Arquivo para março \30\-03:00 2010

Guia do Viajante Pelo Mundo Antigo: Grécia

Não posso afirmar com certeza, mas desconfio que muito do meu gosto por história, que me levou mesmo a escolhê-la como curso na faculdade, vem, além dos filmes do Indiana Jones, de algumas séries de livros que eu lia quando criança sobre os povos antigos, que descreviam egípcios, romanos, chineses, astecas e outros em uma linguagem acessível, com muitas curiosidades e ilustrações. Mesmo que não consiga me lembrar exatamente o nome destas séries (#alzheimerfeelings), me lembro bem de passar às vezes tardes inteiras explorando as edições, e me recordo até do formato e imagens de capa e páginas de algumas delas. Fazia algum tempo, no entanto, que não encontrava uma nova série do tipo, que buscasse divulgar o conhecimento histórico e despertar o interesse na disciplina em um público mais amplo, através de um formato mais acessível e dinâmico do que teses acadêmicas – o que, a bem da verdade, também não significa que eu estivesse procurando muito.

E eis então que, casualmente, me deparo com esta série Guia do Viajante Pelo Mundo Antigo em destaque na livraria. Me chamou a atenção, inicialmente, pelo formato luxuoso, com capa dura e detalhes em relevo, bem como um papel grosso e de qualidade. Achei que seriam caros, mas até me surpreendi ao ver o preço – cerca de 20 reais cada um, ou até menos em algumas promoções de lançamento. Resolvi, então, levar um dos volumes, sobre a Grécia antiga, para dar uma olhada.

Como o nome bem indica, a idéia da série é apresentar os povos do mundo antigo como se fosse um guia turístico, destacando curiosidades culturais, datas comemorativas, pontos de visitação, etc. No fim, há espaço até mesmo para um pequeno glossário e guia de frases úteis em grego antigo. O formato serve de desculpa, assim, para fazer um panorama da civilização abordada – no caso, as cidades-estado gregas, e mais especificamente Atenas, no ano 415 a. C. -, com uma linguagem clara e acessível, bastante fácil de ler graças à diagramação dinâmica, com tópicos curtos e muitos quadros em destaque. Confesso que história antiga não é exatamente a minha especialidade, então posso ter deixado passar algum erro ou omissão menor, mas achei o conteúdo bem completo e detalhado, descrevendo cuidadosamente as várias áreas da cidade, com direito a diversos mapas de templos e regiões importantes, comentando questões políticas, como a guerra entre Atenas e Esparta que ocorria no período, e não evitando mesmo as questões mais polêmicas, como a prostituição e a homossexualidade.

Por outro lado, todo esse detalhamento pode representar também um ponto negativo, uma vez que pode afastar o público mais jovem do livro. Mesmo descontando-se as questões polêmicas abordadas, o fato é que o texto, apesar de acessível, é volumoso, e deixa pouco espaço para ilustrações, que em geral são pequenas e em preto-e-branco. Não sei quanto interesse teria em um livro assim um garoto de 8-12 anos, por exemplo, e se serviria para despertar nele um interesse pela história da mesma forma que os livros que eu li nessa idade serviram para mim. No fim, a série deve servir mais para um público um pouco mais maduro, que já tenha interesse pelo assunto mas busque uma leitura mais leve do que uma Claude Mossé ou Jean-Pierre Vernant.

O que não tira o valor da série para esse público, é claro. Há bastante informação e detalhes, o suficiente para satisfazer a curiosidade de alguém que queira conhecer mais sobre as civilizações abordadas – além da Grécia, vi que já foram lançados livros sobre Roma (no ano 300 d. C.) e o Egito (em 1200 a. C.). Vale a recomendação inclusive para jogadores de RPG, uma vez que pode servir como guia básico para campanhas históricas, ou mesmo para dar mais vida e detalhamento a cenários fantásticos inspirados nestes povos.

Pra Ser Sincero – 123 Variações Sobre o Mesmo Tema

Este é o momento em que eu abriria a resenha com um mea culpa, comentando sobre como, independente da opinião de críticos chatos e o proto-messianismo musical, eu continuo sendo fã dos Engenheiros do Hawaii, foda-se quem não gostar, e blá blá blá, etc e tal, por aí vai. Não vejo muita razão para fazer isso, no entanto – em primeiro lugar, porque já fiz antes; e, em segundo lugar, pois implicaria admitir que, apesar de tudo, eu ainda tenho alguma vergonha de admitir o meu gosto pessoal, e sinceramente tenho esperanças de que esses ecos reprimidos da minha adolescência estejam já há algum tempo superados. Em todo caso, o fato é que eu sou, sim, fã de EngHaw, que é provavelmente uma das bandas, junto com o Oasis, os bluesmen clássicos norte-americanos e os roqueiros esquecidos dos anos 70, que me definem enquanto musicófilo, e é simplesmente impossível me desligar disso enquanto avalio Pra Ser Sincero – 123 Variações Sobre o Mesmo Tema, livro de memórias do seu líder e frontman, Humberto Gessinger.

O livro em si é dividido em três partes, sendo que para o fã genérico é certamente a primeira, Pra Ser Sincero, a mais interessante – é o relato autobiográfico propriamente dito, revelando a visão pessoal do Gessinger sobre os mais de 25 anos de estrada da banda, praticamente ano a ano. Quem espera um relato denso, no entanto, repleto de revelações pessoais e confissões, como foi a autobiografia do Eric Clapton, por exemplo, pode se decepcionar: a sua visão sobre a própria carreira é bem simples e direta ao ponto, sem grandes revisões ou quadros gerais. Muitas das anedotas e curiosidades dos bastidores inclusive já devem ser conhecidas dos fãs mais dedicados, que acompanhem entrevistas e a história da banda há algum tempo; e mesmo os temas possivelmente polêmicos, como a saída do guitarrista Augusto Licks em meados dos anos 90, são um pouco escanteados, dispensados com pouco mais do que algum comentário rápido. No fim, o texto acaba parecendo mais um roteiro pronto de um episódio de Por Trás da Fama, com aquele viés oficialista e, em certo sentido, inofensivo.

Por outro lado, isso não chega também a diminuir a sua força, que consegue manter o tempo todo um tom bastante pessoal e sincero, ao menos na aparência. Isso é reforçado pela prosa do Gessinger, que é escrita quase como ele fala – não que seja repleto de erros de português ou coisa assim, mas digo principalmente pelo ritmo e estilo do texto, a forma como ele pega bem aquele jeito meio pós-hippie quarentão que quem vê as suas entrevistas certamente repara, colocando às vezes em um mesmo parágrafo comentários sobre futebol (em especial o Grêmio), um verso de uma música, uma divagação filosófica e uma citação a Albert Camus. Muitas das suas opiniões mais gerais, inclusive, são bem interessantes e até um pouco surpreendentes, tanto sobre o trabalho da banda como a indústria da música em geral – entre outras, destaco a sua revelação de que o !Tchau Radar!, um dos discos mais discriminados pelos fãs, é o trabalho dos EngHaw que ele próprio mais ouve, bem como a sua visão bastante positiva sobre o impacto da internet e do compartilhamento de arquivos sobre a música (como ele mesmo diz, tanto o videoclipe como o CD são mídias que já nasceram com data certa para morrer).

A segunda parte do livro, Pra Quem Gosta de Nós, é a que justifica o subtítulo, ao apresentar 123 letras selecionadas de músicas da banda. Aqui estamos no território dos fãs, que muito provavelmente já sabiam a maioria delas de cor de qualquer forma – eu, pelo menos, já sabia. O certo é que os críticos continuarão achando-as ruins e fracas, enquanto os fãs continuarão vendo nelas o sentido oculto da vida. Mas vale pelos comentários pessoais do Gessinger sobre algumas delas, bem como as caricaturas do Andrews & Bola retratando os diversos visuais do músico ao longo da carreira.

Por fim, a terceira parte, Pra Entender, apresenta um pequeno estudo crítico de autoria de Luís Augusto Fischer, um renomado professor e crítico literário de Porto Alegre, a respeito do trabalho poético do Humberto Gessinger. É um texto interessante, sem dúvida, embora eu tenha ficado com a impressão algumas vezes de que ele não gosta realmente das letras que analisou.

Todo o design, acabamento e trabalho gráfico do livro também são muito bem feitos. É um livro colorido, impresso em papel especial, e repleto de fotos da carreira da banda, retiradas de shows, bastidores, material de divulgação e arquivos pessoais. Destaco as fotos dos instrumentos usados pelo Gessinger, muitos dos quais ele próprio montou, e que possuem pintura e alguns detalhes visuais bem interessantes, deixando-os muito bonitos.

Pra Ser Sincero – 123 Variações Sobre o Mesmo Tema, enfim, é um livro escrito para os fãs, e é claro que não se pode julgá-lo de outra forma. Para quem não gosta de Engenheiros ou do Humberto Gessinger, não há nada aqui que vá mudar a sua opinião; quem já for fã, no entanto – o que é o meu caso, como deve ter ficado bem claro -, e souber o que esperar, também não há muito com o que se decepcionar.

Tempestade

A nuvem de lógica pairou pela cidade, escurendo os pensamentos de quem passava pelas ruas naquele momento. Todos abriram suas referências, correndo para proteger seus argumentos – mas já era tarde para muitos deles, encharcados, vencidos pelas próprias bibliografias logo que começou a chuva de falácias.

Os Gatões – Uma Nova Balada

Os Gatões – Uma Nova Balada é um filme baseado em uma série de TV dos anos 80, em que dois primos de uma cidade do interior sulista dos EUA dirigem seu possante carro General Lee e se envolvem em todo tipo de confusão politicamente incorretas pela região e tudo mais. Para estrelar o remake, foram chamados John Knoxville, responsável (ou seria melhor dizer culpado?) pela série Jackass, e Sean William-Scott, que participou de comédias adolescentes como American Pie e Cara, Cadê Meu Carro?. Somando tudo, poder-se-ia esperar do filme que fosse uma comédia repleta de situações forçadas e apelativas, com piadas por vezes preconceituosas e um roteiro desprovido de cérebro, correto? E, de fato, é algo bem próximo disso que se tem no resultado final, com adição ainda de alguns erros de montagem, buracos no roteiro e alguns exageros de boa-vontade no que diz respeito à verossimilhança. E com isso, claro, também seria de se imaginar que trata-se de um filme pífio, uma legítima bomba, totalmente descartável e que só vai fazê-lo perder o seu tempo, certo?

Bem… Não. Por trás de todos os defeitos, superficialidade e acefalia, o fato é que Os Gatões é, sim, um filme bem legal. Afinal, não se pode esperar que todo e qualquer filme seja um Labirinto do Fauno, e cobrar que este seja qualquer coisa perto disso é, no mínimo, injusto. Se ele está longe de ser um exemplo perfeito e glorioso à cinegrafia contemporânea, ao menos assume desde o início o objetivo de não ser mais que um filminho de Sessão da Tarde, e com isso consegue ter um carisma e honestidade que normalmente são perdidos em meio à pretensão de muitos de irem tão além. Ele não quer ser edificante, não quer ser um convite à reflexão, não quer ser sutilmente irônico, não quer ser uma sátira inteligente, não quer ser qualquer tipo de masturbação intelectual; quer ser só um filme bobinho sobre dois garotos em um carro possante fugindo da polícia ao som de música country e rock sulista.

Enfim, se você quiser um filme encantador, mágico, profundo, edificante e o diabo à quatro, vá ver, sei lá, A Viagem de Chihiro. Ou Herói. Ou alguma comédia dramática do Woody Allen. Se só quer se divertir por um par de horas com perseguições de carros absurdas (e com erros de gravação ainda mais absurdos mostrados durante os créditos finais), com Lynyrd Skynyrd na trilha sonora e a Jessica Simpson mostrando todo o seu real talento em shortinhos curtos e jeans apertados, Os Gatões – Uma Nova Balada satisfaz todos esses requisitos. E muito bem, aliás.

A Valsa

– Mas eu não sei dançar! – a face corava com a revelação, que acontecia justamente naquele baile repleto de rostos conhecidos.

– Não se preocupe. Apenas suba nos meus pés e deixe que eu guio os seus passos. – falava de um jeito que era impossível recusar, os olhos brilhando como diamantes.

Ela aceitou, afinal. Levantou em um gesto gracioso, e com a doçura de um quindim se deixou levar pelo rapaz até o centro do salão. Subiu nos pés dele, como fora oferecido, e foi guiada passo a passo pela valsa que tocava. Rodopiavam como um só corpo de bailarina; vagavam de um lado a outro do salão como se estivessem a sós, e os outros pares não passassem de estrelas em um firmamento distante. Ele a apertava contra o peito, e por um instante era como se o mundo todo existisse apenas para os dois.

– Foi maravilhoso. – ela disse ao fim da música, antes de ser levada de volta para a mesa. Respirava por suspiros, sem conseguir desviar o olhar do rosto dele.

– A sua companhia que é maravilhosa. – ele sorria como quem abraçava. – Agora, se me permite, vou me retirar por alguns instantes, mas hei de retornar logo. – e se perdeu em meio aos demais.

Seguiu discretamente até o lado de fora, onde, após se certificar de que ninguém observava, retirou o sapato e a meia do pé esquerdo. Os dedos sangravam pelas pontas, as unhas profundamente encravadas na carne; limpou-os como pôde, ofegante e se contorcendo de dor, e descansou por alguns instantes se apoiando na parede. Então calçou a meia e o sapato novamente e voltou para o salão.

Perfeição

A última coisa que pensou foi: perfeito. De uma hora para outra, era como tudo ficara: perfeito. Não havia preocupações, medos, ansiedades; apenas a sublime perfeição da falta de problemas, magicamente solucionados e terminados.

Nunca mais se preocuparia com a segurança dos filhos, ou ficaria ansioso com as suas possibilidades de futuro em um mundo globalizado de realidades líquidas eternamente mutantes. Não mais teria medo de sair nas ruas à noite – e muito menos de que a esposa descobrisse seu caso com a filha de vinte anos da vizinha. Não sofreria mais quando o time fosse mal no campeonato, nem se incomodaria com a sogra ou os cunhados. Nunca mais!

Ah, que pena sentia de todos aqueles ainda estavam presos aos seus afazeres mundanos! Que ainda ganhavam úlceras e dores de cabeça com os deveres e problemas que haviam em suas pobres vidas cotidianas! Não ele: nunca mais gastaria uma unidade de energia sequer para essas questões menores e tão desimportantes. Tudo o que deixava para trás, o fazia com gosto; nada havia ali que despertasse uma gota de saudade.

Alguns dias depois, enquanto seu corpo era fechado dentro da caixa de madeira e levado pelos amigos próximos em direção ao túmulo da família, muitos estranharam a expressão de tranqüilidade e satisfação que havia no seu rosto morto.


Sob um céu de blues...

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