O caçador saiu da embarcação, se movendo com dificuldade pela escuridão vazia. Vestia uma pesada armadura branca, grande e desajeitada, cobrindo-o por completo dos pés até a cabeça, onde terminava em um elmo de vidro arredondado. Só assim, fora avisado, sobreviveria no ambiente hostil onde enfrentaria o maior de todos os dragões.
Ainda lembrava de como o via no horizonte cada vez que vencia um adversário. Derrotara gigantes maiores que castelos, serpentes maiores que cidades, dragões maiores que montanhas; e todos pareciam pequenos sempre que o fitava, imponente e desdenhoso, pairando ao longe sobre o céu. Como poderia ignorá-lo? Sua mera existência era uma bravata, um desafio aberto que não podia recusar.
Viajou por todo o mundo atrás dos meios para alcançá-lo. Chamavam-no de louco, riam do seu objetivo; quando não abertamente, o faziam pelas costas, logo que o seu semblante confiante deixava de encará-los. Foi enganado e trapaceado; vendeu bens, serviços, o corpo e a alma. E, sempre que pensava em desistir, que ameaçava largar tudo e concordar com aqueles que o tinham por insano, bastava olhar para o céu e vê-lo, como que também rindo às suas custas, para balançar a cabeça e retomar a busca, a motivação subitamente renovada.
Encontrou o que procurava, afinal, na figura de um velho ermitão, que vivia na beira de um pequeno riacho em um vale entre montanhas. Um louco, como ele – vinha de uma terra longínqua, na direção do nascente, e dizia conhecer as estrelas, bem como aqueles que vivem além delas. Guardava em sua cabana uma velha embarcação, diferente de tudo que o caçador jamais vira: tinha a forma de um trono fortificado, rodeado por cilindros metálicos apontando para o chão, com um casco vermelho reluzente como o aço ornamentado por figuras douradas de dragões serpentinos. Era o que procurava, dizia a ele; o meio para alcançar o maior dos dragões.
Seguiram-se meses de cálculos e planejamento. Cada detalhe precisava ser delineado com cuidado – a grandeza da viagem não permitiria que fosse feita de outra forma. Era preciso a certeza da vitória, muito antes de o primeiro passo ser dado em direção a ela.
Veio, então, a preparação: o treinamento contra os perigos que enfrentaria, e a busca pelos materiais que poriam a embarcação em movimento. Atravessou o mundo novamente, até a terra natal do ermitão, onde encontrou o pó arcano que o lançaria em direção ao céu. Um ano já havia passado quando o caçador, afinal, partiu naquela que seria sua maior caçada.
Atravessou milhares de quilômetros de escuridão e vazio, cruzando nuvens de gases e desviando de esferas rochosas, antes de se ver próximo do seu objetivo. Uma distância incomensurável ainda os separava, mas ele já dominava o horizonte, brilhando intensamente contra os corpos que o rodeavam: o Dragão-Sol, com suas garras capazes de rasgar galáxias, presas que destruiriam estrelas pequenas, e asas cujo bater desmancharia nebulosas.
O caçador flutuava pelo espaço, cada centímetro avançado com o máximo de cuidado e precisão, conectado por um longo cordão à nave da qual se afastava, e carregando na mão direita a grande lança metálica que usaria na batalha. À sua volta giravam uma dúzia de corpos, planetóides de rocha e gás presos na órbita do dragão. Ele se viu pensando no fim que teriam, uma vez que o monstro fosse morto, e a força que os segurava se apagasse; saberiam reconhecer a liberdade, e seguir seus caminhos para longe do tirano que os aprisionava? Ou se desfariam em pedaços sem a força emanada da criatura, que os retia e mantinha coesos?
Não podia se importar – seu papel era vencê-lo, e o dele era ser vencido. Não era para isso que existiam os dragões? Talvez os planetas mudassem de sol uma vez que o anterior morresse, e passassem a orbitar ao redor do caçador, como um tesouro mudando de dono após ser retirado do covil esvaziado.
O guerreiro parou de se mover, e observou o adversário. Estava acostumado a se sentir pequeno, diminuído ante o tamanho dos seus inimigos. Nada, no entanto, se comparava àquilo: frente à imensidão do Dragão-Sol, ele era um mísero ponto manchando a superfície de uma partícula de poeira sobre um grão de areia. Sua escala era a dos homens e animais; a dele, a dos planetas e estrelas. E, se entre os seus já era diminuto, que dirá entre os dele – o peso da insignificância, subitamente caindo sobre o caçador, já rivalizava com o da armadura que o protegia.
Sentiu de repente um vento forte empurrando-o para trás. Uma onda de calor o atingiu, queimando a pele por baixo da armadura: era a baforada de radiação, a defesa final da criatura. Fora alertado sobre ela – não era disparada contra um alvo, mas emanava continuamente do próprio corpo do monstro; sua temperatura era tal que poderia desintegrar em instantes quem se aproximasse desprotegido. A roupa branca que vestia, no entanto, a bloquearia, mas apenas em parte – uma vasta coleção de queimaduras seria seu prêmio, caso fosse bem-sucedido.
Esforçando-se para manter a posição, o caçador levantou a mão que empunhava a lança, deixando-a pronta para o arremesso. Fitava com cuidado o inimigo, observando o seu movimento vagaroso. Não saberia dizer quanto tempo esperou, os olhos atentos a cada bater de asas; podem ter sido horas, ou podem ter sido dias – na imensidão do espaço, sob a luz radioativa da criatura que enfrentava, o próprio tempo perdia o significado, e um único instante poderia passar como um ano. Afinal, no entanto, veio o momento que aguardava: a falha no seu corpo revelada, e o núcleo-coração exposto ao ataque.
Atirou. A lança cruzou o espaço, cortando os ventos emanados pela criatura. À sua frente, com o atrito das partículas, uma ponta incandescente tomava forma, como se completasse a sua forja. Seguia em linha reta, na direção do alvo, impulsionada pela força do arremesso e também pela atração do Dragão-Sol, capturando-a como a um cometa no seu campo de gravidade.
O caçador a olhava esperançoso por trás do elmo protetor. Sabia, no entanto, que não veria o seu triunfo: estava já no limite da segurança, e dezenas de milhares de quilômetros ainda o separavam do oponente. A arma viajaria por séculos antes de atingi-lo, atravessando o seu corpo e destruindo o núcleo-coração.
Suspirando profundamente, se virou para o caminho de volta, e começou o retorno à embarcação que o trouxera até ali.
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