Arquivo para março \31\-03:00 2016

Galak-Z: The Dimensional

jaquette-galak-z-pc-coverNostalgia é uma coisa engraçada. Às vezes me pego imaginando se todos os gostos que temos mesmo depois de adultos não são definidos muito cedo, e então passamos o resto da vida tentando resgatar os momentos em que os adquirimos. Como se pudéssemos parar o tempo e voltar à época em que passávamos o dia inteiro assistindo desenhos animados e se imaginando no comando de naves espaciais e robôs de combate. Existe mesmo toda uma indústria da nostalgia, que alimenta a cultura contemporânea de reboots e remakes, bem como uma infinidade de retroclones que buscam emular as séries originais que os inspiraram.

Galak-Z: The Dimensional (ou, no nome completo, Uchuu Senshi Galak-Z, o Soldado Espacial Galak-Z – e não, não tem nada a ver com chocolate branco) se fundamenta muito nesse tipo de nostalgia. Há um clima muito claro que ele quer emular no seu pastiche de roteiro e referências visuais: histórias de ficção científica de animes das décadas de 1970 e 1980. A inspiração mais óbvia é Macross/Robotech – as famosas saraivadas de mísseis, o caça espacial com turbinas propulsoras, até o almirante na ponte de comando -, mas pode-se pegar referências visuais a Gundam na versão mecha da nave (e é claro que ela se transforma em um mecha de combate); a Patrulha Estelar na USS Axelios, a sua nave-mãe; mesmo a Zillion na pistola que o modelo do personagem porta fora da nave.

Na verdade, o aspecto emulação vai bem além da narrativa, e pode-se ver que ele tenta recuperar um pouco da própria experiência de se assistir uma série vinte ou trinta anos atrás. O jogo todo é dividido em cinco “temporadas,” cada uma contendo cinco episódios (as fases propriamente ditas); e cada um deles tem mesmo um título aleatório gerado processualmente, e é “escrito” por um autor fictício. O próprio menu de pausa emula uma tela de VHS, remetendo à época em que a única forma de assistir certos animes era através de fansubbers com imagens tremidas. No fim, só senti falta mesmo é de uma abertura animada.

Claro, não deixe esse apelo ao saudosismo enganá-lo – o ponto em que o jogo realmente brilha é a jogabilidade. Novamente, ele tenta resgatar algo de clássicos do passado, baseando a sua mecânica básica em Asteroids, com o uso de botões de propulsores dianteiros e traseiros (e um terceiro lateral, usado para desviar de tiros inimigos) para movê-lo inercialmente pelo vácuo espacial. Já nas fases, ele acaba seguindo o modelo de um roguelike, com mapas gerados processualmente a cada partida e preenchidos com upgrades e power-ups, representando cavernas em asteroides ocos, cruzadores abandonados ou esconderijos de piratas espaciais. Mesmo os objetivos a serem cumpridos são definidos aleatoriamente, com exceção do último episódio de cada temporada.

Todos os elementos são executados com precisão milimétrica, e o resultado é uma experiência de jogo muito gratificante. Você logo aprende que planejamento é fundamental, usando a inércia do movimento para percorrer espaços sem ser detectado – afinal, como estamos falando de ficção científica oitentista, aqui o som se propaga no vácuo. E quando um combate ocorre, você pode esperar que as coisas fiquem bem caóticas rapidamente, em especial até você pegar o jeito dos controles.

Uma vez que comece a entender como o jogo funciona, é fácil encontrar meios criativos de vencer um grupo de inimigos: desde o combate frontal, passando por surpreendê-los por trás, até usando o próprio cenário contra eles, lançando-os contra barris explosivos ou espinhos nas paredes de asteroides. Em último caso, você pode até mesmo lançar as três facções de inimigos – tropas imperiais, piratas espaciais e insetos mecânicos – umas contra as outras, enquanto dispara em meio ao caos, destrói/captura o objetivo, e sai voando pelo outro lado da tela!

Essa jogabilidade tão bem executada é uma das coisas que evita que o jogo se torne frustrante, uma vez que ele é bastante difícil. Se você morre em uma fase, precisa reiniciá-la do começo, perdendo todos os power ups acumulados; você apenas os mantêm entre um episódio e outro, zerando-os a cada começo de temporada. A pegada é um pouco arcade, voltada para o jogo casual, e como as fases não tendem a ser muito grandes, você raramente sente que perdeu muita coisa. Mas há um modo avançado, chamado Rogue, em que você deve vencer uma temporada inteira de uma só vez (talvez como uma espécie de binge-watching?), recomeçando-a do primeiro episódio a cada morte.

Enfim, a verdade é que sou um pouco suspeito para falar aqui, marcado que sou pelas tardes assistindo Robotech na Sessão Aventura e me imaginando no comando de um caça de combate espacial. Galak-Z realmente é um jogo que te pega pela nostalgia. Mas então te prende pela jogabilidade perfeitamente executada, e os combates espaciais caóticos e incrivelmente divertidos. Para quem se interessa por aventuras espaciais e clima retrô, há muito o que gostar.

White Noise, de Don Delillo

– Não se preocupe comigo. -, ele disse. – Mancar não significa nada. Pessoas da minha idade mancam. Mancar é algo natural em uma certa idade. Esqueça a tossida. É saudável tossir. Você movimenta a coisa. A coisa não pode machucá-lo desde que não pare em um só lugar e fique lá por anos. Então tossir está ok. O mesmo para a insônia. A insônia está ok. O que eu ganho dormindo? Você chega a uma idade em que cada minuto dormindo é um minuto a menos para fazer coisas úteis. Para tossir ou mancar. Não se preocupe com as mulheres. As mulheres estão ok. Nós alugamos um filme e fazemos sexo. Isso bombeia o sangue para o coração. Esqueça os cigarros. Eu gosto de falar para mim mesmo que estou escapando com algo. Deixe os mórmons largar o fumo. Eles morrerão de algo tão ruim quanto. O dinheiro não é problema. Estou tranquilo em termos de renda. Nenhuma pensão, nenhuma poupança, nenhuma ação ou título. Então você não precisa se preocupar com isso. Tudo está resolvido. Não se preocupe com os dentes. Os dentes estão ok. Quanto mais soltos estiverem, mais você pode mexer com eles com a língua. Isso dá à língua algo para fazer. Não se preocupe com a tremedeira. Todo mundo tem uma tremedeira de vez em quando. É apenas a mão esquerda, de qualquer forma. A forma de aproveitar a tremedeira é fingir que é a mão de outra pessoa. Não se preocupe com a perda repentina de peso. Não há razão para comer o que você não pode ver. Não se preocupe com os olhos. Os olhos não podem ficar pior do que estão agora. Esqueça a mente completamente. A mente vai antes do corpo. É assim que deve ser. Então não se preocupe com a mente. A mente está ok. Se preocupe com o carro. A direção está ruim. Os freios foram trocados três vezes. O capô salta em terrenos esburacados.

Essa citação ainda me dá calafrios.

Final Fantasy XIV: A Realm Reborn

ffxivEu sou fanboy de Final Fantasy, sou obrigado a admitir. Talvez seja a série que mais me acompanhou na minha vida de gamer, e é responsável por muito do apelo que os RPGs eletrônicos japoneses têm sobre mim. Dos jogos da linha principal, os únicos que não havia jogado eram os dois que adotaram o formato de RPGs massivos online, o XI e o XIV; mas, um pouco pelo hype da espera pelo Final Fantasy XV (que deve sair esse ano, finalmente, após dez anos em produção), um pouco pelo fato de que o jogo em disco tem sido vendido por menos da metade do preço de um jogo normal do PlayStation 4, achei que podia dar uma chance ao Final Fantasy XIV: A Real Reborn. Esse texto relata um pouco da minha experiência.

É importante destacar que eu nunca havia jogado um MMORPG antes. Tenho muitos amigos que jogam World of Warcraft ou o The Lord of the Rings Online, mas eu mesmo tinha arranjado um jeito de ficar alheio a eles por todo esse tempo. Como já relatei outra vez, videogames sempre tiveram um certo ar de experiência solitária para mim, ou no máximo de jogo multiplayer local (os fins de semana jogando King of Fighters com amigos), de forma que jogar online nunca me teve muito apelo. De maneira geral, no entanto, não o achei muito complicado de entender, mesmo com a minha total inexperiência com o gênero.

Uma das coisas que me chamaram a atenção no jogo, na verdade, foi justamente que na maior parte do tempo eu não me sentia jogando online. Podia ver outros jogadores correndo pelo cenário, e eventualmente me juntava a eles para matar uns monstros e resolver um Fate, uma missão aberta à participação de todos; mas não parecia nada muito diferente do que me juntar a NPCs para cumprir uma missão em um jogo offline. Isso para mim acabou sendo positivo, já que eu estava mais interessado no jogo em si do que na comunidade.

A única parte em que a formação de um grupo de jogadores é mandatória é na exploração de dungeons e alguns chefes especiais, sendo que a primeira só apareceu quando eu já estava uns bons quinze níveis dentro da história. Mesmo assim, uma ferramenta no próprio jogo me permitia entrar numa espécie de sala de espera, enquanto buscava outros jogadores sem grupo para começar a exploração.

É claro, podia ver que havia várias outras opções de interação para os que queriam: leilão de itens, arenas PvP, formação de companhias de aventureiros. Logo que o jogo começou, aliás, recebi um convite para uma dessas companhias formada por outro jogador iniciante. Pela falta de opção melhor, aceitei; mas então praticamente esqueci da sua existência, e juro que não saberia dizer quem são os meus colegas de equipe.

Na maior parte do tempo, o que eu fazia era andar pelos cenários atrás de quests e explorar os pormenores do mundo Eorzea. É um cenário bem interessante: achei muito curioso como ele parece ter sido feito tão obviamente para apelar à memória afetiva dos fãs, como uma espécie de mega-pastiche de elementos de jogos clássicos. Além dos mais óbvios como chocobos, black mages e dragoons, há também coisas mais específicas, como armaduras magitek de Final Fantasy 6, as materias e a Gold Saucer de Final Fantasy 7, e o jogo de cartas Triple Triad de Final Fantasy 8. Se um fã que jogou todos os jogos criasse um cenário de RPG assumidamente inspirado pela série, provavelmente o resultado seria bastante parecido.

A própria quest principal parece ter sido escrita com esse espírito. Fundamentalmente, ela envolve o confronto com diversos Primals, seres sobrenaturais invocados e adorados por povos selvagens como deuses, e que correspondem às summons clássicas da série, como Ifrit, Shiva e Ramuh. Um deles, Bahamut, foi invocado cinco anos antes do começo do jogo, pondo fim a um confronto entre as três cidades-estado de Eorzea e o Império Garlean que tentava invadi-las (uma referência à versão anterior do jogo, que precisou ser reformulada nesta após ser tão duramente criticada por vários bugs que quase levou à falência da empresa), e causando a grande destruição conhecida como a Calamidade. Enquanto lida com a ameaça dos outros Primals, assim, você também deve ajudar na reconstrução do mundo, lidando com toda sorte de problemas envolvendo refugiados da tragédia e aqueles que tentam explorá-los. Curiosamente, achei que isso deu ao jogo um tom incrivelmente atual, e se o roteiro tivesse sido escrito nesse ano (a versão reformulada é de 2013, na verdade) poderia ser confundido mesmo com uma crítica social.

De maneira geral, no entanto, nem sempre ele me pareceu muito bem escrito. Além do uso óbvio de clichês e enredos para apelar aos fãs, os próprios diálogos algumas vezes parecem simplórios e caricatos, como se tivessem sido escritos às pressas e sem muito cuidado. Algumas vezes chega a soar como uma fanfiction, ou um roteiro rascunhado rapidamente por um mestre para uma campanha de RPG de mesa; mas pela minha própria inexperiência, vou dizer que não sei até que ponto isso é devido aos pormenores da narrativa de um MMORPG, e as suas diferenças para um jogo linear offline. Mesmo assim, é uma história interessante ao seu próprio modo, ao menos para alguém que cresceu jogando a série.

Na soma de tudo, a verdade é que gostei da minha experiência com o jogo. Ele parece muito claramente feito para que um fã de longa data se sinta em casa, e, para quem conhece a série, é difícil não perceber e se sentir assim mesmo – até o Nobuo Uematsu foi chamado novamente a compor a trilha sonora, dando um ar ainda mais clássico. A parte realmente frustrante é ser obrigado a pagar para continuar jogando após o meu período trial de 30 dias, mas, para falar a verdade, até fiquei com vontade de fazê-lo. Não agora, pois ainda estou com o orçamento um pouco apertado, mas terminei com uma vontade sincera de talvez pagar por mais um mês de jogo no futuro, para terminar de conhecer a história de Eorzea e o seu confronto com os Primals, e talvez até explorar um pouco a expansão Heavensward, que tem sido muito elogiada pela crítica especializada.

The Sacred Book of Werewolf, de Victor Pelevin

– Mas qual a diferença entre um membro da intelligentsia e um intelectual?
– Tem uma diferença grande. – ele respondeu. – Só consigo explicar alegoricamente. Você entende o que isso significa?
Eu assenti.
– Quando você era ainda muito pequena, haviam cem mil pessoas vivendo nesta cidade que eram pagas para puxar o saco de um dragão vermelho horrível, do qual você provavelmente não se lembra…
Eu balancei a cabeça. Uma vez na minha juventude eu havia visto um dragão vermelho, mas tinha esquecido como se parecia – a única coisa de que lembrava era o medo. Era improvável que Pavel Ivanovich tivesse aquele incidente em mente.
– Claro, essas cem mil pessoas odiavam o dragão, e sonhavam em ser governadas pelo grande sapo verde que o enfrentava. Então, enfim, chegaram a um acordo com o sapo, envenenaram o dragão com um batom que receberam da CIA e começaram a viver uma nova vida.
– Mas o que a intelig
– Espere. – ele disse, levantando a mão. – Inicialmente eles pensaram que com o sapo estariam fazendo exatamente como antes, mas receberiam dez vezes mais dinheiro. Mas acontece que ao invés de cem mil puxa-sacos havia apenas a demanda para três profissionais trabalhando em turnos de oito horas para dar ao sapo um boquete majestoso sem fim. E quais dos cem mil esses três seriam, seria decidido em uma competição aberta, na qual os candidatos deveriam não apenas demonstrar suas habilidades, mas também a capacidade de sorrir otimisticamente com os cantos da boca enquanto estavam trabalhando…
– Acho que perdi o fio da meada.
– Esse é o fio da meada. Essas cem mil pessoas eram chamadas de a intelligentsia. E esses três são chamados intelectuais.

(O livro é cheio de problemas, mas essa citação é ótima).


Sob um céu de blues...

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