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Saga

saga issue oneSabem, eu não recebo nada para manter esse blog, e nem tenho pretensão de receber. Tenho ele simplesmente pelo prazer de falar a respeito das coisas que eu leio, que eu vejo, que eu penso. Por isso também não fico me martelando de escrever a respeito de tudo o que passa pela minha vida, todos os livros que leio, todos os filmes que vejo, mas só aqueles que de alguma forma me incitam a falar alguma coisa. Não é como se eu estivesse perdendo qualquer coisa por isso.

Às vezes, no entanto, você quer falar sobre uma determinada obra, simplesmente porque achou ela muito legal, legal o bastante para recomendar e passar adiante. Mas quando você para e pensa sobre ela, sobre o que você quer falar… As palavras faltam. Esta resenha de Saga, épico de fantasia espacial em quadrinhos roteirizada por Brian K. Vaughan e desenhada por Fiona Staples, vai um pouco por aí.

Eu poderia começar falando de todas as referências e inspirações óbvias que você vê nela. Pode-se dizer que o roteiro básico é como uma versão espacial de Romeu e Julieta: casal de lados opostos de um conflito ancestral vive um romance proibido. O ponto de vista da qual a história é contada é a filha dos protagonistas, que relata a história dos seus pais, Marko e Alana, desde o momento do seu nascimento, com eventuais flashbacks para retomar momentos importantes anteriores.

Acontece que Landfall, o planeta de Alana, e Wreath, a lua onde Marko nasceu, estão em guerra já há várias gerações. É provável que cada um já tenha a capacidade de destruir completamente o outro, exceto por um pequeno problema – estando ligados pela força inexorável da gravidade, a destruição da terra inimiga resultaria na sua própria, pois o seu planeta/lua também seria atirado rodopiando pelos confins do espaço. Assim, o conflito acabou exportado para outros locais, com outros planetas e impérios galácticos que se aliam a um lado ou outro em busca de benefícios próprios.

Se parece um enredo de ficção científica clássica, na verdade o universo em que a história se desenvolve acaba tendo um quê muito mais forte de fantasia; pense em algo como Star Wars mesmo, em que os temas e elementos fantásticos se revestem de uma roupagem de FC. Há mesmo um certo toque bíblico: o elemento físico marcante da raça de Alana é um par de asas, e o da de Marko um de chifres, o que já adiciona um outro tipo de simbolismo ao seu romance. Outro conflito constante é o da tecnologia contra magia – sim, há magia neste universo, com direito a feitiços de cura e artefatos ancestrais, o que reforça ainda mais o seu aspecto fantástico.

A arte de Fiona Staples também é linda, e reforça ainda mais a fantasia com suas mulheres-aranha e fantasmas adolescentes. Há todo momento você encontra novas criaturas feitas de puro sense of wonder, que remetem à sua própria imaginação infantil de aspirante a jedi. Como boa parte dos melhores quadrinhos, é uma delícia tanto de ler como de olhar.

Enfim, Saga é uma obra fantástica. Não é à toa que está aboncanhando todos os grandes prêmios de quadrinhos que disputa lá fora. Recomendo muito.

Fábula Insone

O mundo começa em uma batida: um grande coração bombeia átomos pelo espaço longínquo. Correndo pelas veias de vazio cósmico, chegam a estrelas, alimentam nebulosas, carregam-se de prótons e nêutrons, formando uma grande teia universal de existência.

Uma mosca prende-se em algum ponto desta teia, e a aranha que a tece, onisciente em seu território, percebe a sua presença. Avança para a presa, faz dela um casulo e se alimenta. Então volta para o ninho, onde repousa enquanto põe seus ovos.

Os ovos chocam em pequenos big bangs e deles nascem cometas, pequenas larvas cósmicas. As lagartas crescem: andam pelo infinito e se alimentam das folhas da árvore do universo. Prendem-se em um galho e formam seus casulos. Eras passam e os casulos se abrem: pequenos beija-sóis de asas coloridas nascem de seu interior. E eles voam por entre as flores solares, enchendo-se do néctar estelar.

Um fruto cresce em um dos galhos da grande árvore. Verde e azedo, ele amadurece: torna-se vermelho e doce. Mas rompe-se a sua superfície, e pequenos vermes saem de seu interior e se perdem pelo espaço. Caem por milhas e milhas de infinito vazio… E batem. Espalham-se pelas veias de vazio cósmico: chegam a estrelas, alimentam nebulosas. Carregam-se de prótons e nêutrons.

Caçada

O caçador saiu da embarcação, se movendo com dificuldade pela escuridão vazia. Vestia uma pesada armadura branca, grande e desajeitada, cobrindo-o por completo dos pés até a cabeça, onde terminava em um elmo de vidro arredondado. Só assim, fora avisado, sobreviveria no ambiente hostil onde enfrentaria o maior de todos os dragões.

Ainda lembrava de como o via no horizonte cada vez que vencia um adversário. Derrotara gigantes maiores que castelos, serpentes maiores que cidades, dragões maiores que montanhas; e todos pareciam pequenos sempre que o fitava, imponente e desdenhoso, pairando ao longe sobre o céu. Como poderia ignorá-lo? Sua mera existência era uma bravata, um desafio aberto que não podia recusar.

Viajou por todo o mundo atrás dos meios para alcançá-lo. Chamavam-no de louco, riam do seu objetivo; quando não abertamente, o faziam pelas costas, logo que o seu semblante confiante deixava de encará-los. Foi enganado e trapaceado; vendeu bens, serviços, o corpo e a alma. E, sempre que pensava em desistir, que ameaçava largar tudo e concordar com aqueles que o tinham por insano, bastava olhar para o céu e vê-lo, como que também rindo às suas custas, para balançar a cabeça e retomar a busca, a motivação subitamente renovada.

Encontrou o que procurava, afinal, na figura de um velho ermitão, que vivia na beira de um pequeno riacho em um vale entre montanhas. Um louco, como ele – vinha de uma terra longínqua, na direção do nascente, e dizia conhecer as estrelas, bem como aqueles que vivem além delas. Guardava em sua cabana uma velha embarcação, diferente de tudo que o caçador jamais vira: tinha a forma de um trono fortificado, rodeado por cilindros metálicos apontando para o chão, com um casco vermelho reluzente como o aço ornamentado por figuras douradas de dragões serpentinos. Era o que procurava, dizia a ele; o meio para alcançar o maior dos dragões.

Seguiram-se meses de cálculos e planejamento. Cada detalhe precisava ser delineado com cuidado – a grandeza da viagem não permitiria que fosse feita de outra forma. Era preciso a certeza da vitória, muito antes de o primeiro passo ser dado em direção a ela.

Veio, então, a preparação: o treinamento contra os perigos que enfrentaria, e a busca pelos materiais que poriam a embarcação em movimento. Atravessou o mundo novamente, até a terra natal do ermitão, onde encontrou o pó arcano que o lançaria em direção ao céu. Um ano já havia passado quando o caçador, afinal, partiu naquela que seria sua maior caçada.

Atravessou milhares de quilômetros de escuridão e vazio, cruzando nuvens de gases e desviando de esferas rochosas, antes de se ver próximo do seu objetivo. Uma distância incomensurável ainda os separava, mas ele já dominava o horizonte, brilhando intensamente contra os corpos que o rodeavam: o Dragão-Sol, com suas garras capazes de rasgar galáxias, presas que destruiriam estrelas pequenas, e asas cujo bater desmancharia nebulosas.

O caçador flutuava pelo espaço, cada centímetro avançado com o máximo de cuidado e precisão, conectado por um longo cordão à nave da qual se afastava, e carregando na mão direita a grande lança metálica que usaria na batalha. À sua volta giravam uma dúzia de corpos, planetóides de rocha e gás presos na órbita do dragão. Ele se viu pensando no fim que teriam, uma vez que o monstro fosse morto, e a força que os segurava se apagasse; saberiam reconhecer a liberdade, e seguir seus caminhos para longe do tirano que os aprisionava? Ou se desfariam em pedaços sem a força emanada da criatura, que os retia e mantinha coesos?

Não podia se importar – seu papel era vencê-lo, e o dele era ser vencido. Não era para isso que existiam os dragões? Talvez os planetas mudassem de sol uma vez que o anterior morresse, e passassem a orbitar ao redor do caçador, como um tesouro mudando de dono após ser retirado do covil esvaziado.

O guerreiro parou de se mover, e observou o adversário. Estava acostumado a se sentir pequeno, diminuído ante o tamanho dos seus inimigos. Nada, no entanto, se comparava àquilo: frente à imensidão do Dragão-Sol, ele era um mísero ponto manchando a superfície de uma partícula de poeira sobre um grão de areia. Sua escala era a dos homens e animais; a dele, a dos planetas e estrelas. E, se entre os seus já era diminuto, que dirá entre os dele – o peso da insignificância, subitamente caindo sobre o caçador, já rivalizava com o da armadura que o protegia.

Sentiu de repente um vento forte empurrando-o para trás. Uma onda de calor o atingiu, queimando a pele por baixo da armadura: era a baforada de radiação, a defesa final da criatura. Fora alertado sobre ela – não era disparada contra um alvo, mas emanava continuamente do próprio corpo do monstro; sua temperatura era tal que poderia desintegrar em instantes quem se aproximasse desprotegido. A roupa branca que vestia, no entanto, a bloquearia, mas apenas em parte – uma vasta coleção de queimaduras seria seu prêmio, caso fosse bem-sucedido.

Esforçando-se para manter a posição, o caçador levantou a mão que empunhava a lança, deixando-a pronta para o arremesso. Fitava com cuidado o inimigo, observando o seu movimento vagaroso. Não saberia dizer quanto tempo esperou, os olhos atentos a cada bater de asas; podem ter sido horas, ou podem ter sido dias – na imensidão do espaço, sob a luz radioativa da criatura que enfrentava, o próprio tempo perdia o significado, e um único instante poderia passar como um ano. Afinal, no entanto, veio o momento que aguardava: a falha no seu corpo revelada, e o núcleo-coração exposto ao ataque.

Atirou. A lança cruzou o espaço, cortando os ventos emanados pela criatura. À sua frente, com o atrito das partículas, uma ponta incandescente tomava forma, como se completasse a sua forja. Seguia em linha reta, na direção do alvo, impulsionada pela força do arremesso e também pela atração do Dragão-Sol, capturando-a como a um cometa no seu campo de gravidade.

O caçador a olhava esperançoso por trás do elmo protetor. Sabia, no entanto, que não veria o seu triunfo: estava já no limite da segurança, e dezenas de milhares de quilômetros ainda o separavam do oponente. A arma viajaria por séculos antes de atingi-lo, atravessando o seu corpo e destruindo o núcleo-coração.

Suspirando profundamente, se virou para o caminho de volta, e começou o retorno à embarcação que o trouxera até ali.

Busca Vida

Em algum lugar longe de tudo, muito além da última galáxia, distante mesmo do último grão de poeira dos limites do cosmos conhecido, existe aquela estrela além de todas as outras – a mais brilhante, a mais perfeita, a mais inalcançável; aquela cujo brilho, à parte de ser o maior de todos, nunca chegou a ser visto no universo, tão distante que os fótons se apagam muito antes de se aproximarem. À luz dessa estrela tudo parece mágico e encantador; mesmo a mais opaca das estruturas se converte em um espelho de cristal puro, e até as sombras que ela projeta parecem mais claras, como se brilhassem mais intensamente do que alguns dos sóis mais brilhantes conhecidos.

E, como tantos outros antes, era essa estrela que ele procurava. Não por idealismo, não por necessidade, nem ao menos por tédio, mas, pura e simplesmente, porque era o que sabia fazer: era um caçador de estrelas; sua vida era vagar solitário de mundo em mundo, investigando astros e abatendo supernovas, explorando florestas de nebulosas e enfrentando galáxias dracônicas. E aquela seria a sua última caçada, a viagem derradeira que daria fim à busca incessante que chamava de vida.

O caminho até a mais brilhante das estrelas, no entanto, era só escuridão – um vasto infinito de treva, um deserto tão negro que mesmo a mais escura de todas as noites cósmicas pareceria um dia ensolarado de verão. Um espaço impossível de atravessar, diziam todos; a matéria não resistia à falta de luz, e se desfazia em um nada logo absorvido pela escuridão em volta. Já havia visto acontecer com seu velho cometa galopante, companheiro de tantas viagens e caçadas, o primeiro a desaparecer vítima daquele infinito escurecido.

Mas ele resistia e seguia adiante, se não por coragem apenas porque retornar, agora, significava atravessar uma imensidão igualmente infinita de treva e vazio. Não havia norte que o guiasse: apenas ia para frente, onde quer que a frente fosse, sonhando em ver um único fóton da estrela que chegasse até ele. Até que aconteceu, com um pouco mais de intensidade.

Havia fechado os olhos, pronto para abandonar tudo e se deixar consumir também pela escuridão. Foi quando afinal a viu: a luz maior do que todas as outras, que se expandia pela treva e extinguia as sombras em uma explosão reconfortante de brilho cristalino. E então, se a mínima silhueta de qualquer coisa pudesse ser vista naquele deserto de treva infinita, certamente seria a de um sorriso, que logo se desfez na escuridão.

Todas as Cosmicômicas

1946714_4Ah, bem… Como descrever um livro de Italo Calvino? A prosa do italiano é do tipo que foge de classificações simples, unindo um estilo gostoso e fluido de ler com um virtuosismo técnico e experimentalismo temático únicos. Suas histórias brincam com a própria forma da narrativa – como, digamos, tirando contos de cartas de tarot -, e falam com uma naturalidade do absurdo e do fantástico – narrando histórias como a de um visconde que se parte ao meio, ou de um cavaleiro que não existe – que só encontra paralelo em certos mestres da fantasia contemporânea – e não, não falo de Tolkien e seus tietes, mas de Jorge Luís Borges, Gabriel García Marquez, e, talvez, Umberto Eco.

Todas as Cosmicômicas é só mais um exemplo perfeito entre tantos, talvez mesmo o principal deles. O livro reúne as obras As Cosmicômicas e T=0, bem como outros contos diversos com temas e brincadeiras narrativas semelhantes, que contam as histórias de Qfwfq, o cronista do universo, testemunha ocular do Big Bang e de toda a história que se seguiu a ele. A maioria dos contos parte de um enunciado científico – a formação das estrelas, o início da vida terrestre, as tempestades magnéticas solares – e a partir dele cria um enredo fantástico, repleto de drama e humor, pérolas de literatura fantástica, absurda e fabulesca, sempre com aquela prosa encantadora e virtuosa que é a marca do autor. Logo descobrimos, assim, como Qfwfq e seus companheiros de nomes inpronunciáveis sofreram com a falta de espaço anterior ao Big Bang, jogaram bocha com os primeiros átomos do universo, viveram como os últimos dinossauros a caminhar sobre a Terra, e passaram por diversas outras aventuras cósmicas e cômicas.

Além destes, que são certamente os grandes astros da obra, também fazem parte da coletêna alguns outros exercícios narrativos de Calvino, como os “contos dedutivos”, onde o narrador se limita a examinar todas as possibilidades de desenvolvimento e desfecho da situação em que se encontra, ou mesmo uma versão alternativa do clássico de Dumas O Conde de Monte Cristo. Outros que merecem destaque são os três contos reunidos com o nome de Priscila, contando a história das suas células, da mitose à meiose à morte, quase como um pequeno e encantador romance.

Enfim, Todas as Cosmicômicas, como qualquer obra de Calvino, é certamente uma recomendação; aliás, uma indicação, quase uma demanda de leitura. É Douglas Adams muito antes de Douglas Adams; Kurt Vonnegut antes de Kurt Vonnegut; e até, vá lá, nas devidas proporções, eu mesmo antes de, bem, eu mesmo.

Devaneio

O universo é composto por bilhões de bilhões de bilhões de estrelas espalhadas por um imenso, absurdamente grande, imensuravelmente gigantesco mar de matéria escura. Cada pontinho brilhante à noite no céu é um astro localizado a milhares, às vezes milhões, de anos-luz da Terra – a saber, cada ano-luz é a distância que uma partícula de luz (também chamada fóton), que viaja na velocidade de 300 mil quilômetros por segundo, percorre no período de um ano. Como a nossa própria visão é fundamentada na percepção dessas particulas de luz pelos nossos nervos óticos, isso quer dizer que esses mesmos pontos representam, na verdade, a situação da sua respectiva estrela não hoje, mas esses milhares ou milhões de anos no passado. Muitas dessas estrelas talvez nem existam mais; outras tantas podem ter surgido no seu lugar e nós não teremos a menor idéia da sua existência por pelo menos outros milhares ou milhões de anos. Cada uma delas pode, ainda, conter um conjunto de planetas que orbitam na sua volta, talvez menores, talvez maiores, talvez com o mesmo tamanho da Terra. Todos esses astros – não só estrelas e planetas, mas também cometas, asteróides, nebulosas, e sabe-se lá mais o quê – geram uma distorção espacial em torno de si, chamado campo gravitacional, que atrai os objetos à sua volta e, dependendo da sua distância e massa relativa, pode fazê-lo girar ao seu redor. Às vezes, esse campo gravitacional pode ser tão poderoso, e em torno de um espaço tão pequeno, que absolutamente tudo à sua volta é sugado para dentro dele, até mesmo as partículas de luz, resultando em um pequeno ponto escuro no espaço com massa e densidade absurdamente gigantescos – um buraco negro. Absorvendo tudo à sua volta, é possível que esse buraco negro, em algum momento, reúna uma massa tão grande dentro de um espaço tão pequeno que simplesmente a pressão dentro dele torne-se irresistível, e acabe em uma grande explosão de matéria que irá se expandir, condensar e eventualmente formar todo um novo universo de estrelas, planetas, cometas e todo o resto. E, no meio disso tudo, por que raios eu to aqui sentado na frente do computador escrevendo?


Sob um céu de blues...

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