The Way of Kings

the-way-of-kings-by-brandon-sandersonNo Livro Sagrado das Convenções dos Gêneros Literários, geralmente se considera a “alta” fantasia como aquela dos mundos alternativos ao nosso, com outras geografias e raças e leis naturais. Não interessa se estamos em um mundo medieval semi-histórico como Westeros, com guerras épicas maniqueístas como a Terra-Média, ou repleto bugigangas e tranqueiras mágicas como Toril; não é a nossa Terra, ou pelo menos uma versão levemente alterada dela, então é alta fantasia do mesmo jeito. O jargão popular, no entanto, acabou dando ao termo um significado diferente: uma fantasia é mais “alta” quanto mais espalhafatosa for a sua relação com o sobrenatural, ou quanto mais absurdos e recorrentes forem os seus deus ex machina. Um mundo como Westeros, onde a magia é rara e custosa, seria uma fantasia bastante “baixa;” enquanto uma Toril, com seus Elminsters visitando o inferno e espadas mágicas jogadas nos cantos de masmorras, já seria um bocado “alta.”

Se adotarmos esta segunda concepção, podemos dizer que Roshar, o mundo de The Stormlight Archive, série do autor norte-americano Brandon Sanderson cujo primeiro volume é este The Way of Kings, seria algo como o Monte Everest da fantasia. Tudo nele é espalhafatoso e exagerado: os nomes são rocambólicos, os monstros são grandes, as batalhas são destruidoras, a magia é semi-divina, chegando ao ponto em que acampamentos de guerra contam com fortalezas de pedra erguidas em instantes e certos povos chegam a dispensar a agricultura em prol de alimentos gerados magicamente. O esforço em criar um mundo mágico e maravilhoso ao extremo é tanto que algumas vezes chega a ser até cômico – os nomes com mais consoantes do que vogais dão vontade de rir mesmo, e há uma profusão de detalhes vazios nos costumes e vestimentas dos personagens que não conseguem mais do que entediar.

O exemplo mais icônico da “altura” da fantasia no livro são as Shards, espadas e armaduras poderosíssimas deixadas para trás pelos Radiant Knights, ordens de cavaleiros que as teriam recebido dos Apóstolos do Todo-Poderoso para proteger a humanidade contra os Voidbringers, seres demoníacos que desejam expulsar os homens para o equivalente local do inferno. Após estes cavaleiros traírem seus protegidos e debandarem, seus artefatos passaram a ser disputados pelos diversos reinos e povos que se formaram pelo mundo, muitas vezes definindo as relações de poder e dominação entre eles. É graças a eles que muitos personagens são capazes de feitos de heroísmo dignos de um anime ou mangá shonen, como enfrentar em igualdade exércitos inteiros e monstros gigantes, dando à ação do livro muitas vezes um certo quê de Cavaleiros do Zodíaco medieval.

Mas isso, claro, é o que ele tem de mais legal. O contra-ponto é que a história contada neste primeiro volume é tão arrastada quanto é espalhafatosa e exagerada. Para quem não sabe, Sanderson, o autor, foi o escolhido pelo próprio Robert Jordan para terminar a sua consagrada série The Wheel of Time após a sua morte, e quem leu ao menos o primeiro livro sabe o quanto ela é arrastada e enrolona – e, lendo este, pode-se ver bem como a escolha foi acertada e perfeita. Há quatro protagonistas – definidos na sinopse da contra capa como “o cirurgião, o assassino, a mentirosa e o príncipe,” embora o segundo na verdade só apareça nos interlúdios entre as partes maiores do livro – cujos capítulos se intercalam de forma bem George-Martiniana, sem necessariamente se encontrarem diretamente mas girando em torno de um mesmo conjunto de lugares, personagens e situações, em especial as profecias sobre o retorno dos Apóstolos e uma guerra de vingança de um reino recém unificado contra os supostos assassinos do seu rei. Destes quatro, no entanto, apenas dois são realmente interessantes, e mesmo o enredo deles demora pelo menos um terço do livro para começar a engrenar. Como se não bastasse, o autor ainda perde tempo com ironias fracas e sub-enredos românticos sem qualquer propósito fora o de seguir alguma receita de bolo aprendida em oficinas de escrita, além capítulos de interlúdio com coadjuvantes que pouco ou nada tem de relação com os demais, e servem praticamente apenas para ele exibir todo o worldbuilding que fez.

Pra ser sincero, eu desisti de ler o livro duas vezes, e na verdade só decidi retomá-lo e me esforçar para ir até o fim por causa de um amigo que insistia que ele ficava bom lá pela página seiscentos ou setecentos das suas mais de mil. E a pior parte? Ele tinha razão. O terço final do livro, quando coisas finalmente começam a acontecer e o enredo a andar a passos de elefante, é realmente empolgante, e te deixa com vontade de ir atrás da continuação. E é então que finalmente chega aquele momento em que são duas horas da manhã e você tem que acordar cedo no dia seguinte, mas simplesmente não consegue parar de ler para ir deitar… Exceto que então você já está na página 1200 e faltam só três capítulos para terminar o maldito.

É bastante frustrante, na verdade. O segundo volume (de dez planejados pelo autor) deve ser publicado ainda este ano. Eu devo procurá-lo apenas quando sair a edição em paperback – não acho que ele valha o preço de um hardcover. Para quem começar a ler agora, no entanto, as chances são boas de que o termine apenas quando o próximo já estiver disponível…

9 Respostas to “The Way of Kings”


    • 2 Bruno 17/04/2013 às 14:36

      Acho que essa é aquela série que corre mais risco de os leitores morrerem antes de terminarem de ler do que o autor antes de terminar de escrever… =P

  1. 3 Armageddon 17/04/2013 às 15:14

    “O monte Everest da Fantasia” deveria estar na contracapa do livro! XD

    Dez volumes cara, pelo que tu falou, se o camarada fosse direto ao ponto fechava em dez capítulos. XD

  2. 4 Lucas Rocha 17/04/2013 às 17:45

    O mais engraçado é que o ~amigo~ desistiu de ler lá pela página seiscentos – quando as coisas começam a ficar mais legais – e vai voltar a ler agora que leu essa resenha 😛

  3. 5 Mariana Ferreira (@marianasgf) 17/04/2013 às 22:25

    Do jeito que vc descreveu parece o livro de elfo do @oseditorpira kkkkkkk


  1. 1 The Tough Guide to Fantasyland | Rodapé do Horizonte Trackback em 25/08/2013 às 00:29
  2. 2 Complexo de Outsider | Rodapé do Horizonte Trackback em 01/09/2013 às 00:39

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Sob um céu de blues...

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