O Encontro Fortuito de Gerard van Oost e Oludara / A Travessia

Correndo o risco de me repetir, digo que considero a história brasileira – e das Américas em geral, na verdade – uma das mais ricas dentre as grandes nações do mundo, repleta de aventureiros desbravadores (no bom e no mau sentido) e epopéias fantásticas, com direito a mistérios lendários e criaturas maravilhosas. Quem torce o nariz devia dar uma olhada em relatos como os de Hans Staden ou Fernão de Magalhães, entre muitos outros; é só lembrar que a famosa frase aqui há dragões que marcam as terras desconhecidas em qualquer mapa de cenário de RPG por séculos descreveram o continente americano, quando era ainda uma massa desconhecida dos navegadores europeus. Eu mesmo já tentei explorar o tema em outras oportunidades, em rascunhos de mini-cenários como o Continente do Santo Elo e El Pampa.

É uma pena que às vezes seja necessário aparecer alguém de fora para que nós passemos a vê-la desta forma. No caso, falo de Christopher Kastensmidt, norte-americano que mora há mais de dez anos no Brasil (tanto tempo que admito ser um pouco de exagero meu chamá-lo de “alguém de fora”), e que logo percebeu todo esse potencial da nossa história. Assim, desenvolveu o mundo da Bandeira do Elefante e da Arara, onde se pôs a criar personagens e escrever contos tendo-a como inspiração. O Encontro Fortuito de Gerard van Oost e Oludara é o primeiro a ser publicado por aqui, relatando o primeiro encontro entre os seus dois personagens principais, um aventureiro holandês em busca dos tesouros e lendas do continente americano e um astucioso guerreiro africano que é trazido ao país como escravo e tem sua liberdade comprada pelo companheiro.

É uma história de origem, é claro, então não espere lá alguma grande saga onde o destino do mundo é decidido. O objetivo principal é o de preparar o terreno onde aventuras futuras possam ocorrer, apresentando o cenário e alguns personagens mais importantes. Mesmo assim, é um prato cheio para quem gosta de aventura e fantasia, apresentando tanto a América como a África como continentes mágicos e misteriosos, habitados por seres fantásticos e guardando tesouros lendários. Os dois protagonistas também são carismáticos e tem uma dinâmica interessante entre eles, lembrando algumas das grandes duplas das histórias de espada & feitiçaria, como o Fafhrd e Gatuno das Crônicas de Lankhmar.

Claro, não se pode dizer também que Kastensmidt tenha sido o primeiro autor a olhar a história brasileira desta forma. Um bom exemplo é o veterano Roberto de Sousa Causo, cuja história A Travessia fecha o volume. Nela é retomada a saga de Tajarê, índio pré-colombiano da floresta amazônica apresentado pela primeiras em alguns contos em edições ancestrais da revista Dragão Brasil, e também no livro A Sombra dos Homens. Como na história anterior, o continente americano aqui é mágico e repleto de seres fantásticos, de pequenos espíritos das florestas até jabutis tão grandes que carregam mundos sobre seus cascos, e é desbravado por um herói corajoso e másculo digno dos antigos pulps de espada & feitiçaria (ou, como o próprio autor chama na apresentação, borduna & feitiçaria). A própria floresta amazônica do século XI, conforme retratada na história, evoca um pouco da Era Hiboriana, como um ambiente selvagem e perigoso anterior à civilização.

De ponto negativo, eu diria que é um livro um tanto pequeno, tanto em número de páginas como de tamanho físico mesmo. As duas histórias são na verdade pequenas noveletas, pouco mais mais do que contos, cuja leitura pode ser feita em poucas horas. Apesar do preço sugerido (em torno de R$15) ser muito bom se comparado com outros livros de fantasia, o tamanho reduzido pode fazer um leitor pensar uma segunda vez ao vê-lo na livraria. Mas, como diz o senso comum, tamanho também não é documento, e a qualidade das histórias aqui certamente compensa pela quantidade delas.

Em todo caso, é um lançamento muito bacana desse início de ano, que eu certamente recomendo para fãs de histórias de aventura e fantasia. Quebra alguns paradigmas muito comuns a respeito da nossa história, e certamente dará boas ideias para os jogadores de RPG por aí que eu sei que me lêem.

6 Respostas to “O Encontro Fortuito de Gerard van Oost e Oludara / A Travessia”


  1. 1 Adriana "Strix" 27/01/2011 às 10:42

    Eu ainda tenho que falar desse livro em algum lugar. Gostei bastante dos dois, mas gostei mais do conto do Kastensmidt porque ele tem um fim mais com cara de fim. =p Na pior das hipóteses, ele parece um capítulo 1, não um capítulo 7. =p

    Mas em momento algum nego que o Causo escreve muito. Não me arrependi de ter comprado, fica o gosto do “quero mais”. :3


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