Posts Tagged 'mini-contos'

Artesanal

– …aí eu pensei, eu devia fazer o meu próprio hambúrguer, né? Melhor do que ficar comprando esses prontos, que eu nunca sei como foram feitos. Comecei a comprar carne moída e montar o hambúrguer eu mesmo. Mas aí pensei, porque depender da carne moídas pelos outros? Eu confio que eles estão pegando os melhores cortes mesmo? Então passei a comprar as peças completas, moer eu mesmo, dar aquele toque personalizado. Só que ainda tinha algo de errado. Então passei comprar os próprios bois para carnear e moer depois. Montei essa criação pequena, onde eu mesmo faço os cruzamentos para conseguir os cortes que quero. Só que ainda faltava alguma coisa. Foi quando me dei conta: não importava se eu criasse os bois, selecionasse, fizesse os cortes, moesse a carne. De que adiantava se os instrumentos que eu usava ainda fossem todos industrializados? Fiz um curso de metalurgia, e passei a forjar minhas próprias facas. Mas ainda não era o bastante – eu ainda precisava sair e adquirir o minério de ferro. Então fiquei sabendo dessa jazida aqui, numa propriedade próxima, que adquiri e onde eu passei a mineirar o meu próprio ferro…

Elas adoram (um diálogo)

– Eu coço o saco em público, cuspo no chão, arroto quando tenho vontade, espirro alto na rua, evito pegar nas mãos de homem, muito prazer eu sou machão e elas adoram.
– Me diga uma mulher que adore então.
– Ora, a minha esposa, com quem eu sou casado há trinta anos! Querida, vem cá!
– O que foi, querido?
– Você não adora que eu seja assim?
– Assim como?
– Ora, um machão! Que coça o saco em pública, cuspa no chão, arrote quando quer, não pegue na mão de homem!
– Bem, já que você perguntou… Eu tenho um pouco de vergonha de quando você coça o saco em público.
– Eu não dis… o quê?
– E cuspir no chão! Você não percebe o quanto isso é nojento? Eu viro a cara sempre que você faz isso pra não ver.
– Mas…
– E esses arrotos! Eu juro que, às vezes, quando estamos na rua, eu dou um passo pro lado e finjo que não te conheço.
– Mas querida…
– E qual o problema em pegar nas mãos dos seus netos de vez em quando? Eles genuinamente acham que você não gosta deles.
– Mas esse é o meu jeito machão!
– …
– …
– Sim, querido, eu adoro que você seja assim.
– Eu não disse? Elas adoram!

Trecho avulso

Gostava de livros realistas, desses que eram pouco mais do que uma sucessão de episódios cotidianos, sem um objetivo muito claro guiando a trama. Dois amigos em um bar, um casal passeando na cidade, crianças brincando no parque. Não achava que a vida tinha fantasia suficiente, mas gostava da ilusão de que era essa a verdadeira ficção, e que o mundo que o esperaria ao fechar o livro seria mais interessante, mais intenso, mais colorido.

Fusão

Após anos de olhares trocados, sorrisos esguios e encontros sonhados, Pedro e Paula finalmente satisfizeram seus desejos: tornaram-se um, seus corpos unidos em um ato de paixão intensa e provocante. A energia liberada na fusão dos seus átomos pulverizou tudo em um raio de vários quilômetros, e a radiação contaminaria a região por décadas a fio.

Zeitgeist

No ponto, olhava para o nada, pensando na vida. De repente o vejo, logo a frente, já longe de onde estou; corro, faço sinal, chamo, grito em desespero… Mas é tarde.

Era o zeitgeist que passava.

Universos Paralelos (2)

de_leonTodos os anos, após a última rodada do campeonato, o físico quântico soltava uma bateria de fogos de artifício.

– Mas o seu time perdeu! – diziam os amigos. – Foi rebaixado! Nem chegou à final!

A todos, ele calmamente respondia:

– Ah, mas em algum universo paralelo…


Sob um céu de blues...

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