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Yukikaze

yukikazeYukikaze, de Chohei Kambayashi, é outro da lista de maiores romances da ficção científica japonesa escolhida pelos leitores da revista SF Magazine, a mesma que elegeu Ten Billion Days and One Hundred Billion Nights, de Ryu Mitsuse, como o maior romance de FC japonesa de todos os tempos. Trinta anos após uma fenda dimensional na Antártida trazer para a Terra os alienígenas conhecidos como JAM, a contra-ofensiva unida das nações terrestres explora o planeta estranho que há do outro lado. É nele que o tenente Rei Fukai passa os seus dias em missões de reconhecimento, tendo como única companheira constante a aeronave Yukikaze, equipada com uma das mais avançadas inteligências artificiais já desenvolvidas.

Tão grande, e tão surpreendentemente contemporânea (para um livro publicado originalmente em 1984), é a miríade de significados do livro, que às vezes os mais óbvios podem ser os mais fáceis de deixar passar. Terminada a leitura, por exemplo, é preciso um exercício consciente de reflexão para se dar conta dos nomes: Faery, o planeta alienígena, e as Sílfides, o modelo de jato supersônico de última geração usado pela Força Aérea local, indicam um certo quê de conto de fadas no conflito, ou pelo menos na forma como ele é percebido para os terráqueos do lado de cá da fenda dimensional. O tema aparece desde o prólogo, com o excerto de uma obra de não-ficção fictícia (trocadalho intencional), até dois episódios em que jornalistas terrestres tentam entender algumas verdades por trás da guerra; e levam a uma discussão superficial, mas bastante instigante, sobre a guerra e o papel dos guerreiros. Ao se dar conta disso, é difícil não se pegar pensando nas guerras televisionadas que temos hoje, e a consequente idealização de conflitos e “guerras justas” que ocorrem tão distantes do público.

O tema que realmente domina o livro, no entanto, ainda que explorado dentro desse contexto militar, é o das inteligências artificiais, e o papel que sobra para a humanidade na medida em que o seu desenvolvimento avança. O ponto curioso é notar que ele vai na contramão das histórias que normalmente exploram o assunto: ao invés de humanizar as máquinas, e se questionar sobre a humanidade e a “alma” existente em um construto consciente, ela faz justamente o contrário, e se pergunta a respeito da desumanização das pessoas em um ambiente cada vez mais dominado pela tecnologia, em que a tomada de decisões é cada vez mais automatizada. Personagens constantemente se perguntam se, em meio à guerra contra um inimigo do qual sabem tão pouco, não estão de fato se tornando máquinas; ao mesmo tempo, na ponta inversa da balança, acabam desenvolvendo relacionamentos fortemente humanos com as máquinas que pilotam, incluindo sentimentos como ciúmes e desconfiança.

Além de parecer mais verossímil (convenhamos, um robô com consciência e sentimentos verdadeiros ainda parece muito fantástico para ser encarado sem estranhamento), há de se admitir que essa abordagem foi um golpe de sorte e tanto do autor: trinta anos depois, com o desenvolvimento atualmente promissor de drones e outras tecnologias militares desumanizadas, parece algo sobre o qual ainda vale a pena refletir e discutir. Ele próprio admite no posfácio, no entanto, que o livro representa idéias suas bastante datadas, e que, ao invés de mudá-las completamente em uma revisão, ele preferiu atualizar em uma continuação (Good Luck, Yukikaze, publicada em 1999).

A história é contada em um modelo episódico, em que cada capítulo contém os acontecimentos de uma determinada missão com início, meio e fim, como se fossem na verdade contos. Aos poucos, no entanto, pistas são jogadas para o leitor, formando uma trama maior, e também um tema maior, na medida em que as verdades ocultas sobre os JAM e quem eles realmente estão enfrentando começam a ser pincelados. O formato parece bastante com uma série de animação japonesa, na verdade – e não por acaso, a história foi de fato adaptada em uma série de filmes para vídeo (os populares OVAs – Original Video Animations) entre 2002 e 2005. Como texto, no entanto, é difícil não se confundir um pouco com a quantidade de siglas e termos militares específicos; mas não é algo também que dificulte demais a leitura.

De maneira geral, Yukikaze é uma obra muito instigante e provocante. Em meio a tantas obras de fantasia que parecem ser a preferência do público atualmente, mostra ainda o que pode haver de envolvente em uma ficção científica mais hard. E é um excelente cartão de visitas para a ficção científica japonesa como um todo também, fazendo parte da já mencionada (e extensamente resenhada) coleção de livros de gênero traduzidas para o inglês pelo selo Haikasoru.

Literatura de Aeroporto

Vinte e cinco anos. Esse foi o tempo que Rafael esperou por este momento – o momento de saber, enfim, como terminava a sua série de livros favorita. Atrasos, divisão de volumes, mesmo acidentes e problemas de saúde do autor, e o medo constante de que ele nunca completasse a história… Passou por tudo isso e algo mais, mas agora enfim a jornada chegava ao fim. Pouco menos de cinquenta páginas restavam – cinquenta páginas em que tudo se revelava, os verdadeiros vilões mostravam a sua cara, e as pontas soltas de sete volumes passados se encontravam e começavam a se fechar. O grande mistério que rondava os protagonistas desde o primeiro livro estava a ponto de ser desvendado; bastava virar mais uma página, ler mais uma frase. O vilão riu sadicamente… Assim ela começava, no exato instante em que o avião em que Rafael voltava para casa após um feriado prolongado se chocava contra oceano.

Celular

– Alô? – e o avião explodiu.

Fechamento

– Senhores passageiros, informamos que o aeroporto de Congonhas se encontra fechado, e que por isso estamos desviando a rota da aeronave para Campinas. O motivo alegado para o fechamento foi o de trollagem.

Epifania (4)

Sentava e lia uma revista econômica estrangeira, qualquer coisa sobre a crise do Euro e as fraudes na última eleição russa. Entre um gole e outro de água mineral sem gás, suspirava um tédio contagioso. Então, não mais que de repente, como que por mágica, se deu conta: era tudo tão óbvio! Fazia sentido agora, quando via por este ângulo. As coisas, o mundo, a vida… Tudo tinha o seu lugar, e ele agora o percebia. Como fora tão tolo até então? Estava tudo na sua cara, o tempo todo, bem embaixo do seu nariz!

Pensava já em tudo o que faria com esse conhecimento, as pessoas para quem o revelaria, os próximos níveis de iluminação que atingiria, quando as máscaras de oxigênio caíram do compartimento sobre a sua cabeça, e o avião em que viajava seguiu em queda livre até o oceano.

Caixa Preta

Todos aguardavam ansiosos pelos resultados da perícia da caixa-preta. Muitos ainda tinham a tragédia gravada forte na memória – a aeronave fora de controle durante o pouso, batendo com força contra a torre de comando. Centenas de mortos, famílias desconsoladas, procissões durante os funerais. E agora, quase um ano depois, era hora de saber o que havia acontecido.

O anúncio seria feito ao vivo, às oito horas da noite em ponto, simultaneamente em todas as emissoras de rádio e televisão de sinal aberto. Todos olharam ansiosos quando a programação foi interrompida, e muitos mesmo ligaram seus aparelhos no horário apenas para ver o pronunciamento. Do outro lado da tela, um homem engravatado, vestindo um terno de linho escuro, respirava profundamente antes de começar a falar.

– Analisamos os dados da caixa preta de todas as formas possíveis. – ele falava em um tom sereno, com um ritmo cuidadoso. – Acreditamos saber, enfim, qual foi a causa do acidente.

Todos os que assistiam prenderam a respiração, aguardando o anúncio que viria a seguir.

– Parece que alguém esqueceu de retornar a poltrona para a posição vertical durante o pouso…


Sob um céu de blues...

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