Não existe, no futebol, resultado mais humilhante que o 2 x 0. Tudo bem, vá lá, é possível fazer muito mais gols em uma partida; 3 x 0 é um resultado razoavelmente comum, 4 x 0 e 5 x 0 também, até um 6 x 0 aqui ou ali não é assim tão raro. Nenhum deles, no entanto, expressa a mesma superioridade, a mesma afronta, o mesmo desdém pelo adversário, que o 2 x 0.
Vencer por 1 x 0, admitamos, nem sempre é um mérito. Muitas vezes, na verdade, é justamente o oposto: a equipe com mais sorte que juízo, que poderia ter feito muito mais, mas desperdiçou as chances que teve; ou que deixou o adversário atacar o jogo todo e venceu em um único contra-ataque inesperado. Não nego, é claro, a validade de um bom 1 x 0 com gol de bola parada aos 40 do segundo tempo – uma vitória é uma vitória, afinal, seja por um ou dez gols de diferença. Mas não dá pra pautar a superioridade de um time sobre outro por um resultado assim; ao contrário, ele denota até uma certa igualdade de termos, um empate técnico, exceto por aquele detalhe mínimo que culminou no gol. Da ótica do derrotado, pode ser mesmo um resultado honroso, um martírio heróico, lutando até o último minuto pelo empate que nunca esteve a mais do que um chute de ser alcançado.
Do lado oposto, temos o exagero, o overkill. Que diferença faz, afinal, um 8 x 0? O primeiro gol de uma partida pode ser o da desigualdade, aquele que desfaz o equilíbrio inicial; e o segundo, o da confirmação, do alívio, que dá a garantia de que não vai ser uma única jogada inesperada a mudar o resultado. Mas e quanto ao terceiro, o quarto, o quinto? Duvido que alguém vibre com o oitavo gol do seu time da mesma forma que fez com o primeiro – é algo que vai contra a própria lógica do futebol, de resultados minguados e sofridos, provocando a expectativa com defesas do goleiro e bolas na trave, até a explosão súbita do gol inesperado, como naquela velha propaganda de refrigerantes (provoque sua sede!). Mesmo do ponto de vista do campeonato, uma goleada raramente faz grande diferença, exceto em torneios eliminatórios ou curtos – a vitória por um gol vale os mesmos três pontos que a por oito, e saldo e gols marcados geralmente são só o segundo ou terceiro critérios de desempate, se tanto.
E sobre superioridade técnica, que pode dizer uma goleada superlativa? Que um time é muito superior ao outro? Qual o mérito de uma vitória assim? Heróis são os que matam ursos e leões, não formigas. Muitas vezes um resultado largo pode ser mesmo fruto de questões externas à própria qualidade dos times – são os jogadores boicotando o técnico, o dia ruim do zagueiro central, a expulsão inesperada do goleiro ainda no primeiro tempo. Quatro, cinco, seis gols em um único jogo, afinal, não pode ser um acontecimento normal, e poucos realmente esperam por resultados assim; só podem denotar que há algo de errado em andamento.
Mas o 2 x 0, ah!, o 2 x 0 é diferente. Quem pode dizer que um 2 x 0 aconteceu por sorte? Mesmo que sejam os únicos ataques de uma equipe em todo o jogo, ainda assim ele é um mérito – afinal, ela de fato aproveitou as chances que teve, coisa que nem todas fariam, e quem sabe quantas mais aproveitaria se as tivesse. Tem a medida certa entre o tamanho e a utilidade – é grande o bastante para não ser revertido em um único lance de sorte, mas não grande demais a ponto dos gols marcados serem desperdiçados no longo prazo do campeonato. O time que faz 2 x 0 não arrisca a vitória por uma provocação boba, correndo o risco de ceder um empate apenas por um descuido ingênuo, ao mesmo tempo em que desdenha do adversário ao dizer: fiz o suficiente; não preciso de mais do que isso.
O 2 x 0 também não denota uma desigualdade expressiva, ao ponto da injustiça. Não é Davi contra Golias, nem vietnamitas contra norte-americanos; não se pode reclamar, ao se perder de 2 x 0, de ser um resultado óbvio, que sequer se esperava que fosse diferente. Não: ambos podiam muito bem estar nas mesmas condições. Exceto que, bem, não estavam – um time é, pura e simplesmente, melhor que o outro, sem exageros desnecessários, sem superlativos deselegantes.
Que fique claro, ainda, que eu não falo da vitória por dois gols de diferença. Falo do 2 x 0 puro, burocrático, ao natural – um gol no primeiro tempo, outro no segundo, para não deixar dúvidas quanto à direção do vento, posição do sol, pressão da torcida sobre o goleiro. Talvez um 3 x 1, vá lá, possa ter méritos parecidos, apesar do gol sofrido manchar o placar; mas um 4 x 2, 5 x 3, 6 x 4 já estão em outra categoria, onde a própria quantidade de gols o distancia de um resultado “normal”.
Enfim, registro aqui este meu pequeno elogio do 2 x 0. Que fique quem quiser com suas goleadas sem significado e gols de placa que nada valem; é no 2 x 0 que eu vejo, de fato, um resultado digno de ser ovacionado, e a prova inconteste de superioridade futebolística.
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