A new weird é como é chamado um subgênero recente da literatura fantástica que tem tido um certo destaque nos mercados de língua inglesa na última década, comparado por alguns críticos ao cyberpunk dos anos 80, como se estivesse acontecendo hoje na fantasia a revolução que houve então na ficção científica. Claro que todo novo rótulo acaba sendo um pouco polêmico e questionável, ainda mais na new weird, que em primeiro lugar já nem é mais tão new assim, e ainda parte da premissa justamente de não reconhecer as barreiras entre gêneros e subgêneros; tem muito a ver com a mania dos editores de língua inglesa, norte-americanos principalmente, de encontrar um nicho para tudo, e com a necessidade dos autores de encontrar espaço em um mercado assim. Por outro lado, como destaca o organizador Jeff VanderMeer, ele próprio um autor identificado com o movimento, no prefácio desta coletânea sobre o tema, essa classificação passa a ter uma certa relevância quando se nota que muitos dos principais prêmios de literatura fantástica dos últimos anos foram entregues a autores de alguma forma identificados com ela.
E o que é a new weird, então? Fundamentalmente, é os autores de fantasia, horror e ficção científica tomando as rédeas das suas próprias criações, se recusando a seguir fórmulas prontas ou linhas editoriais ao escrever suas obras; eles não querem copiar Tolkien ou Asimov, não querem escrever sobre cavaleiros nobres enfrentando dragões nem robôs em crise existencial, muito menos sobre guerras intergaláticas ou buscas épicas por artefatos ancestrais capazes de salvar o mundo – querem, muito mais, voltar aos tempos seminais da revista Weird Tales, onde foram publicados nomes como H. P. Lovectaft e Robert E. Howard, quando tais distinções ainda não estavam tão enraizadas. A partir daí, no entanto, toda definição acaba ficando um pouco arbitrária, embora haja alguns elementos comuns que sejam marcantes, como: o cuidado técnico com a linguagem, maior do que é comum na literatura de massas; uma ênfase nos ambientes urbanos, diferente do ambiente rural típico das histórias de fantasia; o uso de uma estética grotesca e bizarra como forma de chocar e surpreender o leitor; o uso de analogias e metáforas para falar, a partir da fantasia, do nosso próprio mundo; e uma certa predileção por transpor barreiras de gênero, misturando fantasia, ficção científica, horror e outros rótulos como se tudo fosse a mesma coisa. Estas, ao menos, são as características que mais me chamaram a atenção ao ler os contos desta coletânea, ainda que nenhuma delas possa ser considerada como canônica e imutável – afinal, um gênero que parte da premissa de não seguir fórmulas prontas fica meio sem sentido no momento em que ele próprio se torna uma fórmula.
O livro é dividido em quatro partes. A primeira, chamada Stimuli, traz contos de autores anteriores à new weird que de alguma forma influenciaram os principais nomes do movimento, e é onde estão alguns dos melhores momentos da coletânea. Destaque para In the Hills, In the Cities, de Clive Barker, com uma bizarra competição entre duas cidades, facilmente a história que mais me impressionou em todo o livro (se algum conto neste livro merece a alcunha de weird, certamente é este); e Crossing Into Cambodia, do Michael Moorcock, uma releitura de O Coração das Trevas passada na terceira guerra mundial, claramente inspirada por Apocalipse Now. The Braining of Mother Lamprey, de Simon D. Ings, é outro bom momento, uma viagem de fantasia urbana caótica, com algumas das passagens mais bizarras e divertidas que eu já li em histórias fantásticas; bem como The Neglected Garden, de Kathe Koja, uma história de suspense bizarro à lá Stephen King.
A segunda parte, Evidence, é onde encontramos os autores identificados com a new weird propriamente ditos. Em geral, no entanto, não achei esta parte tão interessante quanto a anterior – há alguns bons momentos, principalmente nas histórias com monstros espantosos e bizarros, mas ela sofre um pouco daquele mal de coletâneas: as histórias são curtas demais para você se envolver o bastante com elas, e algumas são ainda longas demais para passar apenas por leitura de banheiro. Outro problema é que alguns dos contos são na verdade excertos de obras maiores, de forma que você fica bastante perdido sobre o que está acontecendo. Há alguns bons destaques, no entanto: Jack, de China Miéville, revisita o seu cenário tradicional de Bas-Lag para contar a história do maior herói da mertrópole New Crobuzon – é uma história interessante, que questiona o próprio papel de heróis em uma sociedade, mas não achei ela tão instigante e envolvente quanto os romances do autor; Watson’s Boy, de Brian Evenson, lembra aqueles contos e mundos labirínticos do Jorge Luís Borges; At Reparata, de Jeffrey Ford, apesar do ambiente medieval mais tradicional, tem personagens criativos, um monstro legal e uma história envolvente e cativante; The Ride From the Gabbleratchet, de Steph Swainston, mesmo sendo um excerto sem começo nem fim, vale pelos monstros e paisagens fantásticas; e The Gutter See the Light That Never Shines, de Alistair Rennie, apresenta uma cidade fantástica repleta de psicopatas bizarros.
A terceira parte, Symposium, é a mais decepcionante. A premissa era a de ter alguns autores e críticos comentando sobre a new weird, o que ela é e os seus elementos mais marcantes; na prática, no entanto, a maioria dos artigos acaba se estendendo demais em questionar e responder até que ponto vale a pena criar um rótulo novo e por que aderir a ele, repetindo os mesmos argumentos que já aparecem no texto que abre este pedaço do livro, este sim bastante interessante e relevante, uma transcrição editada das discussões entre autores no forum Third Alternative que levaram à criação do termo (e que podem ser lidas na íntegra, em inglês, aqui). A exceção fica para o ótimo texto de Darja Malcom-Clarke, Tracking Phantoms, que fala sobre alguns dos elementos que se tornaram identificados com o gênero, especialmente a estética do grotesco e a mistura de gêneros.
Por fim, fecha o livro o Laboratory, com a história Festival Lives, um experimento coletivo em que um grupo de autores de fantasia tradicional foram chamados a escrever em turnos uma história a partir do que eles entendiam como new weird. O resultado é interessante, embora sofra um pouco de falta de foco – cada escritor seguiu por um caminho diferente as idéias apresentadas pelos anteriores, adicionando elementos e personagens novos e avançando o enredo de forma indireta ao invés de linear. É um pouco estranho de acompanhar, mas no fim até que é uma leitura interessante, especialmente para quem gosta de cidades fantásticas e criaturas bizarras.
Em geral, The New Weird é um livro interessante para quem gosta de literatura fantástica e quer descobrir que é possível ser original e autoral dentro do gênero, fugindo daquela mesmice dos clones tolkenianos. Como toda coletânea de vários autores, é mais um ponto de partida do que de chegada, mas é um ótimo ponto de partida – eu, pelo menos, ganhei uma boa quantidade de autores para procurar assim que o dólar voltar a um patamar razoável. A grande decepção mesmo é perceber que um movimento literário tão prolífico lá fora não demonstra qualquer eco em terras tupiniquins, onde nenhuma obra associada foi lançada e poucos se propõem a escrever a partir das idéias que eles apresentam. Fica aí a bronca para as editoras nacionais.
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