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Velhos novos Ronaldinhos

BrunoLi esses dias uma reportagem sobre outro Bruno, esse ex-jogador do Grêmio, que era apontado na época em que se profissionalizou como um “novo Ronaldinho.” Guardada todas as bobagens que uma comparação dessas pode indicar, na época parecia mesmo algo plausível. Bruno não era só um destaque na base do Grêmio, mas tinha sido o principal jogador de todas as seleções de base que tinha participado. Até que, aos quinze anos, antes de assinar o primeiro contrato profissional com o clube, recebeu uma proposta milionária para trocar o Brasil pela Inglaterra.

O caso me marcou porque foi um que eu acompanhei de perto, sendo gremista e xará, em todas as suas fases. Lembro do bafafá da imprensa, a dúvida se ele ficaria no clube, a estréia promissora… E a decepção posterior. Achei curioso descobrir que ele não tenha sequer deixado o futebol depois disso, e seguido ainda por mais de uma década ganhando a vida em times menores.

Acho que é meio que um caso emblemático daquilo que o Nick Hornby chama de o “mundo paralelo” do futebol. Sendo obrigados a atravessar esse portal narniano desde cedo, acabam entrando para um mundo estranho, com regras diferentes, mas sem um leão-Deus bondoso confiável para guiar o seu caminho. Falo do que vejo em primeira mão mesmo: sou professor de uma escola de periferia, e agora mesmo tenho casos de alunos que pediram licença das aulas para fazer testes em clubes do interior do estado. Outras tantas histórias correm de ex-alunos que de fato passaram a integrar as categorias de base desses clubes, seus irmãos que tem o mesmo objetivo de vida, e mesmo um ou outro parente de um jogador mais famoso.

Filho da da classe média que sou, é um universo que me parecia muito distante, até eu me ver confrontado diretamente com ele. É difícil imaginar que muitos deles sejam melhor preparados psicologicamente do que o Bruno foi. São garotos de quinze, quatorze, treze anos. São raros os Neymares, que tem uma operação quase militar de blindagem organizada pelo próprio pai com o objetivo de protegê-lo desse fim.

E a realidade é que os problemas que isso causam até extrapolam a questão social, e atingem o futebol propriamente dito. Pensem naquele chavão todo que fala da “entressafra” do futebol brasileiro (ainda que eu pessoalmente tenha ojeriza por usar esse termo ao se referir a seres humanos, como se eles fossem meros produtos / coisas), com o fato de, Neymar à parte, os jogadores atuais não serem tão bons quanto foram em décadas anteriores. Então pensem que Bruno tem ainda 29 anos. Não teria nem direito a passe livre antes da Lei Pelé. Tivesse vingado a sua promessa, poderia muito bem estar ainda no auge da carreira – e que diferença não faria ter um “novo Ronaldinho” no auge para a própria seleção brasileira?

E quantos novos Ronaldinhos, Kakás, Robinhos e etc. não devem ter sido perdidos de forma semelhante?

Futebol-Arte (marcial)

Por ser gremista, gaúcho e admirador do futebol do Felipão e do Eduardo Costa, muitos às vezes pensam que eu sou um defensor do dito “futebol-força”, aquele que olha feio pra bola e, ao invés de pedir com jeitinho, praticamente intimida ela até o gol adversário. Sabe como é, aquela filosofia anti-bailarinos da bola, tão bem enunciada na famosa frase que abre o ensaio brilhante do Eduardo “Peninha” Bueno sobre o imortal: futebol-arte, todo mundo sabe, é coisa de veado. (E este é o único trabalho dele, aliás, que realmente merece esse adjetivo).

Por mais que não seja uma inverdade completa, cabe aqui, como de praxe, alguns poréns. Cito outro grande texto sobre o esporte, agora do inglês Nick Hornby: Fever Pitch, lançado aqui no Brasil como Febre de Bola. O livro é uma espécie de auto-biografia dele como torcedor fanático, até o ponto do hooliganismo mesmo, do Arsenal Football Club, uma das principais equipes da Inglaterra. Quem já leu algum dos meus outros textos de futebol por aqui sabe que eu não me canso de citar ele, porque, pra mim ele, é de longe o melhor livro que aborda o futebol do ponto de vista de quem realmente o faz ter o tamanho que tem: o torcedor.

Tem uma passagem muito interessante nesse livro, em que ele comenta uma frase de um técnico inglês da década de 1980, Alan Durban, que, após um jogo especialmente entediaste, teria dito: se você quer entretenimento, vá assistir palhaços. Citando o livro diretamente, em tradução minha (já que só tenho a edição importada):

De minha parte, eu sou um fã do Arsenal primeiro e um fã de futebol segundo (e, sim, eu conheço todas as piadas). Eu jamais conseguirei admirar um gol de Gazza, e existem inúmeras outras situações similares. Mas eu sei o quão divertido o futebol é, e realmente adorei as relativamente poucas vezes em que o Arsenal conseguiu produzir isso; e quando outros times que não estão competindo com o Arsenal de qualquer forma jogam com graça e imaginação, eu posso apreciar isso, também. (…) Reclamar de futebol chato é um pouco como reclamar do final triste de Rei Lear:  é perder completamente o ponto, e isso é o que Alan Durban entendia tão bem (…).

Acho que o ponto fica bem claro aí. Gosto de futebol, mas gosto muito mais do Grêmio. Isso não significa que eu não goste de futebol bonito. Não é que eu não goste de dribles desconcertastes e gols de placa. Mas não é pra isso que eu acompanho os campeonatos. Já discuti em outro momento sobre o que eu acredito que o esporte realmente representa, e que passa bem longe de qualquer definição parecida com “espetáculo.” Mas isso não quer dizer que eu simplesmente execre quando ele seja algo próximo disso, e consegue de fato entreter ao mesmo tempo em que cumpre o que eu realmente espero dele.

Em outras palavras, por mais que eu respeite a técnica de um D’Alessandro ou Damião, eu nunca vou conseguir torcer por eles. Nunca vou aplaudir um gol deles, por mais bonito e espetacular que seja, muito menos se for em um Gre-Nal. Mas posso sim apreciar o futebol de um Barcelona – em especial quando estamos falando de um time que, mais do que dar toquinhos pro lado e dribles no meio-campo, e graças principalmente à presença de um Messi que, talentoso como é, usa esse talento com objetividade e pragmatismo, sabe procurar aquilo que o torcedor de fato quer : o gol, e, no médio prazo, a vitória. Ao mesmo tempo, consigo apreciar as retrancas que a Inter de Milão e o Chelsea fizeram pra vencê-lo – principalmente porque fizeram ela muito bem. E se algum dia, por acaso, ele estiver frente a frente com o Grêmio… Sinto muito, espetáculo, mas eu estou do lado da retranca.

No fundo, é isso. Não é que eu não goste de um futebol bem jogado, que faça quinze gols em quatro jogos, ou qualquer coisa assim. Eu gosto, e adoro quando o Grêmio faz algo parecido. Mas eu também adoro quando ele ganha de 1 a 0 com gol de bola parada aos quarenta do segundo tempo. Ganhar jogando bem é ótimo, mas ganhar jogando mal não é tão ruim assim. Dependendo da situação, pode ser até mais emocionante e empolgante pro torcedor, além de muito mais catártico. Um chocolate com a torcida gritando olé durante metade do segundo tempo é muito bonito, sim, e eu gosto. Mas uma retranca bem armada também pode ser bonita demais nos seus próprios termos.

Futebol, Torcida e Distanciamento Crítico

Não existe distanciamento crítico no futebol. Curto e grosso, é isso mesmo: o simples fato de se interessar pelo tema o bastante para querer falar algo a respeito já pressupõe no mínimo alguma simpatia por clubes, jogadores, cores ou o que for, e isso elimina qualquer possibilidade de um distanciamento teórico para fins de análise. É simples assim, não importa o que cronistas e comentaristas e o que for tentem vender; muito mais honesta e ética é a atitude de um Juca Kfouri, que se assume corintiano mas faz o possível para que isso não nuble a sinceridade das suas opiniões, que é, afinal, aquilo pela qual um jornalista de verdade deveria prezar mais, do que a de um Maurício Saraiva, que tenta vender que qualquer paixão clubística anterior desapareceu no momento em que ele se tornou um profissional.

Portanto, não venham me dizer que qualquer reação da torcida do Grêmio no último domingo tenha sido exagerada, que o que o pilantra-cujo-nome-não-deve-ser-mencionado fez foi meramente uma escolha profissional, ou qualquer blá blá blá copiado palavra por palavra de algum ex-jogador comentarista que seja. É claro que ele é um profissional, que tinha o direito de decidir pela melhor proposta, mas não é isso o que realmente importa no futebol, no fim das contas. Também não tem nada a ver com alguma racionalização grosseira sobre perdas e ganhos de dez anos atrás, somada à ingenuidade ao querer esquecer disso no início deste ano. Tem a ver, isso sim, com uma torcida inteira que se sentiu traída duas vezes, por um jogador que passou a juventude inteira no clube, e o que faz da segunda tão pior, muito além da forma como foi realizada, é justamente o fato de que havia a vontade sincera de perdoar a primeira.

No fundo, o que faz do futebol ser o que ele é não são os jogadores, os patrocinadores, os cartolas, os comentaristas, ou qualquer outro cujo o nome estampe as manchetes de jornal quotidianamente, mas a torcida. Isso não é idealismo ou populismo barato, mas uma observação empírica mesmo, que vai além do romantismo tosco das “festas das arquibancadas” e semelhantes. O que faz valer a pena contratos milionários de transmissão de jogos pela televisão se não o fato de que existem milhões de torcedores dispostos a assisti-los, e assim gerar audiência e publicidade para a emissora? E qual o sentido de colocar um jogador em uma propaganda de lâmina de barbear, telefonia móvel ou o que for, se não o fato de que existem torcedores que o admiram, que conhecem a sua carreira, e que ao menos se lembrarão do produto como “o produto do Neymar, ou do Kaká, ou do Ronaldo,” ou de quem for?

Tire a torcida do futebol, enfim, e o que sobra? Um joguinho chato e demorado, com poucos momentos de brilho intenso espalhados entre longos períodos de marasmo técnico. Já falei o que eu penso sobre a idéia do futebol como espetáculo em outro momento, e não vou me repetir. O ponto aqui é que, sem a torcida, o tal “espetáculo do futebol” simplesmente perde todo o sentido, e essa racionalização extrema, que transforma cada jogador em uma simples peça a ser negociada e trocada indiscriminadamente, ignora justamente o sentimento desta parcela tão importante dos envolvidos com o esporte. Eu não ignoro, enquanto torcedor, que os jogadores são profissionais, e têm o direito de pensar e se preocupar com suas carreiras; posso até admitir, mesmo que com alguma dificuldade, uma atitude como a do atacante Kléber, por exemplo, que, ao receber alguns meses atrás uma proposta do Flamengo, ao menos foi sincero e transparente com os dirigentes e a torcida do Palmeiras, dizendo que tinha recebido esse contato, o que acabou desandando no médio prazo e levou à situação atual em que ele se encontra. Já aconteceu com o Grêmio antes, e nem por isso os envolvidos foram sumariamente excluídos da história do clube. O que eu não admito é que eles, enquanto jogadores, ignorem que eu também tenho o direito de ser tratado com respeito e honestidade, justamente aquilo que mais faltou no outro caso.

As empresas em geral tem essa noção da importância das torcidas, na verdade. Sendo provavelmente o elo mais fraco em toda a equação do futebol, é interessante notar como elas de fato tomam todo o cuidado ao lidar com ele. É só observar a publicidade com personalidades do futebol aqui no Rio Grande do Sul: sempre possuem dois “protagonistas”, cada um ligado à história de um dos grandes clubes locais. Por anos, nenhuma empresa aceitou patrocinar o Grêmio se já não estivesse patrocinando o Inter também, e vice-versa. E muitas mesmo aceitaram mudar suas logomarcas para isso – como a famosa logomarca preta da Coca-Cola, já que a camisa tricolor jamais poderia ter qualquer traço de vermelho, e mesmo a versão colorada ainda corrente do logotipo do Banrisul.

Parafraseando Tywin Lannister em algum episódio da primeira temporada da série Game of Thrones, todos os jogadores morrerão um dia, assim como todos os treinadores, e cartolas, e comentaristas. Isso vale para o pilantra e o seu irmão ainda mais pilantra, bem como para o outro traíra tricolor Tinga, e mesmo para os ídolos verdadeiros como Renato Portaluppi, Danrlei e o Felipão. O que sobrevive é o clube, pelo menos enquanto, é claro, ele tiver a sua torcida. Os torcedores individuais podem morrer; mas a torcida em si é um ente muito maior do que a mera soma das suas partes, e sobreviverá. E aos que não entenderem isso, que lidem com o ostracismo como puderem.

É isso, enfim, que eu tinha para dizer aqui. Sou contra essa cientificização do esporte, essa tentativa de transformar tudo em um grande Cartola F. C. da vida real. Racionalizar demais o futebol é tirar dele justamente o que ele tem de mais interessante e apaixonante. No que me diz respeito, sou um torcedor antes de todo o resto, e mereço e exijo tanto respeito quanto qualquer das outras partes envolvidas.

O Encontro

Júnior tremia enquanto esperava, sentado na mesa do restaurante no Mercado Público. Faziam doze anos que esperava por aquele momento – desde que pela primeira vez soube que era adotado. E agora estava lá, nervoso, esperando a chegada do pai biológico.

Havia tanto que queria saber! Quem era, o que fazia, como conheceu sua mãe… E, é claro, por que não quis ficar com ele. Já havia pensado muito sobre isso – talvez fosse muito jovem e irresponsável para cuidar de uma criança, ou apenas pobre demais. Talvez não quisesse filhos então… Talvez ainda não os quisesse. Podia ter atendido a esse encontro obrigado, ameaçado, sob liberdade condicional. Qualquer que fosse o caso, Júnior estava preparado: tinha já vinte e seis anos, o suficiente para não guardar rancor ou uma expectativa exagerados por alguém que sequer conhecia.

Só havia uma entre todas as possibilidades que o preocupava. De tudo que o seu pai biológico poderia ser – criminoso, foragido, endividado, deficiente -, uma coisa Júnior jamais poderia aceitar: ele não poderia ser… Não, era melhor nem pensar a respeito. Era uma possibilidade real – afinal, Júnior era o que era por influência familiar antes de tudo, principalmente de um certo tio com quem freqüentemente tinha contato -, mas preferia acreditar que o pai verdadeiro seria como ele. Precisava ser – não estaria disposto a aceitá-lo se não fosse.

O jovem tremia mais quando pensava a respeito. Valia a pena correr o risco? Não poderia ter esse desencanto – qualquer outro, mas não esse. Poderia viver bem com a ilusão, com a possibilidade de nunca saber, mas não com a decepção real. Talvez fosse melhor ir embora, deixá-lo esperando, e não dar mais notícias; sim, sem dúvida era melhor, pensou Júnior. Levantou e se preparou para sair, mas já era tarde: o pai estranho já o havia notado, e se dirigia para a sua mesa.

O medo de enfim conhecê-lo paralizou o rapaz: cada passo mais próximo que ele chegava parecia levar séculos para terminar. Gotas de suor frio escorriam pelo corpo, até que estavam próximos o bastante para que as três cores da camisa por baixo do abrigo dele fossem reconhecidas. Gremista!

Júnior suspirou aliviado, cumprimentou-o e sentou para conversar e conhecê-lo. Já não havia nada que pudesse sair errado.

Sobre Safras e Mercados

No livro Febre de Bola, o inglês Nick Hornby relata uma história interessante, entre tantas outras, de quando ele jogava pelo terceiro ou quarto time da universidade de Cambridge, onde estudava. Segundo ele, dentre todas as equipes da academia, apenas um ou dois atletas da época em que ele jogava chegaram a ter algum tipo de carreira como profissionais. E o melhor deles, um verdadeiro craque entre aqueles estudantes e protótipos de intelectuais, teve como grande momento um gol marcado por um time da quarta divisão inglesa.

A história ilustra bem a distância que existe entre torcedores e jogadores, e foi esse o objetivo também de Hornby ao contar ela – se o melhor jogador profissional com quem já teve algum tipo de proximidade teve como maior momento na carreira uma partida da quarta divisão, podemos apenas imaginar o abismo que o separa das estrelas do Arsenal, o seu time do coração. Jogar por ele, então, é algo totalmente fora dos limites da realidade: o mundo do futebol profissional é um legítimo universo paralelo, um mundo fantástico não muito diferente em essência de certos cenários de RPG e literatura.

O tipo de jogador que habita esse universo, hoje, já tem poucas relações de fato com o mundo de fora, sendo formados e fabricados dentro desse mundo paralelo. A maioria deles vive no futebol desde muito cedo – em torno dos 13 ou 14 anos, talvez menos, e eu não falo de simplesmente freqüentar uma escolhinha ou jogar com um time semi-amador nos fins de semana; muitos deles já nessa idade vivem nos clubes onde jogam as categorias de base, a quilômetros de distância da família, que às vezes é até mesmo de outro estado. Essa é a idade onde se começa a semeadura dos jogadores, em geral; é difícil alguém que comece muito depois ter qualquer chance em qualquer equipe um pouco maior, mesmo sem levar em consideração os clubes realmente grandes. E o próprio mercado do futebol também já chega cada vez mais cedo entre eles.

Hoje em dia se compra e vende jogadores de base da mesma forma como se faz com jogadores profissionais – talvez até mais, visto que a idade para a liberação de passe já foi bastante reduzida. Grande parte dos jogadores que se tornam profissionais no Grêmio, ou no Flamengo, ou no Cruzeiro, não são gaúchos, cariocas ou mineiros, muito menos torcedores dos times. Foram trazidos ainda crianças por algum empresário de outro estado, e simplesmente viveram no clube desde então. Não é difícil dar exemplos: muitas das últimas revelações de Grêmio e Inter não eram gaúchas – o Lucas, por exemplo, hoje no Liverpool, nasceu no Mato Grosso do Sul, e Alexandre Pato, atualmente no Milan, no Paraná. O caso do Pato, inclusive, é bem curioso: nascido em Pato Branco, em uma região com grande presença de famílias gaúchas, ele é, ou pelo menos foi, torcedor gremista quando criança, como a foto que ilustra esse texto não deixa enganar. Mas, ao vir para Porto Alegre jogar futebol aos 13 anos, não foi aceito no Grêmio por ser considerado ainda muito jovem para viver tão longe da família, o que, aparentemente, não foi problema no Inter.

O que leva também a outro ponto interessante. Não sou exatamente uma pessoa muito velha, apesar de ser um velho rabugento de espírito, então não posso fazer aqueles comentários nostálgicos sobre alguma época romântica em que os jogadores realmente amavam os times por qual jogavam, não apenas seus salários, e esse tipo de coisa. Bem pelo contrário: nasci e cresci já no mundo do futebol de consumo, com jogadores profissionais e distantes das torcidas, e além disso, como pesquisador da história do futebol, sei bem que na maioria dos casos esse tipo de afirmação não corresponde exatamente à realidade da época. Até algum tempo atrás, no entanto, ainda ouvia comentários de amigos próximos sobre jogadores ruins que pelo menos jogavam com vontade por torcer pelo time, ao menos quando se referiam aos que vinham das categorias inferiores; e eu mesmo lembro do Ronaldinho Gaúcho, o mesmo que hoje ganha milhões e já foi o melhor do mundo, quando ainda era uma jovem revelação tricolor, saindo de campo chorando após uma derrota; quando o repórter perguntou a razão, ele prontamente respondeu que torcia para o Grêmio e queria que o time ganhasse. Dificilmente se pode esperar a mesma coisa do mineiro Léo, ou o paulista William Magrão, ou o sergipano Thiego, ou outros tantos jovens do Grêmio atual, pelo menos quanto a parte de ser torcedor do clube – não dá pra imaginar, por mais que tenham simpatia pelo clube onde vivem já há algum tempo e pensem nas conseqüências para suas carreiras, que tenham sofrido da mesma forma que eu e outros gremistas sofremos com as recentes derrotas em campeonatos, e certamente não se podia esperar que realmente levassem a sério uma campanha como a “entrega Grêmio” que houve durante essa última semana. Mesmo entre garotos da base, é muito raro um caso como o do Adriano, que largou tudo na Europa pra voltar pro Brasil e pro Flamengo.

Na verdade, acho que dá pra falar o mesmo até de alguns jogadores que tiveram, ou ao menos pareceram ter, alguma identificação com a sua torcida e clube – como o já citado Lucas, que, em uma entrevista ao canal SporTV algum tempo atrás, falou da sua experiência na famosa Batalha dos Aflitos. Quando o segundo pênalti contra o Grêmio foi marcado e tudo parecia perdido, diza ele, com toda naturalidade, que o que passava pela cabeça no momento é o que ia ser dele e da carreira dele se o Grêmio não se classificasse. E eu realmente compreendia esse ponto de vista, e não conseguia achar que estivesse errado: ele é um profissional, afinal, e, mais do que isso, um profissional jovem, em começo de carreira. Hoje em dia o profissionalismo no futebol simplesmente já não é mais apenas dos times principais, começando desde os times infantis.

Anteriormente eu falei em “semeadura” dos jogadores, e não acho que tenha sido um termo exagerado. Como eu disse, a formação desses jogadores começa muito antes do que a maioria das pessoas costuma ter qualquer decisão concreta sobre a carreira que deseja seguir quando adultos (eu mesmo não tenho muita certeza ainda hoje, com meus 25 anos jogados na cara). Eles precisam ser fabricados desde cedo, como as mercadorias que são; não é à toa que muitos comentaristas esportivos, quase sem perceber, falam de “safras” de jogadores quando vão se referir às últimas gerações de atletas. Falam da safra atual de jogadores do São Paulo, ou então a última safra de jogadores do Internacional, ou tantas outras safras, e acho que não devem a demorar a identificá-las pelos respectivos anos, como se fossem vinhos – dá até pra fazer um paralelo cômico com a idéia de que ambos melhoram com os anos e a maturação.

De qualquer forma, não sei exatamente qual era o meu objetivo quando comecei a tecer esse texto. Como de costume, são apenas algumas linhas aleatórias que estavam passando pela minha cabeça, e eu resolvi colocar no monitor, sem lá um embasamento muito profundo. Na minha curta experiência, lembro ainda de alguns casos de jogadores que realmente vieram de fora desse mundo, tendo a formação de pessoas “normais” até que foram descobertos por acaso e tardiamente antes de virarem jogadores profissionais; algo que deve acontecer cada vez menos no futuro, visto que os olheiros e empresários, hoje, ocupam muito mais do seu tempo em times pequenos mas profissionais do que em campinhos de terrenos baldios e torneios colegiais. Mas não quero fazer um juízo de valor e dizer que os tempos atuais são necessariamente piores do que aqueles por isso; talvez sejam diferentes, apenas, com essa coisificação assumida dos jogadores e a produção em massa com fins de exportação. No fundo, talvez seja mesmo um desdobramento irreversível daquele primeiro momento em que um jogador de futebol recebeu pagamento para jogar contra uma equipe, tão bem retratado por Lourenço Cazarré no conto Meia Encarnada, Dura de Sangue.

Quadrilha(s)

O Brasil de Pelotas reclamava que a arbitragem favorecia o Grêmio, time da capital,
Que reclamava que ela favorecia o Palmeiras, do centro do país,
Que reclamava que ela favorecia o São Paulo.
O Brasil de Pelotas está na terceira divisão, o Grêmio vai pra sul-americana,
O Palmeiras quase foi campeão, o São Paulo segue em primeiro lugar,
E Israel ainda ocupa a Faixa de Gaza, mas isso não tem nada a ver com futebol.


Sob um céu de blues...

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