The Melancholy of Mechagirl

mechagirlQuando se pensa em um(a) ocidental escrevendo sobre o Japão, em especial sob a ótica da fantasia e da ficção científica, é difícil não pensar no otaku gordo cheirando a salgadinhos de isopor destilando conhecimentos enciclopédicos sobre samurais, ninjas e videogames (alguém tipo assim como eu, digamos?). Mas a verdade é que a ode à cultura pop é apenas uma das muitas formas pelas quais um país pode entrar na vida de alguém, ou alguém na cultura de um país. Para Catherynne M. Valente, o Japão realmente representa muito mais do que olhos grandes e cabelos coloridos; é um pedaço inteiro da sua vida que está lá, desde quando, casada ainda jovem com um oficial da marinha norte-americana, foi obrigada a se mudar para uma base militar local. Se ele aparece com tanta frequência nas suas histórias, é porque há algo lá que a marcou profundamente, e que instiga os seus demônios internos sempre que é lembrado.

The Melancholy of Mechagirl é um pequeno apanhado de histórias e alguns poemas da autora que remetem de alguma forma à terra do sol nascente. O título é emprestado do poema que abre o livro, um devaneio sobre garotas que são obrigadas a receberem conexões intrusivas em seus corpos para pilotarem robôs gigantes, mas a verdade é que serve bem demais para descrever a própria impressão que se tem sobre a relação da autora com o país. Os dois primeiros contos propriamente ditos – Ink, Water, Milk e Fifteen Panels Depicting the Sadness of The Baku and The Jotai – são praticamente irmãos gêmeos nesta temática, retratando com ares autobiográficos o cotidiano de uma jovem estrangeira em uma terra estranha, lidando com a ausência do marido e a dificuldade de adaptação. Ao mesmo tempo, objetos e símbolos que ganham vida – um tema muito comum na mitologia e fantasia de origem oriental, e por isso mesmo recorrente nas histórias do livro – criam uma metanarrativa própria, observando ou às vezes interagindo e até criando, por meio da ficção dentro da ficção, a primeira.

É importante destacar que a maioria das histórias do livro não é original, tendo aparecido antes em outras coletâneas ou em outros formatos. One Breath, One Stroke, por exemplo, eu já havia lido em The Future Is Japanese, também publicado pela editora Haikasoru; mas é uma história tão única e tocante, que conta de forma tão bem executada e poética o amor impossível entre um pincel de caligrafia e uma mulher-caracol, que valeu a pena ser relida e fruída como se fosse a primeira vez. Outras histórias, no entanto, como a do videogame fictício Killswitch, perdem algo fora do seu contexto original, e parecem mesmo fugir do tema central da coletânea (de reunir histórias da autora que remetam ao Japão), tendo pouco que a relacionem com a cultura oriental além de um ou outro nome de personagem secundário.

Mas até aí, é algo esperado, talvez – é difícil construir uma obra consistente com histórias retiradas de fontes tão diversas, e pelo menos quando está nos seus pontos altos o livro realmente vale a pena. Outras histórias que me marcaram foram Thirteen Ways of Looking at Space/Time, em que a narração de mitos de criação de culturas diversas se confundem com o nascimento de uma escritora de ficção científica; e a pequena porém notável Ghosts of Gunkanjima, sobre uma ilha na costa japonesa marcada por uma história de crueldade durante a Segunda Guerra Mundial. E, claro, há a novela que fecha o livro, Silently and Very Fast, nomeada a diversos prêmios importantes lá fora, um pequeno épico que conta a história de várias gerações de uma família ligada algo mais do que intimamente com o surgimento das primeiras inteligências artificiais.

No geral, The Melancholy of Mechagirl é uma coletânea bastante singular. Valente tem um estilo único de escrever, e, mesmo quando o livro se encontra nas suas curvas mais baixas, você terá sempre uma prosa envolvente e poética, com frases sonoras e que parecem feitas para serem recitadas, mais do que apenas lidas. Desvendar a relação da autora com o Japão e a solidão que ele representa para ela é ainda um subtexto à parte, e que te leva a parar e refletir sobre os seus próprios demônios internos.

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Sob um céu de blues...

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