo aqui e tendo algum feedback (hahah) eu me animo, vai saber.

1.

Em um manto de pura escuridão
Vem a mim
A dama da morte.

 Kaneda Shimaru tossiu e levou a mão à boca para proteger o caderno de haiku. Estava ajoelhado, vestindo um quimono simples. Olhou por um instante para a própria mão e a limpou com um pano de seda, então o dobrou com cuidado e colocou o tecido branco coberto de manchas vermelhas sobre o chão. Uma contração na orelha esquerda, arredondada na base e pontuda como uma folha, o fez levantar o olhar instantes antes de a porta de entrada para o quarto se abrir.

Samurai!

A voz pertencia a uma moça jovem de rosto delicado e olhar suplicante. Cobria o corpo com um vestido fino de tecidos escuros. Ao perceber o olhar do elfo, tocou no par de tiras que o prendiam nos ombros, soltando-as e deixando-o cair sobre o chão.

Kaneda se levantou. A moça se aproximou devagar, deixando o vestido para trás, como se convidasse o samurai a observar o seu corpo se mover ao caminhar. Próxima o bastante, virou o rosto para cima e o encarou em um pedido sem palavras, os lábios tremendo em antecipação.

Um corte na respiração e os olhos arregalados revelaram o espanto. Kaneda havia atravessado o seu ventre com a espada, deixando o sangue respingar sobre o chão. Um movimento para retirá-la e o corpo inerte da jovem desabava em um baque surdo.

Quase ao mesmo tempo uma porta lateral se abriu, revelando uma elfa de cabelos púrpuras em uma armadura delicada segurando uma jovem pelo rosto e cobrindo a sua boca com a mão. Ao lado, outro samurai em armadura completa também observava o ocorrido.

– O quê…? – disse a jovem assim que a boca foi descoberta.

Kunoichi. – respondeu Kaneda. – Um beijo dela arderia com algo mais do que paixão.

Olhou para a espada e viu o sangue escuro borbulhando como ácido. No chão, a pele da jovem começava a derreter, revelando o desenho intrincado de veias e artérias.

– Vamos. Temos que sair daqui.

O elfo limpou a espada com um movimento, e os quatro seguiram em silêncio pelo corredor e para fora da estalagem. Buscaram seus cavalos no estábulo e então partiram na escuridão da noite.

2.

Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuu! – um uivo distante ecoava pela noite, atravessando becos e ruelas estreitas. A ele se juntava o som de pés correndo sobre poças d’água – tap, tap, tap -, enquanto uma jovem surgia da escuridão, dobrava uma esquina e seguia adiante em velocidade. Um par de seios volumosos balançava a cada passada, pouco ocultos sob a camisa branca molhada pela chuva; no rosto, a pele escura se contorcia para manter a boca aberta, ofegante, e os olhos arregalados.

Atrás dela vinha um grande morcego, os olhos vermelhos brilhando na escuridão, voando um par de metros acima do chão. A moça corria, mas ele era mais rápido: logo já estava sobre ela, a apenas uma batida de asas de tocá-la com suas presas. Ao se virar e vê-lo tão próximo, a jovem se desequilibrou e caiu sentada no chão.

O morcego diminuiu a velocidade e se aproximou, se deixando envolver por uma névoa púrpura. Por trás dela era possível ver a sua sombra mudando de forma, as patas se alongando, as asas afinando; quando a névoa se dissipou não era um morcego que revelava, mas um homem alto e magro, com o porte de um nobre, envolto por uma capa negra com gola alta. Seu rosto era redondo e pálido, coberto de rugas e outras marcas da idade, com olhos vermelhos brilhantes e um sorriso largo que deixava a mostra um par de caninos longos e afiados.

Caminhou vagarosamente até a moça, como que saboreando cada segundo, deixando seus passos ressoarem pela rua. Ela tremia e o fitava com pavor; ele salivava enquanto respirava, sentindo o aroma do medo. Quando chegou perto o bastante, esticou o braço para agarrá-la, ao mesmo tempo em que abria a boca e posicionava o rosto para aproximá-lo do pescoço. Já podia quase sentir a textura da sua pele, os dedos escorregando no suor, quando foi subitamente atingido por um spray de gás amarelado.

O vampiro recuou e levou as mãos aos olhos, que ardiam e lacrimejavam. A jovem se levantou, largando a lata do spray no chão, e acertou um chute entre as pernas, fazendo-o se encolher; em seguida, se colocou em posição de defesa, os punhos erguidos em frente ao peito, então o agarrou pelo braço e o torceu para trás, forçando-o contra as costas.

– Quem é que tá com medo agora, hein? Seu velho tarado! Filho da p… – o vampiro não terminou de ouvir, pois já se deixava cobrir novamente pela névoa púrpura e voltava à forma de morcego, se libertando da captora e voando em direção ao luar.

Seguiu em uma trajetória irregular, ainda atordoado pelo efeito do gás, se batendo entre telhados e paredes altas, sobrevoando a cidade até uma velha mansão na beira de um penhasco. Entrou por uma janela aberta no andar mais alto, percorreu corredores parcamente iluminados por velas em candelabros, desceu um par de escadarias até os andares mais baixos, e enfim chegou a um grande salão, onde se converteu novamente em homem e se deixou cair sobre uma poltrona estofada.

3.

Podemos incluir a ficção científica, ou FC, em uma visão semelhante, embora voltada para o tempo oposto – o futuro. Grosso modo, podemos dizer que ela expressa o imaginário científico de uma determinada época. É possível buscar suas raízes desde o gênero das histórias gregas das “ilhas bem-aventuradas”, passando por obras renascentistas de cunho social, que poderiam ser interpretadas, de certa forma, como exercícios de ficção científica social, muitas vezes consideradas como obras de “proto-FC.” É a partir do século XIX, no entanto, especialmente com nomes como Júlio Verne e H. G. Wells que a ficção científica passa a tomar suas formas mais contemporâneas, tendo como característica principal “uma extrapolação dos efeitos humanos de uma ciência extrapolada (…).”

Nesta visão extrapolada da ciência, predominou durante algum tempo uma espécie de otimismo positivista no progresso do conhecimento. Tal otimismo, é claro, está relacionado ao próprio contexto do período, o chamado “século da ciência,” onde havia de fato uma crença em uma evolução contínua da humanidade e da tecnologia. Mesmo autores que possuíam visões menos brilhantes, como o britânico H. G. Wells, aquiesciam de certa forma a estes paradigmas, e mesmo que obras como A Máquina do Tempo apresentassem prognósticos bastante sombrios para o futuro último da humanidade, em última instância havia, ainda, uma crença subjacente na própria ciência e na tecnologia.

Isso passou a mudar, no entanto, a partir das décadas de 30 e 40 do século XX, quando passou a predominar na FC ocidental uma visão pessimista e apocalíptica do progresso científico. Sobre esta mudança de comportamento, destacou Muniz Sodré:

A I Guerra Mundial veio a marcar uma nova etapa da história da catástrofe humana: a partir daí, a capacidade técnica, que implica na capacidade de desgastar o inimigo, predomina sobre o engenho estratégico dos generais. A mais-valia operária canaliza-se para a empresa da morte. A indústria, as fábricas, passam à vanguarda das batalhas. Os cientistas aplicam em experiências com gases, petardos e bactérias mortais. A II Grande Guerra confirma a tendência: guerra, técnica e capital são agora a mesma coisa. Na fronteira polonesa, em 39, a carga quixotesca de cavaleiros armados de sabres e fuzis contra os blindados de Hitler oferece uma imagem do choque de dois tempos (…)
Por sua vez, o progresso técnico (e o progresso científico) associa-se estreitamente à empresa da guerra, já que o Estado tecnicamente mais forte é o mais poderoso no campo das armas.

A partir de então, passa a proliferar, na FC, visões distópicas sobre o futuro, especialmente no ocidente capitalista. É o uso da ciência na guerra que causa essa mudança no imaginário científico, tornando comum temas como o cataclisma nuclear e as mutações em seres vivos geradas por radiação.

4.

O mesmo golpe. Dizem que um golpe não funciona duas vezes contra o mesmo cavaleiro. A partir do 2º nível, toda vez que for atacado com um talento, habilidade de classe, habilidade especial ou magia com que já foi atacado antes pelo mesmo oponente, o cavaleiro recebe um bônus de +1 na CA e +2 em quaisquer testes de resistência necessários.

Esse bônus aumenta para +2/+4 no 10º nível, e +3/+6 no 18º nível.

47 Ronin

47 roninA historia, real, é uma das mais conhecidas do folclore japonês: no começo do século XVIII, inconformados com a sentença injusta que forçou seu mestre, Lorde Asano da província de Ako, a cometer seppukku, o suicídio ritual, 47 de seus samurai, agora convertidos em ronin (samurai sem mestre), planejaram e realizaram uma vingança sangrenta contra o seu inimigo, o Lorde Kira, cujas maquinações haviam colocado-os em desgraça em primeiro lugar. Imortalizada desde então em um sem número de pinturas, poemas, romances, peças de teatro e, mais recentemente, filmes, ela chega agora com toques ocidentalizados pelas mãos do diretor Carl Erik Rinsch e com Keanu Reeves, o próprio Neo, no papel principal.

Assim, logo na primeira cena somos transportados via Google Earth para um Japão mítico e fantasioso, onde se fala inglês com sotaque ao invés de japonês, e onde Reeves pode se passar por meio oriental. Lá descobrimos como um jovem garoto mestiço, fugindo de uma floresta sobrenatural habitada por demônios tengu, é salvo pelo Lorde Asano de ser morto por um de seus samurai. Corta então para o seu crescimento na província, o seu conhecimento das coisas da floresta, o amor proibido pela filha do seu senhor… Enfim, você pode imaginar.

O jovem, que recebe o nome de Kai, acaba se tornando o centro daquilo que o filme tenta possuir de original em relação às suas versões anteriores, que é o uso da mitologia e fantasia para criar um blockbuster épico nos moldes ocidentais, à lá Piratas do Caribe ou O Senhor dos Aneis. Surpreendentemente, a saga original até que foi razoavelmente bem respeitada (ou pelo menos mais do que eu esperava), com a presença dos seus elementos fundamentais em meio a algumas adaptações, incluindo, é claro, o seu final trágico inevitável. O figurino também ficou bastante bonito, abusando de cores fortes mas sem cair na caricatura (bem, com exceção da maquiagem de alguns figurantes), e de maneira geral ele se segura bem em aspectos mais técnicos.

No entanto, há uma certa hesitação entre a novidade e o tradicional que prejudica o resultado final. Enquanto os mais tradicionalistas certamente gostariam de ver uma adaptação mais fiel da lenda, eu não me incomodaria tanto se o lado fantástico fosse abraçado com mais vigor. Há monstros bem imaginados, que poderiam ter uma presença mais marcante, além de figuras proeminentes nos pôsteres e trailers que no final das contas acabam tendo uma participação de fato pífia no roteiro. Uma pegada mais próxima de um Tenra Bansho Zero, com seus samuraimecha e monstros conjurados, teria me agradado mais pessoalmente.

O elo mais fraco do filme, no entanto, se encontra justamente nos seus dois nomes mais conhecidos do elenco. Rinko Kikuchi tem uma atuação fraca e afetada como a bruxa má do extremo-oriente, bem longe do carisma da Mako Mori de Círculo de Fogo. E Reeves, bem, é o Reeves de sempre, com sua atuação mono-expressiva, adicionada ainda à total dissonância da sua presença em um elenco totalmente composto, exceto por ele, por nomes orientais. Há lá a desculpa esfarrapada, até bem aproveitada para construção de conflitos, de que ele é um mestiço em meio aos xenófobos locais, mas de maneira geral você sente que o filme faz muito mais sentido quando a ação foca em Hiroyuki Sanada como o líder do bando de ronin.

No fim das contas, 47 Ronin até que não é um filme tão ruim quanto os trailers anunciavam. Para quem já sobreviveu a coisas como a refilmagem de Fúria de Titãs e outras esquizofrenias inspiradas na mitologia grega, até que parece um pequeno sopro de originalidade nas inspirações e referências Hollywoodianas. Quem quiser uma versão mais bem acabada e fiel da lenda, a dica mesmo é procurar o box de DVDs lançado pela Versátil, com as três versões mais famosas para o cinema, todas de diretores japoneses; já para quem quer apenas um épico genérico para comer pipoca, ele até que vale um ingresso de meia-entrada sim.

Os Sete Rebeldes

killApesar do nome, não é Os Sete Samurais o filme de Akira Kurosawa com que este mais se parece. O título em português de Os Sete Rebeldes, apesar de ter um sentido dentro do do seu enredo, não é exatamente uma tradução fiel ao original, Kiru! (que por sua vez já é uma niponização da palavra inglesa Kill! – “Mate!“). No entanto, ele é de fato baseado no mesmo conto do autor japonês Shuguro Yamamoto que inspirou outro clássico do maior diretor japonês, Sanjuro.

Como no filme estrelado por Toshiro Mifune, o centro do enredo é um grupo de rebeldes que desconfia da honestidade do senhor do seu feudo e decide levantar armas contra ele. Por trás da sua atitude, no entanto, se esconde uma conspiração um bocado mais complicada, e eventualmente o grupo se vê preso em uma fortaleza na montanha, contando os dias até que o exército inimigo os massacre ou que a cavalaria salvadora enviada pelo governo central os salve.

No meio disso, se envolvem no conflito dois ronin, ou guerreiros sem mestre: Hanji, um camponês de força descomunal que vendeu as terras para comprar uma espada e perseguir o sonho de se tornar samurai; e Genta, um ex-samurai que, conhecendo as contradições e hipocrisias da classe, parece querer mesmo é ser apenas um mero camponês. Se encontrando por acaso ao chegar no feudo e desenvolvendo uma empatia instantânea, ambos acabam em lados opostos da batalha, e terminarão por ter um papel fundamental na sua resolução.

A história toda se desenvolve com um tom muito mais leve e pop do que o filme de Kurosawa, a bem da verdade. Há humor, cortes ousados de câmera e até mesmo uma trilha sonora de instrumentos elétricos. Fãs do diretor Quentin Tarantino provavelmente reconhecerão um bocado da estética, e não exatamente sem razão – ambos bebem aos litros da mesma fonte, os western spaghetti italianos, devolvendo a inspiração que os filmes de samurai clássicos tiveram sobre os próprios cineastas europeus.

O resultado é uma experiência muito divertida, em especial para quem gosta do tema de batalhas de espada e guerreiros acima da vida. O filme é um dos seis presentes na caixa de DVDs Cinema Samurai, da Versátil Home Video, que tem lançado um bocado de filmes japoneses no mercado recentemente – além deste, há a caixa da cine-série O Lobo Solitário, inspirado no famoso mangá, além da trilogia de filmes sobre Miyamoto Musashi adaptadas do romance de Eiji Yoshikawa e outra com três versões diferentes da história dos 47 Ronin (sim, aquela mesma que está pra ganhar uma quarta versão com o Keanu Reeves e robôs…). Recomendo bastante para os interessados que só conheçam Samurai X e outras figuras animadas que tenham a oportunidade de ver alguns clássicos do verdadeiro cinema de samurai.

Samurai, iaiaiai…

Sabe, eu adorava a cultura japonesa. Ninjas, samurai, e todo o resto. Mas aí conheci essa música, e agora não posso mais ouvir a palavra samurai sem sair cantando…

Blood & Honor

blooshonorBlood & Honor é o novo RPG de samurai de John Wick, publicado em português pela RedBox Editora. Se você não sabe o que isso significa, bem… É só lembrar que ele foi um dos criadores do mundo de Rokugan, o provável cenário de fantasia oriental mais famoso do mundo, onde se passam as histórias do jogo de cartas colecionáveis e RPG Legend of the Five Rings (e que eu, *ahem*, cometi uma adaptação pra 3D&T algum tempo atrás). Não se trata, portanto, de um mero autor aleatório falando sobre guerreiros com códigos de honra anacrônicos e espadas obras-primas de lâmina curva, mas de alguém que possui conhecimento técnico e de fato deve a sua própria celebridade ao tema.

Diferente da sua obra mais conhecida, no entanto, este não é um jogo de fantasia, mas um que busca emular alguns aspectos do Japão histórico, ou, como ele mesmo se denomina, é um jogo de tragédia samurai. Não que seja realmente um jogo 100% histórico, é claro; no próprio texto o autor admite que há algumas licenças poéticas e generalizações para criar um ambiente mais divertido. Mas o cuidado com a recriação do cenário é visível nas próprias ilustrações, que, ao invés de serem feitas em um estilo e por artistas contemporâneos, foram reproduzidas a partir de coleções de época da Biblioteca do Congresso Norte-Americano.

Sendo um jogo de tragédia, ainda, é claro que o seu foco está muito mais na narração e interpretação do que propriamente em combates épicos contra monstros mitológicos. Não que seja impossível adicionar elementos fantásticos – há sugestões a esse respeito no livro, um capítulo inteiro sobre “magia” e a religiosidade oriental, e sendo bem sincero eu mesmo já me peguei imaginando usar o sistema para jogar em Tenra Bansho Zero ou até com um clã de samurai reconstruindo a sua província em Tamu-ra após a expulsão da Tormenta -, mas, mesmo que você os inclua, o foco ainda será muito maior nas intrigas e conflitos de honra entre os personagens. Ele é um jogo “narrativista,” para usar o jargão criado no fórum gringo The Forge, em que o objetivo das regras é muito mais oferecer ferramentas para se criar uma história coletiva do que criar um jogo equilibrado matematicamente, onde os personagens simplesmente superem desafio sobre desafio imposto por um mestre da masmorra onisciente e onipotente. Os próprios jogadores tem seus turnos narrando a história, com o mesmo poder de decidir fatos e situações sem serem contestados, e, quando uma katana é sacada da bainha, tudo é resolvido de forma rápida e objetiva, geralmente com uma dúzia de corpos ensanguentados como resultado – exatamente como em qualquer filme clássico de samurai, aliás.

Isso não quer dizer que não haja um sistema de regras robusto quando necessário, é claro, e, no caso de Blood & Honor, ele está principalmente na criação e manutenção do clã do qual os personagens fazem parte. Nesse sentido ele lembra um pouco o jogo da série Guerra dos Tronos: mais do que meros personagens individuais, cada jogador interpreta um Oficial dentro do seu clã, e, juntos, eles devem decidir como será o avanço e crescimento das suas terras. Há regras para a mudança das estações, construção de estabelecimentos que gerem riquezas e benefícios, melhorando a vida na sua província, além, é claro, das intrigas e eventualmente a guerra com as províncias vizinhas. A criação do clã é aquela que toma mais tempo, com a necessidade de escolha de um tipo de daimyo, estabelecimentos iniciais, virtudes valorizadas e outros elementos. A parte mais interessante do processo ocorre quando cada jogador é convidado a declarar um fato sobre ele: a saúde do daimyo, a infidelidade da sua esposa, alguma maldição ou história antiga… Todos podem decidir um fato sobre o clã, e ele é automaticamente considerado verdadeiro.

Em comparação com a criação do clã, a de personagens é bem mais objetiva e direta. Isso tem uma razão prática: é esperado que eles morram com frequência, se não em duelos e massacres, devido à própria idade e o passar dos anos, de forma que deve haver uma forma rápida de repô-los quando necessário. É o clã que está no centro de fato do jogo, servindo de porto seguro aos jogadores, aquilo pelo qual eles devem lutar e se sacrificar.

O texto todo é escrito de forma bem casual, fugindo daquele tecnicismo característico dos livros de regras de RPG. É como se o autor estivesse te ensinando a jogar em uma conversa de bar ou depois de um jantar com os amigos. Isso é certamente um ponto positivo, embora eu tenha ficado com um sentimento meio ambíguo no momento em que ele começa a falar das dicas e guias para os jogadores e o narrador. Achei interessante que haja um capítulo específico para cada um – a grande maioria dos RPGs parece se preocupar apenas com o mestre/narrador -, mas em alguns momentos, na sua defesa do RPG como um jogo de criar histórias coletivas e de interpretação de personagens, ele parece passar um tanto do ponto. Tudo bem que ele goste de imersão no cenário, que valorize a interpretação e a criação de contexto, que utilize técnicas de atores profissionais para entrar no personagem, e até, vá lá, tenha o ritual de acender uma “vela da história” para marcar o começo de cada sessão; mas é um pouco chato ser acusado de jogar errado apenas porque você não faz questão de metade disso, e prefere um ambiente mais casual e aberto com o seu grupo de amigos. Por mais que ele admita que cada um tem o seu jeito de jogar no fim do livro, parece mais um pedido de desculpas vazio, um “sem ofensas, ok?” depois de passar os dois últimos capítulos martelando o seu manifesto pelo narrativismo no RPG…

A edição da RedBox certamente merece todos os elogios. O livro é lindíssimo, e a edição de luxo vale o preço que tem: além da caixa para guardar o jogo, há um conjunto de dados personalizados (em que o 6 aparece escrito em kanji), algumas cartas de jogo para facilitar a consulta do giri do seu personagem (a sua classe, para resumir porcamente um conceito bem mais complexo), e mesmo um mapa colorido com as províncias japonesas em meados do século XVI. Achei que faltou uma revisão mais apurada do texto, talvez; a frequência de errinhos simples de digitação incomoda, além de pronomes repetidos e afins. Há mesmo um determinado trecho no capítulo sobre os jogadores, onde o autor discute as diferenças entre os heróis ocidentais e orientais, em que eles parecem ter trocado “oriental” por “ocidental” – tive que reler a frase um punhado de vezes antes de perceber que ela só fazia sentido se eu assumisse que havia um erro. Mas são detalhes pequenos, é claro, para um trabalho tão bonito e cuidadoso.

Enfim, Blood & Honor é um jogo bem legal mesmo, que eu recomendo para qualquer um que goste do Japão e de histórias de samurai. É uma forma diferente de jogar com a cultura japonesa para quem está acostumado com os Legend of the Five Rings e seus genéricos, mas que certamente vale a experiência.


Sob um céu de blues...

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