Arquivo para junho \30\-03:00 2013

Dungeons & Dragons: Chronicles of Mystara

D&D_Chronicles_of_MystaraAh, os fliperamas! Quem nunca atazanou os pais por fichas para jogar The King of Fighters com desconhecidos em ambientes escuros e sujos não sabe o que é jogar videogame de verdade. Sim, pois houve uma época em que eles não eram coisa de anti-sociais fechados em seus quartos, mas podiam ser um instrumento importante de socialização e criação de novos amigos – ainda que em geral os pais se preocupassem muito com que tipo de amigos seriam esses que frequentariam esse tipo de ambiente…

Dentre os muitos gêneros que marcaram a história dos fliperamas, estão os chamados beat ‘em ups, os famosos jogos de pancadaria desenfreada em que você e até três amigos recém conhecidos (ou até cinco um caso muito especial) andavam por um cenário genérico, geralmente da esquerda para a direita, batendo em meliantes e inimigos em geral até encontrar o chefe da fase, em quem vocês tinham que bater por um pouco mais de tempo para vencer. Para pegar o espírito geral, recomendo uma olhada no RPG indie Beat ‘em Up, que o adaptou de forma muito legal. Muitas séries hoje clássicas começaram assim: Final Fight, Streets of Rage, Captain Commando… Outros tantos jogos de franquias de outras mídias que se tornaram clássicos também o adotaram, como o famoso jogo das Tartarugas Ninja, o dos Simpsons, e o primeiro crossover de Aliens X Predador.

E além destas, há também o RPG mais conhecido do mundo, Dungeons & Dragons. Dois jogos foram produzidos com a licença da franquia pela Capcom, Tower of Doom e Shadow Over Mystara, que usavam como ambientação o cenário clássico Mystara. São estes dois jogos que agora foram relançados com gráficos em HD no pacote Dungeons & Dragons: Chronicles of Mystara, disponível para compra on-line através de serviços como a PlayStation Store e a Steam.

O estilo de jogo em si não muda muito daquilo que já foi descrito: você deve escolher um personagem entre os clichês típicos das histórias de fantasia – Tower of Doom possui quatro opções: um guerreiro, um clérigo, um anão e uma elfa; e Shadow Over Mystara possui mais duas além destas: um mago e uma ladra -, e então partir enfrentando as hordas de inimigos, que aqui são compostas pelas criaturas típicas do gênero também – então ao invés de meliantes e gangues, você estará batendo em goblins, kobolds, esqueletos e elfos das sombras, entre outros. Ao final de cada fase, um chefe, também de criaturas tradicionais – mantícoras, quimeras, trolls e pelo menos um dragão vermelho em cada jogo que rende uma batalha espetacular que não faria feio se estivesse em Demon’s Souls.

Claro, estamos falando de D&D, e houve na época um cuidado especial para que os fãs do RPG reconhecessem elementos dele durante o jogo. Isso talvez tenha sido o que realmente fez com que eles fossem títulos marcantes e únicos dentro de um mar de outros tão parecidos: havia acúmulo de experiência e passagem de nível entre as fases; alguns dos personagens tinham acesso a feitiços especiais, e mesmo os outros podiam eventualmente encontrar anéis de mísseis mágicos ou equivalentes; toda a coleta de tesouros como jóias, moedas de prata e ouro e afins, que podiam ser usadas para comprar itens especiais; a possibilidade de escolha de caminhos diferentes em algumas fases; e daí por diante. Shadow Over Mystara vai ainda mais adiante nisso, e disponibiliza até mesmo algumas armas diferentes aos personagens marciais. Somado a enredos que poderiam ter saído de uma mesa de jogo – leia-se, “grupo de aventureiros enfrenta monstros reunidos por mago maligno para atacar o reino” -, e se tem praticamente duas campanhas de RPG tradicionais transpostas para a tela eletrônica.

Além de trazer de volta os dois clássicos, a versão remasterizada também adicionou um bocado de coisas legais que fazem o pacote realmente valer a pena. Há diversos extras a serem descobertos – além de alguns troféus/achievements, há lá diversas artes originais que você abre com pontos adquiridos durante o jogo, e também algumas “house rules” que você pode adicionar para embaralhar as coisas um pouco. A principal adição, no entanto, foi certamente a possibilidade de jogar online, entrando no jogo de outra pessoa ou criando o seu próprio para outros entrarem. Para um gênero que se fez em cima de jogos cooperativos, não havia como prescindir de algo assim. Acho que o único contra mesmo é que o fato de haver continues infinitos meio que mata o desafio do jogo; mesmo assim, ainda há muita diversão nostálgica ao lado de desconhecidos a se ter.

E há algo mais a se pedir além disso? Na verdade, acho que sim: fiquei sonhando agora com uma versão em HD e com suporte online do velho beat ‘em up dos X-Men (que eu sei que está disponível para compra na PlayStation Store também, mas é só a versão clássica sem adicionais)… Em todo o caso, serve também como um ótimo aquecimento para enquanto O Desafio dos Deuses não fica pronto.

Para não dizer que eu não falei do Mandela

Nelson MandelaTodo esse morre-não-morre do Nelson Mandela me lembrou uma reflexão que eu fiz tempos atrás sobre a morte de outro grande contemporâneo, o escritor José Saramago. Na época ela acabou ficando no meio de um longo pensamento sobre a última Copa de Mundo, a de 2010, justamente, olha só, na África do Sul. Acho que posso citar ela toda aqui, já que é uma reflexão que vale bastante para o caso do Madiba também.

E então chegamos ao outro assunto do fim de semana, a morte de José Saramago, primeiro (e acredito que até o momento único) escritor de língua portuguesa a ser premiado com o Nobel de literatura. Confesso que nunca li realmente qualquer obra dele, embora haja algumas em particular que me interesse em conhecer – em especial, História do Cerco de Lisboa. Mas já li entrevistas e alguns ensaios curtos perdidos pela internet, e não posso dizer que não admirava algumas das suas ideias.

Saramago tinha 87 anos, e, portanto, já não era exatamente um jovem. Sua carreira como escritor já estava consagrada, inclusive com adaptações cinematográficas de algum sucesso, então podemos dizer que ele certamente já havia dado a sua contribuição para a vida cultural e intelectual do mundo. Há sempre aquela expectativa de que ele pudesse dar mais, é claro, sobretudo se lembrarmos que não muito tempo atrás ele estava lançando Caim, seu último romance. Mas pessoas também morrem todo dia, principalmente pessoas velhas – e, mesmo assim, não faltaram as viúvas inconformadas, se perguntando nos twitters da vida por que se vão os escritores bons quando a Stephanine Meyer continua por aí (acredito, mas posso estar errado, é claro, que a juventude dela possivelmente lhe dê uma saúde um pouco mais estável).

Acho que, no fundo, todos temos alguma esperança inconsciente de que o mérito possa vencer a morte. A mortalidade do homem sempre foi um mistério estranho – é um grande problema filosófico (como viver sabendo que irei morrer?), além de uma situação esquisita (como acordar um dia e de repente não encontrar mais alguém que sempre esteve com você?), e acho que todas as religiões sempre tentaram oferecer uma resposta, transformando-a na passagem para um plano superior ou uma nova vida em outra encarnação ou qualquer outra coisa que permita alguma possibilidade de fuga. Alguém já disse por aí que o que nos difere de um animal comum é justamente  essa consciência da morte, muito embora eu realmente não saiba como os cachorros e os gatos foram questionados sobre o assunto. Arrisco até a dizer que algumas das dificuldades da ciência em enfrentar as crenças religiosas têm a ver com isso – a ciência pode te explicar como o seu corpo funciona, mas não tem ainda uma boa resposta para por que (ou pra que) ele funciona, e nem por que ele deve morrer um dia.

Talvez por isso a morte de alguém como o Saramago cause este tipo de comoção, mesmo quando já estava em uma idade em que ela deixa de ser uma surpresa. Não nos apoiando mais na religião para entendê-la, afinal, o que nos resta? É mais fácil imaginar que as pessoas que nos interessam e que admiramos estarão sempre por aí, e não pensar sobre o que vai ser quando se forem. E, numa sociedade que tenta ser individualista e meritocrática, pode ser reconfortante acreditar que alguma entidade transcedental de justiça cósmica concederia a vida eterna a alguém que fizesse por merecer. Claro, há quem diga que as grandes obras sobrevivem ao seu autor, conferindo a ele algum grau de imortalidade, mas então eu rebato com aquela genial citação a Woody Allen: Eu não quero alcançar a imortalidade pela minha obra. Eu quero tornar-me imortal não morrendo.

Por acaso, estou lendo atualmente um livro chamado Singularity Sky, do escritor inglês Charles Stross. É uma ficção científica bastante interessante, que tenta especular sobre a sociedade e a tecnologia do futuro a partir de teses e idéias científicas mais contemporâneas, com direito a espaçonaves quânticas e uma extrapolação genial das ciências da informação. E uma das tecnologias maravilhosas do futuro criado pelo autor trata justamente de técnicas de rejuvenescimento, capazes de tornar um ser humano efetivamente imortal. No entanto, por todas os problemas sociais e ambientais que uma civilização de imortais traria, uma das poucas regras com que todas as nações da Terra concordam sem restrições é justamente a de limitar o acesso a tais tecnologias; assim, apenas se qualificam candidatos que tenham feito grandes contribuições para a humanidade, ou que por acaso tenham funções importantes a cumprir nos governos e organizações que têm acesso a elas. Não deixa de ser uma especulação interessante, a ideia do mérito capaz de vencer a morte.

Em todo caso, é também uma reflexão curiosa que se pode fazer.

The Sacred Book of the Werewolf

sacred werewolfVictor Pelevin é um dos principais autores russos contemporâneos. Ele se encaixa naquelas correntes pós-modernas e pós-realistas que tem sido bastante prolíficas ultimamente, algo assim como um Haruki Murakami que escreve em cirílico. No caso de Pelevin, muitos dos seus livros se estruturam mesmo como romances de ficção científica e fantasia, com universos e desenvolvimentos dentro dos paradigmas de gênero, e tendo como cenário o ambiente da Rússia urbana moderna, além ainda de um bocado de religiosidade oriental jogada na mistura.

The Sacred Book of the Werewolf é um dos sues livros mais conhecidos. Ele conta a história de A Hu-Li, uma licantropo-raposa chinesa de dois mil anos, praticamente uma versão contemporânea da clássica kitsune do folclore japonês (e me perdoem se eu não conheço o nome chinês para usá-lo aqui no lugar). Trabalhando como uma prostituta de luxo na Moscou contemporânea, ela acaba tendo que entrar em um período de baixa visibilidade após um problema com um cliente. É nesse ínterim que ela conhece Alexander, um lobisomem que é também uma figura importante na indústria petrolífera russa; e é claro que a partir as coisas começam a ficar realmente complicadas para ela.

Se a premissa básica daria um bom suspense sobrenatural, na verdade há pouco de thriller aqui e muito mais de um romance filosófico. A Hu-Li é culta e traz consigo dois milênios de tradições orientais clássicas, e a sua busca pessoal pela iluminação é um tema constante que tanto abre como fecha a história. Há espaço para parábolas e mesmo uma profecia a ser cumprida, enquanto ela e uma irmã trocam confidências espirituais.

Como eu disse anteriormente, Pelevin está mais próximo de uma ficção de gênero propriamente dita do que, digamos, um Murakami. Há uma certa fixação na construção e exposição de cenário, explicando detalhes do funcionamento de poderes sobrenaturais que os protagonistas possuem. O tom é o de uma pseudo-ciência, e eu pessoalmente achei mesmo um tanto gratuito. Isso na verdade diminui os temas maiores do romance, e torna-se às vezes um tanto entediante. Lá pelo meio do romance algumas passagens e diálogos entre os personagens chegam mesmo a se confundir com um romance de costumes, e isso no mau sentido – eles discutem trivialidades e coisas sem importância, com aquele tom de uma novela global.

Outro problema é mais específico, e diz respeito à relação que A Hu-Li estabelecer com seu par Alexander; me perdoem se por acaso acabar entrando em spoilers aqui. O seu primeiro encontro envolve uma certa violência íntima (um estupro, pra não dissimular), que o autor prontamente se põe a justificar de ambos os lados, e a diminuir o seu impacto físico e psicológico sobre a protagonista com toda aquela pseudo-ciência que eu citei no parágrafo anterior. Conforme a trama segue e os dois vão ficando mais próximos, a sombra desse primeiro acontecimento, por mais que seja esquecido por ambos, continua lá, e é difícil que ele não incomode um leitor mais crítico. No fim, tendo isso em mente, e mesmo que ele tente falar de temas mais amplos, é difícil não enxergar o livro todo como uma apologia à síndrome de Estocolmo.

Isso acaba sendo o que realmente marca negativamente o livro, mesmo que no resto ele seja um livro bem escrito e com sua dose de passagens interessantes. Recomendo com ressalvas.

O Oceano no Fim do Caminho

oceano-no-fim-do-caminhoUm homem de meia-idade volta à sua cidade natal natal no interior da Inglaterra para um funeral. Para fugir de conhecidos e conversas indesejadas, acaba se desviando para uma velha propriedade que havia no fim da sua rua, onde se lembrava morar uma velha amiga, uma das poucas que tivera na infância. Ao sair pelos fundos e encontrar um velho lago, no entanto, as memórias suprimidas de quarenta anos antes começam a retornar, junto com todo o terror e a culpa pelo que se passou.

Essa é a premissa básica de O Oceano no Fim do Caminho, novo livro de Neil Gaiman, anunciado como o seu retorno à literatura “adulta” depois de algumas muito bem sucedidas incursões pela infanto-juvenil. O romance se passa em um universo típico do autor, em que o nosso mundo moderno (ou, no caso, de algumas décadas atrás) se mistura com acontecimentos fantásticos e personagens maiores que a vida. E é um mundo bastante envolvente e único, como de costume – achei que ele possui mais de um realismo mágico, como em todos os clássicos autores latino-americanos, e com um certo quê de conto de fadas contemporâneo, do que da sua típica fantasia urbana; mas é repleto de magia e encantamento da mesma forma.

A história em si também é bem encadeada, com personagens marcantes, e, numa demonstração bastante clara do autor de crescimento técnico, não cai naquela mesma armadilha de tantas obras anteriores, em que há um mundo fantástico e cheio de vida mas que você conhece por meio de um enredo fraco, que não se sustenta até o fim. A trama aqui, ao contrário, é envolvente, e mais do que uma vez até bastante assustadora, e tem um desfecho daqueles de partir o coração – quase que literalmente, aliás.

Acho que o grande problema mesmo é aquele ponto do livro se anunciar como uma obra de literatura “adulta.” Numa ânsia de deixar isso claro, Gaiman acaba colocando algumas situações gratuitas que parecem estar lá apenas para justificar essa classificação, e destoam do clima geral de todo resto. É como se fosse um aviso de “olha só, tem uma cena de sexo, então não é um livro para crianças, ok?,” mesmo que seja a única em todo o livro (e me lembre um continho recente meu), não tenha uma função muito bem definida, e que o resto da trama se desenvolva em um universo infantil, ou no máximo juvenil, com personagens e situações que seguem as leis próprias deste tipo de história. Não é necessariamente um grande defeito, mas causa um pouco de estranhamento.

Mas o fato é que, esse pequeno detalhe à parte, O Oceano no Fim do Caminho ainda é um livro bastante envolvente e cativante. Ele trata com bastante propriedade da nostalgia da infância, e nos faz parar para pensar no quanto ela ainda nos influencia e define os parâmetros mesmo da nossa vida adulta. Talvez seja mesmo o seu melhor livro desde o clássico Deuses Americanos.

A Revolta das Coxinhas

coxinhaA padaria entrou em alvoroço quando as coxinhas se revoltaram. De uma hora para outra todas se recusaram a cumprir com seus deveres e começaram a organizar piquetes nas estufas. Sequer podiam ser cozinhadas: a receita poderia ser seguida à risca, acompanhada por chefs renomados, e ainda assim saíam errado. Haviam, ainda, as vândalas, coxinhas mau intencionadas que, se se permitiam ser cozinhadas, queimavam a língua e a boca dos clientes na primeira oportunidade.

Diziam que era uma revolta contra tudo aquilo que estava ali. Protestavam contra os serviços de tele-entrega, que não eram confortáveis, as caixas não eram adequadamente ventiladas, e além de tudo ainda cobravam absurdos seis reais como taxa de entrega. A situação das estufas, então, era deplorável: sucateadas, velhas, caindo aos pedaços. A cozinha não era melhor – suja, sem as mínimas condições higiênicas, e, o pior, ainda foi anunciado que a padaria pretendia contratar chefs estrangeiros para preparar os pratos.

Os outros lanches, na verdade, haviam se antecipado a essa revolta. O protesto contra a tele-entrega havia começado entre os pães de queijo. As empadas também já possuam muitas reivindicações em pauta, como a melhora das condições das estufas e das cozinhas. E os croissants, trazendo seus conhecimentos teóricos da gastronomia francesa, também se juntaram à luta. Mas todos se entreolharam abismados quando as coxinhas se juntaram a eles.

A revolta começou a perder momento. Com a força com que as coxinhas tomavam o movimento, os demais passaram a questionar suas posições, e refletir sobre pelo que estavam realmente lutando. Teorias conspirarias começaram a surgir. No fim, ninguém queria era se misturar com lanches tão simplórios como as coxinhas, sem todo o refinamento e técnica adquirido em workshops e cursos superiores, e nem gastar o tempo necessário para aprimorá-las e melhorá-las.

E assim sobraram apenas as coxinhas nos protestos, que foram prontamente eliminadas do cardápio. O que ninguém lembrava é que, simplórias que fossem, elas eram também os lanches mais populares e que mais vendiam entre os clientes. Sem a sua principal receita, a padaria foi rapidamente à falência e fechou.

Um Réquiem para a Representação Política

bandeira-vermelhaA bandeira do meu partido
Vem entrelaçada em outra bandeira,
A mais bela, a primeira,
Verde-e-amarela, a bandeira brasileira.

Você pode discordar completamente da ideologia de um partido como o PC do B, ainda mais levando em consideração a sua história e representantes mais recentes, mas não dá pra negar que esses versos do seu hino são lindos. Colocar a bandeira do seu partido junto à bandeira nacional – uma forma de demonstrar que, independente das idéias que você defenda, acima de tudo o que você quer é o bem do país, e apenas acontece de você acreditar que tais ideias são o melhor para ele.

Acho que hoje, no entanto, alguém (ou alguma revista semanal) poderia ver estes versos de outra forma. Afinal, você está levantando a bandeira do seu partido tão alto quanto a bandeira nacional; é um exemplo claro da submissão da nação à ideologia! Saia já daqui, seu mensaleiro oportunista!

O ponto é que, ao ver as notícias das manifestações ao redor do país, tem me chamado um bocado a atenção a forma como eles repudiam agressivamente qualquer tentativa de associação com partidos políticos. A função dos partidos, afinal, deveria ser justamente esta – assumir as demandas da população e levá-las para o debate político. É assim que funciona (ou deveria funcionar) o sistema de representação que é a base da democracia moderna.

No entanto, também não dá pra simplesmente discordar da atitude dos manifestantes. A verdade é que eles têm razão. O sistema partidário brasileiro está tão deslegitimado que se associar com ele de qualquer forma diminuiria o movimento, e o faria ser visto como massa de manobra, joguete político ou apenas partidarismo descarado mesmo; seria um descrédito para as próprias demandas que eles estão fazendo. E quem se enfiou nesse buraco foram os próprios partidos, que em apenas trinta anos conseguiram acabar com todo o crédito adquirido nas lutas pela abertura política.

Todos os partidos têm um pouco de culpa no cartório. Isso tem a ver com o nosso sistema eleitoral proporcional surrealista, em que o seu voto em um candidato pode ajudar a eleger outro completamente diferente, que talvez sequer pertença ao mesmo partido (pois ele pode estar em uma coligação). Tem a ver com a forma como partidos como o PC do B, PSol e o PSTU se apropriam da política sindical e estudantil, usando-a como plataforma para lançar seus candidatos, e minando a própria credibilidade destes movimentos. Tem a ver com a forma como o próprio PT fez a mesma coisa no passado para crescer e adquirir relevância política – e, tão logo se lançou a voos mais altos, esqueceu completamente da sua base histórica, e o reflexo disso já pôde ser sentido nas últimas eleições municipais, como em Porto Alegre, por mais de uma década reduto eleitoral PTista, que no último ano elegeu uma mísera vereadora para o partido. E tem muito a ver também com a forma como praticamente todos os demais partidos, seja o PSDB, o PMDB, o PP, o DEM/PFL/PSD/qual seja a sua sigla atual, se apropriam da política nacional, tratando-a como um bem particular.

Chegamos a um ponto em que um partido nada mais é do que uma sigla, um conjunto aleatório de letras sem nenhum significado ou valor além de reunir qualquer número de pessoas com um mínimo de interesses comuns. Vejam só: o Partido dos Trabalhadores é formado por empresários; o do Movimento Democrático Brasileiro é autoritário; o da Social-Democracia Brasileira é neoliberal (e se você não entende como isso pode ser uma contradição, vá estudar história e ciência política, diacho); o Progressista é um dos mais reacionários; o Democratas possui as mesmas características, incluindo ideologias e até o viés religioso, dos republicanos norte-americanos; e eu poderia ir adiante.

Resumindo, o sistema partidário brasileiro está moralmente falido, e com ele o próprio sistema de representação política. O futuro talvez seja o que estamos vendo agora: a política da ruas, em que, ao invés de delegar um representante, é o próprio povo que declara diretamente suas demandas. Seria lindo, embora me pareça pouco prático (imagino se toda votação de orçamento tivesse que ser decidida com passeatas de apoio ou repúdio…). Ou talvez sigamos um modelo de democracia direta, nos moldes do chavismo venezuelano, em que tudo é decidido por plebiscitos. O tiro pode até sair pela culatra, e daqui a pouco nós vermos uma resposta dos “donos do poder” faorianos com um retorno a um autoritarismo ainda mais incisivo.

Mas isso já é futurologia. Não sou bom com conjecturas, queria apenas fazer algumas reflexões. E a constatação a que cheguei é essa: a representação política morreu.

Vida longa à próxima política (seja ela qual for).


Sob um céu de blues...

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