Cybermancy

cybermancyVocês não odeiam quando tem uma idéia que acham bacana, contam pra algumas pessoas, elas acham legal também, aí de repente, meio que por nada, acaba descobrindo que outra pessoa teve a mesma idéia mais ou menos ao mesmo tempo que você e já está ganhando alguma coisa com ela? Bem, uns tempos atrás, inspirado pelo livro Neuromancer, que eu estava lendo no momento, eu apresentei a idéia do Maginauta, um novo tipo de personagem para mundos fantásticos-medievais, uma espécie de hacker da magia. E não é que, casualmente, olhando pela sessão de livros importados da Livraria Cultura (que curiosamente conseguem se manter mais baratas que as edições nacionais mesmo nos momentos de dólar alto), eu encontro um certo livro chamado Cybermancy, e, vendo a sinopse na contra-capa, descubro que ele é baseado em uma idéia incrivelmente parecida?

Claro, não é exatamente a mesma coisa que eu fiz. O universo criado por Kelly McCullough é bem mais carregado no pastiche; é um mundo contemporâneo ao nosso, mas onde os deuses e toda a mitologia clássica grega são verdadeiros e, mais do que isso, adeptos das facilidades do mundo digital. Um dos elementos principais da série, por exemplo, são os webgoblins, uma espécie de laptop mágico capaz de conjurar feitiços através de linhas de código binário e de acessar a mweb, uma rede de comunicação mística que liga os diversos mundos da existência e é administrada pelas Parcas, as deusas do destino do mundo grego. Esse pastiche caótico todo é, sem dúvida, o que há de mais divertido no livro, pelo menos para quem não for essencialmente chato e/ou purista (o que certamente não é o meu caso) – coisas como o personagem principal jogando cartas com Cerberus, ou a invasão do sistema interno do Hades, ou a óbvia piada de Eris com a Apple, ou ainda todas as pequenas tiradas que permeiam a narrativa e atualizam a situação de deuses e personagens clássicos das histórias gregas para o século XXI, são engraçadíssimas, às vezes de rir em voz alta mesmo, e valem muito bem a leitura (vide aí o próprio subtítulo que dá pra ver na imagem da capa – Hades tem um firewall dos infernos).

De resto, não há muito mais o que destacar. É um típico exemplar daquela literatura de massas norte-americana, com uma grande aventura épica de fantasia / ficção científica, incluindo aí boa parte dos elementos que você encontra em qualquer trilogia de histórias de Shadowrun ou outros cenários de RPG do gênero. Mas até é uma história legal, pelo menos para quem gosta do estilo, com personagens carismáticos, bons momentos de ação, algum mistério, toda uma rede de intriga divina que se desenvolve aos poucos, e tudo mais que couber aí no meio. Só o lado que tenta ser romântico realmente é um pouco superficial e enfadonho, parecendo às vezes uma daquelas séries de comédia/drama norte-americanas de segunda categoria. A narrativa também não é exatamente um ponto forte – o livro é todo em primeira pessoa, e o protagonista tem uma certa tendência em se deixar levar por longos monólogos de recapitulação do enredo bem no meio de algumas cenas importantes, o que fica um tanto irritante lá pela metade final.

Enfim, acho que, não fosse a inventividade do seu universo, Cybermancy não seria lá um livro muito destacável na multidão, ainda que isso não fizesse dele necessariamente uma obra ruim. Eu gostei, de qualquer forma, e me interessei pela série – já corri atrás e li o primeiro e o terceiro livros, WebMage e CodeSpell, respectivamente (Cybermancy é o segundo), e esse mês está sendo lançado o quarto volume, MythOS. Para quem gosta de mitologia grega, cyberpunk, pastiches insólitos, e não tem problemas com a língua inglesa, é uma boa recomendação.

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Sob um céu de blues...

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