Hoje em dia, quando se pensa na história do rei Artur, os primeiros livros que vêm à cabeça são, provavelmente, as Crônicas de Artur, do Bernard Cornwell, e talvez também As Brumas de Ávalon, de Marion Zimmer Bradley. Não tanto tempo atrás, no entanto, a principal referência literária para contá-las era The Once and Future King (ou O Único e Eterno Rei, como geralmente é traduzido por aqui), de T. H. White, e não são poucos os que ainda consideram esta a sua versão definitiva. Mais do que isso, ainda, ela é considerada por muitos como a obra de fantasia medieval definitiva; quando se fala em cavaleiros corajosos, magos poderosos e animais mágicos e encantados, é muitas vezes nas formas representadas nela que se está pensando, e é também freqüentemente citada em comparação quando se quer exaltar a qualidade de livros mais recentes do gênero, como, por exemplo, os da série A Song of Ice and Fire, de George R. R. Martin.
A história em si é dividida em quatro livros, que foram publicados separados antes de serem reunidos neste volume, e posteriormente foi lançado ainda um quinto, após a morte do autor. A grande pérola entre eles é, sem dúvida, o primeiro, The Sword in the Stone (ou A Espada na Pedra), que chegou a ser adaptado para o cinema no clássico da Disney A Espada Era a Lei. Ele conta a infância do jovem Artur, antes de ser reconhecido como o soberano da Inglaterra, e a sua educação pelo mago Merlin – cada capítulo ou grupo de capítulos relata uma das lições ministradas a ele, que freqüentemente envolvem a transformação do jovem em algum tipo de animal para aprender sobre um tema específico, como a hierarquia militar dos falcões, o vôo migratório das andorinhas, ou o totalitarismo orwelliano das formigas; às vezes, há até mesmo a participação de outros personagens literários clássicos, como Robin Hood. Outro destaque é a caracterização de Merlin, que geralmente rouba a cena quando aparece: como o mago que vive “ao contrário”, ele freqüentemente faz alusões ao futuro, citando descobertas científicas e acontecimentos posteriores, colaborando bastante com o tom de fábula, além ser um tanto atrapalhado com a sua mágica, resultando em alguns momentos bastante engraçados. Claro, é uma obra juvenil, e há quem vá se sentir um tanto enfadado com o tom lúdico e as lições de moral; mas há de se destacar que é uma boa obra juvenil, daquelas que sabem ser inocentes sem serem ingênuas, e, mesmo para quem for um pouco mais velho, é difícil não terminar alguns capítulos com um sorriso encantado no rosto.
A partir daí, no entanto, nos livros posteriores, esse tom de inocência e encantamento é gradualmente reduzido, enquanto a história de Artur, já coroado rei, vai se tornando menos mágica e mais trágica. O segundo livro, The Queen of Air and Darkness (A Rainha do Ar e das Sombras), trata já do ciclo arturiano clássico, com a guerra de conquista da Irlanda e dos clãs celtas. No terceiro, The Ill-Made Knight (O Cavaleiro Imperfeito), temos uma pequena mudança no foco narrativo, que passa para Lancelot e o seu romance proibido com a rainha Guinevere; é o outro ponto alto da obra: a caracterização do protagonista, ainda que com algumas licenças poéticas em relação às versões mais tradicionais, é belíssima, daquelas que realmente enchem a leitura e ficam marcadas na memória. Por fim, The Candle in the Wind (A Chama ao Vento) trata dos momentos finais dos personagens, com os conflitos entre Artur e o seu filho Mordred, terminando com uma longa reflexão do rei sobre tudo o que passou antes da última batalha.
Se a versão de Cornwell tenta criar uma atmosfera mais realista, quase histórica, e a de Bradley prefere tomar como protagonista a rainha celta subjugada por Artur, o que se nota antes de tudo na de White é que, apesar de algumas adições e licenças poéticas, se trata de uma leitura mais clássica da história, com os seus elementos mais conhecidos e tradicionais, inspirada sobretudo em Le Mort d’Arthur, do escritor medieval Sir Thomas Malory (que chega mesmo a fazer uma participação especial, aliás). O ambiente retratado é o da idade média, e algumas passagens do livro o colocam de fato no século XIII; quem for mais entendido de história medieval e estiver esperando um romance mais histórico pode se incomodar um pouco com isso, mas no fundo, como o tom é muito mais de uma fábula de fantasia, não dá pra considerar um defeito. De qualquer forma, outro ponto bastante envolvente é a extensa caracterização desse ambiente, em especial no primeiro livro, descrevendo em detalhes o dia-a-dia do castelo onde o jovem Artur vive, bem como atividades esportivas da época, como a arquearia e a falconaria.
O que acaba incomodando um pouco mais é a moral anti-bélica que o autor pretende dar à história, e sobretudo ao próprio rei Artur. A abordagem em si não é necessariamente ruim, e dá um tom interessante em alguns momentos, como na formação da Távola Redonda, por exemplo, e as razões levaram à sua decadência, além de permitir algumas boas reflexões filosóficas sobre a guerra e a natureza humana; no entanto, o fato de os seus protagonistas serem guerreiros, que têm nos combates e batalhas elementos importantes das suas vidas, acaba fazendo dela um pouco forçada em outros tantos, deixando os personagens com algumas contradições sérias. Em especial na última parte do livro, Artur parece ser um pouco passivo demais, ao ponto de se recusar a declarar uma guerra nem que, para isso, tenha que deixar os seus súditos guerrearem entre si. No fim, a impressão final que o livro passa é a de frustração e derrota, o que é um pouco curioso para um romance de aventura e fantasia.
Mesmo assim, The Once and Future King é um clássico, e merecidamente reconhecido como uma das principais obras da literatura fantástica do século XX. Em especial pela magia e encantamento do primeiro livro, bem como pelos seus personagens cativantes e caracterizações marcantes, é certamente uma recomendação.
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